Sustentabilidade ampliada

06 de outubro de 2021

O desenvolvimento passa a ser sustentável quando conecta a relação entre crescimento econômico, conservação ambiental e responsabilidade social – hoje, identificada pela sigla ESG. Da sensibilização da sociedade, o conceito de crescimento sustentável se coloca como uma prerrogativa a empresas e governos. Neste cenário, a transparência perante a opinião pública ganha peso nas tomadas de decisões estratégicas. São ações nas quais todos os envolvidos ganham.

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Termo em ascensão no ambiente de negócios, o ESG (Environmental, Social and Corporate Governance) é destaque da Revista Problemas Brasileiros (ed. #466 out/nov). A publicação dedica uma edição exclusiva às temáticas de bioeconomia, economia circular e cases de governança e responsabilidade socioambiental. O panorama oferecido discute, por exemplo, boas práticas envolvendo a gestão de resíduos, o reúso de água e a descarbonização dos processos produtivos. A proposta é apresentar alternativas capazes de trazer vantagens competitivas para quem as adota. Retratado na edição, o Carrefour destina, mensalmente, à compostagem 350 a 400 toneladas de resíduos da rede. Com a marca Terra Vegetal, o produto é comercializado em embalagens de cinco quilos. Ele é próprio para jardinagem, horta, gramado e cobertura de solo em geral. Desde o seu lançamento, há um ano, as vendas duplicaram – e, só em 2020, foram comercializados 30,74 mil sacos, o que representa mais de 153 toneladas do produto. Ações de responsabilidade social com foco na equidade e condutas que envolvam a transparência nos processos de governança figuram nas páginas de PB.

Repercutimos também as pautas discutidas no Conselho de Sustentabilidade (CS) da FecomercioSP e no recém-lançado Comitê ESG pela Entidade. Em artigo, Luiz Maia, consultor sênior da GBS Finance e coordenador do comitê, fala do objetivo de propagar critérios e ações sustentáveis, dada a capilaridade da Federação. Na avaliação de Maia, as alterações climáticas e a pandemia soam como um alerta: “A cobrança virá de forma implacável pela sociedade e pelo maior stakeholder: o planeta”. O especial conta, ainda, com a contribuição das parceiras Agência BORI, especializada em notícias sobre ciência, e Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), que assinam artigos exclusivos.

A gestão de resíduos no Brasil é objeto de discussão. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), promulgada em 2010, previa que, em 2014, apenas rejeitos fossem encaminhados aos aterros sanitários, ou seja, o resíduo (lixo) deveria ter como destinação o reúso, a reciclagem, a compostagem e o aproveitamento energético, e o que sobra é o “rejeito”, isto é, o que não tem reaproveitamento deveria ser disposto em aterros. Por falta de comprometimento, o prazo foi estendido para 2024. A apuração mostra que a mesma PNRS não garantiu um avanço na reciclagem. Hoje, o País recicla só 4% do seu lixo, deixando de arrecadar R$ 14 bilhões por ano, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Uma vez que a geração de resíduos cresce à medida que as economias avançam, novas barreiras surgirão, e soluções inovadoras devem ser endereçadas na mesma proporção. Neste cenário, o setor privado vem adotando políticas de gestão de resíduos e combate ao desperdício mais rapidamente (e, muitas vezes, mais eficazes) do que as políticas públicas. Por isso, evidenciamos o movimento crescente de empresas que prontamente empregam tecnologias de resíduo zero para alguns produtos.

Seja pela consciência, seja pela pressão dos investidores e da sociedade, o mercado vem adotando políticas de gestão de resíduos e combate ao desperdício mais rapidamente – e, muitas vezes, mais eficazes – do que as políticas públicas.

Na matéria “O social como ferramenta de crescimento”, mostramos que, no Brasil, práticas coorporativas de inclusão e equidade (pilares de Governança), com frequência, se resumem apenas a cumprir as leis trabalhistas. Dentre as premissas da área social na agenda ESG, estão o estímulo às políticas de inclusão, diversidade e empreendedorismo dentro e fora das empresas, bem como a promoção de impacto positivo na comunidade em que se atua.

