Sistema sob pressão

05 de fevereiro de 2024

A população brasileira está envelhecendo ao passo que a taxa de natalidade está diminuindo. Esse descompasso pressiona o sistema previdenciário: mais pessoas se aposentando e menos trabalhadores contribuindo com a previdência. Vários países do mundo passam pela mesma situação e os que saíram na frente, buscando soluções a longo prazo, são os que estão melhores dentro deste cenário desafiador para as contas públicas.

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Um fenômeno observado há algumas décadas em países da Europa e nos Estados Unidos está desembarcando agora no Brasil: a evolução constante no envelhecimento da população. O total de pessoas com 65 anos ou mais no País saltou de 7,4% da população em 2010 para atingir 10,9% dos brasileiros no ano passado, conforme dados do Censo Demográfico 2022 realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Paralelamente, está diminuindo o número de jovens, já que as famílias estão menores.

Segundo o estudo, a idade mediana do brasileiro passou de 29 anos, em 2010, para 35 em 2022. O Censo mostra ainda que a população de até 14 anos, no mesmo período, caiu de 24,1% para 19,8%, o que evidencia o envelhecimento dos brasileiros. “Ao longo do tempo, a base da pirâmide etária foi se estreitando devido à redução da fecundidade e dos nascimentos que ocorrem no Brasil. Essa mudança [no formato da pirâmide etária] passa a ser visível a partir dos anos 1990, e a pirâmide etária do Brasil perde, claramente, seu formato piramidal a partir de 2000. O que se observa ao longo dos anos é redução da população jovem, com aumento da população em idade adulta e do topo da pirâmide até 2022”, analisou o gerente técnico do Censo, Luciano Duarte, durante a divulgação da pesquisa.

Enquanto a população mundial triplicou, entre 1950 e 2022, a de idosos sextuplicou no mesmo período e os sistemas previdenciários em todo o mundo não estão preparados para o envelhecimento da população.

Esse movimento tem diversos reflexos, entre eles, na previdência social, responsável pelo pagamento de benefícios como aposentadorias e pensões. Com o envelhecimento da população e menos pessoas entrando no mercado profissional para bancar o sistema, o governo terá de buscar novos meios que garantam o financiamento da previdência social.

Luís Eduardo Afonso, professor associado da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP) e especialista em previdência, destaca que, nos regimes públicos de previdência, a questão demográfica é elemento fundamental, porque determina o número de contribuintes e de beneficiários. “O último Censo surpreendeu a todos e mostrou que o nosso País está envelhecendo de maneira mais acelerada do que era esperada. Significa dizer que essa situação é desfavorável ao regime de previdência”, comenta.

Para José Cechin, ex-ministro da previdência e membro do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP, o envelhecimento da sociedade afeta a todos e impacta muito o sistema previdenciário. De acordo com Cechin, que também é superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), dois pontos devem ser levados em consideração. O primeiro deles é que, com menos pessoas nascendo, consequentemente, menos profissionais entram no mercado de trabalho, o que vai encolhendo a proporção dos que contribuem e, do outro lado, aumentam aqueles que recebem benefícios. “Ou seja, encolhe a base contributiva e expande o conjunto das pessoas que usufruem dos benefícios”, reforça Cechin.

Além disso, destaca o ex-ministro, “se a pessoa vai receber aposentadoria durante 20 anos, vai dar um valor. Se ela vive 30 anos, por exemplo, vai receber 50% a mais. Tem mais gente que consegue chegar à idade mais alta e isso tudo aumenta as despesas da previdência”. Aliado a isso, temos a queda da natalidade que vai reduzindo a base de quem vai contribuir.

“Com o aumento da expectativa de vida e a diminuição da taxa de natalidade, há um desequilíbrio entre o número de contribuintes ativos e o número de beneficiários aposentados, fazendo com que o sistema previdenciário enfrente desafios de gestão, para não entrar em colapso”, considera o advogado Mozar Carvalho, fundador da Carvalho de Machado Advocacia.

Entre os anos de 2010 e 2022, o Censo Demográfico, realizado pelo IBGE, mostrou que:
– o total de pessoas com 65 anos ou mais no País saltou de 7,4% da população para 10,9%;
– a idade mediana do brasileiro passou de 29 anos para 35;
– a população de até 14 anos passou de 24,1% para 19,8%;

Mudanças (no sistema e no trabalho)

Nos últimos 28 anos, o Brasil realizou três reformas da previdência. A última delas, em 2019, trouxe alterações nas idades de aposentadoria, no tempo mínimo de contribuição e nas regras de transição para quem já é segurado, entre outras mudanças.

A regra geral de aposentadoria passou a exigir, das mulheres, pelo menos 62 anos de idade e 15 anos de contribuição. No caso dos homens, 65 anos de idade e 20 anos de contribuição. O tempo de contribuição mínimo permanece em 15 anos somente para os homens que estiverem filiados ao Regime Próprio de Previdência Social (RGPS) antes de a emenda constitucional entrar em vigor. Já para os servidores públicos federais, que contribuem para a União, a nova regra geral passou a exigir 62 anos de idade para mulheres e 65 para os homens, com pelo menos 25 anos de contribuição, 10 anos de serviço público e 5 anos no cargo em que se dará a aposentadoria.