No fim de 2019, por exemplo, o Magazine Luiza constatou que 53% do quadro de colaboradores diretos da rede de varejo são compostos por pessoas negras. Entretanto, apenas 16% delas ocupavam cargos de liderança. Para contornar a situação, foi criado um programa de trainee específico para que os negros pudessem chegar a esses cargos. Apenas na primeira edição, foram 22 mil inscritos e 19 trainees selecionados – o dobro dos anos anteriores. A atenção especial às mulheres também é meta do Magazine Luiza. O Luiza Code – curso gratuito de formação na área de software – reserva metade das vagas destinadas às colaboradoras, parte delas especificamente para mulheres negras. O objetivo é equilibrar este ecossistema sob a ótica de gênero, oferecendo um ambiente seguro para que mulheres possam trabalhar e se desenvolver, em uma área que ainda é predominantemente masculina.

A governança corporativa se apoia em pilares como transparência, prestação de contas e responsabilidade. Contudo, o que significa, hoje, ser uma empresa transparente? Com esta premissa, a reportagem “A economia da transparência” levanta as práticas adotadas, quais processos envolvidos e quem garante e fiscaliza estas ações que definem um novo modelo empresarial.

Plástico e crise hídrica

Banir ou não, eis a questão. Considerado o vilão número 1 do meio ambiente, em decorrência da geração de lixo nas ruas e nos oceanos e da emissão de dióxido de carbono (CO2), o plástico é tratado como um item indispensável na indústria e no comércio pela durabilidade e resistência. As medidas adotadas para minimizar os seus impactos ambientais têm criado um clima de polarização entre o Poder Público e entidades do setor, as quais defendem ações em prol da Logística Reversa (LR) e de uma política tributária menos onerosa ao ciclo da reciclagem. Investigamos o motivo de, apesar das boas intenções, os números revelarem que há muito a ser feito quando o assunto é economia circular.

A crise hídrica em que o Brasil se vê mergulhado é outro assunto abordado. O texto revela que o País pouco utiliza água de reúso para equilibrar o consumo deste escasso recurso – apenas 1% da oferta brasileira, segundo o estudo O Impacto Econômico dos Investimentos de Reúso de Efluentes Tratados para o Setor Industrial, realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).  Aproximadamente 76,7% da água potável são destinados à agricultura e à indústria, estas que poderiam investir em estruturas de reaproveitamento para tornar os processos sustentáveis. Apesar de contar com resultados bem‑sucedidos, principal entrave para a promoção do recurso é a falta de regulamentação.

Ficou no passado o entendimento de que dar importância à sustentabilidade é apenas apostar na reciclagem do lixo ou na redução do consumo de energia. Companhias de diferentes portes sabem que elas têm um papel fundamental na sociedade, o qual vai muito além de gerar emprego e renda.

Ficou no passado o entendimento de que dar importância à sustentabilidade é apenas apostar na reciclagem do lixo ou na redução do consumo de energia. Companhias de diferentes portes sabem que elas têm um papel fundamental na sociedade, o qual vai muito além de gerar emprego e renda. Ao longo de duas décadas, o executivo Fábio Colletti Barbosa, de 65 anos, dedica o seu trabalho ao que acabou evoluindo para o conceito de ESG. Ele, que já presidiu o extinto Banco Real, o Santander, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e o Grupo Abril, é um dos principais nomes do setor no País. Em entrevista, defende que é possível ter ganhos financeiros e, ao mesmo tempo, olhar para o futuro: “É crescente o número de companhias que veem isso como estratégia”. Na visão de Barbosa, trata-se de uma construção de décadas que vem se consolidando, mas observa que é importante evitar a associação deste aspecto positivo ao impacto da pandemia. “Seja no Business Roundtable Principles of Corporate Governance, seja em Davos, em 2019, seja na carta de Larry Fink aos CEOs, de 2018, já se falou muito em ESG”. “Eu vejo as empresas bastante preocupadas, algumas correndo atrás, outras se consolidando no que vinham fazendo e outras tentando aprender. Este é um tema que não dá mais para ser ignorado.”

O executivo enaltece que os avanços foram significativos nos últimos anos, e que os jovens têm consciências ambiental, social, ética e cidadã, portanto, estão mudando os padrões de consumo e de investimento, a perspectiva de carreira e tantas outras coisas. De acordo com sua prospecção, “a boa notícia é que vai continuar mudando, e ainda vai acelerar muito”.

Eduardo Ribeiro Paula Seco
Eduardo Ribeiro Paula Seco