“O tipo de reforma que estamos discutindo permite o sistema rodar por mais tempo, com certo nível de déficit que é o esperado, mas não sei se é o suficiente para enfrentar o envelhecimento lá na frente, 2050 ou 2060”, pondera o coordenador-geral de estudos e estatísticas do departamento do regime geral de previdência social do Ministério da Previdência, Eduardo Pereira. “Estamos fazendo as reformas possíveis, mas estamos lidando com mudanças profundas na sociedade e uma hora teremos que fazer uma reforma profunda na previdência”, complementa Pereira.

À época, a reforma estabeleceu uma idade mínima para aposentadoria, levando em conta o aumento da expectativa de vida da população, salienta Carvalho. “Além disso, houve mudanças nas regras de cálculo dos benefícios, que tornaram o sistema mais equilibrado e sustentável. A reforma também buscou reduzir privilégios e equalizar as regras entre os diferentes grupos de trabalhadores. Não se conclui que essas medidas são suficientes ou cabais, mas se mostram essenciais para garantir a viabilidade do sistema previdenciário diante dos desafios demográficos e econômicos futuros”, diz.

Aliado a esse cenário, o País ainda tem de lidar com as mudanças no mercado de trabalho, que reduziram significativamente as contribuições para a previdência social. “Um desafio que o País tem é o de reconhecer essas novas relações de trabalho, com a ‘uberização’ da economia, que são os trabalhadores de plataformas. Uma dificuldade é inserir esses profissionais  que não podem ficar fora dos benefícios, não só aposentadoria, mas também benefícios de risco, como acidente, no sistema. O Brasil tem algumas iniciativas neste sentido e está negociando com as plataformas”, comenta o professor Afonso.

Uma das ideias, comenta o professor, é acrescentar um valor no preço que o consumidor paga e a plataforma fazer, também, uma contribuição. “A gente pensa em transportes quando fala em ‘uberização’, mas tem várias outras, como alimentos, por exemplo. O fato é que a relação de trabalho está mudando”, enfatiza Afonso.

Pereira concorda que a questão tecnológica vem gerando mudança no emprego e vai além ao lembrar do impacto da inteligência artificial nos empregos mais qualificados. Para ele, o que a robotização poderia fazer no emprego industrial já foi feito e agora a tecnologia anda para atingir os empregos de natureza intelectual. “Neste cenário de automação, a previdência vai diminuindo a base de tributação e, talvez, tenha que tributar outras coisas, como vendas, para financiar a previdência.

Os especialistas alertam ainda que muitas pessoas que estão entrando agora no mercado de trabalho também optam por não contribuir com a previdência, seja porque consideram o sistema falido seja porque acham o valor de recolhimento muito elevado. “É caro pagar previdência e isso desestimula a adesão. Temos de pensar formas de diminuir essa alíquota de contribuição e só tem um jeito: baixar o gasto total de aposentadorias e isso só é possível atrasando a data de entrada na aposentadoria. No passado, tinha gente se aposentando com 48 anos de idade. Isso cria um desequilíbrio para o sistema”, comenta Cechin.

De acordo com Pereira, se a direção para a qual o País está indo não for alterada, levará a uma contribuição ainda menor. No caso dos Microempreendedores Individuais  (MEIs)  por exemplo, muitos não contribuem, solapando o processo de envelhecimento como a base. “Em 2021, tínhamos menos contribuintes da previdência do que em 2014. Temos um sistema de repartição simples no qual os ativos financiam os aposentados – mas em sete anos não aumentou o número de ativos. Temos de gerar empregos, colocar pessoas em postos de trabalho que contribuam”, reflete Pereira.

A previdência, na visão do professor Afonso, está pouco preparada para o envelhecimento da população brasileira e as ações não têm sido consistentes para essas mudanças. Para ele, o Brasil nunca se pautou para fazer mudanças com antecedência. “Ao mesmo tempo que acho que é obrigação, sou pessimista em relação a fazer isso em tempo hábil. Acho que vamos discutir e, de fato, agir só quando se agravar mais”, afirma ao lembrar que a recomendação de organismos internacionais é de olhar para frente e se antecipar aos possíveis problemas.

“O Brasil tem falhado em um elemento central de equilíbrio das contas, que é a proporção de trabalhadores que contribui com a previdência. Sempre tivemos uma informalidade muito alta, mesmo assim não me lembro de campanha de nenhum governo consistente para tentar aumentar proporção de contribuintes, mostrando que temos várias modalidades de contribuição. Esse esforço de comunicação nunca aconteceu”, diz Afonso.

A ÍNTEGRA DESTE CONTEÚDO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #479 IMPRESSA DA REVISTA PB. PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE A VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH E REVISTARIAS.

Gilmara Santos JOÉLSON BUGGILLA
Gilmara Santos JOÉLSON BUGGILLA