Acesso ilimitado

22 de julho de 2020

Após um acidente, em 2018, Maithê Stellfeld de Oliveira Poloi teve que lidar com restrição de mobilidade. Por causa dessa sequela, acreditava que seus planos de fazer uma terceira graduação tinham sido comprometidos. Graças ao Ensino a Distância (EAD), foi possível viabilizar essa meta. Hoje, ela cursa o segundo trimestre de Análise de Sistemas na Faculdade COC, em Curitiba.

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Para as irmãs Simone Pereira Silveira e Sirlaine Pereira, o obstáculo para voltar a estudar era a distância, já que elas moram em um sítio na zona rural de Florianópolis. Com o EAD, ambas estão cursando Administração de Empresas na Faculdade COC.

O filho de Simone, Ayres Alexandre Pereira Masutti, também voltou a cursar Ciências Contábeis por EAD e, agora, pode conciliar estudo, trabalho e cuidados com o filho pequeno.

Assim como Maithê, Simone, Sirlaine e Ayres, o EAD tem ajudado milhões de brasileiros a conquistar uma graduação no ensino superior sem a necessidade de sair de casa. A modalidade exibe ritmo de crescimento forte: segundo a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), em menos de cinco anos, o número de novos “alunos online” nas faculdades privadas será superior ao de ingressantes nos cursos presenciais.

Motivos sobram: acesso fácil, em qualquer hora e lugar, horários de aulas flexíveis e mensalidades que podem custar menos da metade de um curso tradicional.

Tantas vantagens conferem ao EAD um forte perfil inclusivo. “Em censos anteriores, constatamos que há, proporcionalmente, mais mulheres cursando do que homens, o que revela uma ampliação de acesso por gênero. Também foi percebido que a presença de negros e pardos é maior do que a média [nos cursos presenciais], apesar de ainda não corresponder ao nosso padrão populacional”, ressalta a coordenadora do CensoEAD.BR 2018, da Associação Brasileira de Ensino a Distância (Abed), Betina von Staa.  A gestora destaca também a maior acessibilidade de pessoas com algum tipo de deficiência física, já que a necessidade de deslocamento é reduzida, ou mesmo inexistente. 

 “Sem a necessidade de instalações físicas, as instituições conseguem diminuir significativamente o custo do curso. O estudante também economiza com despesas como transporte e alimentação”, diz o diretor-executivo da Abmes, Sólon Caldas. 

Alta exponencial

Os cursos de graduação EAD cresceram 50% em um ano, passando de 2.108, em 2017, para 3.177, em 2018 – incluindo universidades públicas e particulares. 

Entre os motivos para a forte expansão está o Decreto 9.057, assinado em 2017, pelo então presidente Michel Temer, que autoriza entidades privadas de ensino superior a atuar apenas com educação a distância. O governo federal também tornou mais flexível a abertura de polos de ensino. Antes, o Ministério da Educação (MEC) precisava visitar cada uma das unidades. Após o decreto, a avaliação dos cursos pode se restringir à sede da instituição que os oferece.

“Nada supera a relação presencial entre professor e aluno. Isso não significa que não se possa aprender no outro formato [EAD], mas desde que todos compreendam as diferenças e saibam tirar a melhor performance.” Jamir Kinoshita, professor universitário e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP

Trabalho dobrado

Ministrar boas aulas está longe de ser tarefa fácil. E, pela web, as dificuldades aumentam porque o professor tem de se desdobrar mais para manter a atenção do aluno. “É necessário que a aula seja mais energizada, mais legal de ser acompanhada. Não é entretenimento, é uma maneira de evitar que o aluno se distraia por causa de questões como o trânsito, a televisão em casa, a internet, etc.”, afirma o consultor Dino Gueno, professor de Marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Ele admite as vantagens da modalidade, mas acredita que o sucesso de qualquer curso com esse perfil dependa de fatores como conveniência de horários para o aluno, conteúdo atualizado e ferramentas tecnológicas adequadas – para que possa ser assistido em celulares, por exemplo, em qualquer local com acesso à internet.

 “Montar a estrutura necessária é trabalhoso, caro e demanda tempo. Contudo, uma vez instalada, permite atender a um número expressivo de alunos”, destaca o matemático Claudio Possani, especialista em administração escolar. “Em comparação à educação tradicional, há uma mudança de escala na quantidade dos alunos que podem ser atendidos”, completa.

Lacunas

Apesar das vantagens e da tendência de crescimento continuar nos próximos anos, o EAD ainda provoca ressalvas e divide especialistas. As principais dúvidas se referem aos métodos de avaliação dos alunos e à eficácia das aulas. 

“Por mais que se questione, o fato é que nada supera a relação presencial entre professor e aluno. Isso não significa que não se possa ensinar e aprender no outro formato, mas desde que todos compreendam as diferenças e saibam tirar a melhor performance do EAD”, afirma o doutorando em Ciências da Comunicação pela USP e pesquisador do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT) da mesma universidade, Jamir Kinoshita, professor da Faculdade de São Paulo/Uniesp.

Em dezembro de 2019, a Portaria 2.117, do Ministério da Educação, provocou reações de entidades de classes. A lei permite às universidades oferecerem cursos de graduação com até 40% da carga horária a distância, com exceção apenas de Medicina. O limite anterior era 20%. 

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) criticou a medida e entrou com ação na Justiça para impedir a mudança. “Na prática, os efeitos da portaria impactarão a formação de todos os profissionais da saúde. A decisão do MEC vai repercutir diretamente na qualidade do ensino em Enfermagem e, consequentemente, afetará toda a população”, afirmou a entidade, em nota.

“O MEC fiscaliza do mesmo jeito que as demais [presenciais]. Os alunos fazem o Enade [Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes], há visitas de comissões quando necessárias, etc. As instituições estaduais têm credenciamento para ensino a distância com o MEC e são fiscalizadas pelo Conselho Estadual da Educação, conforme ordena a LDB”, detalha Cláudio Possani.

“As instituições conseguem reduzir, de maneira significativa, o custo do curso. O estudante também economiza com outras despesas, como transporte e alimentação.” Sólon Caldas, diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes)

Ele explica que, até 2019, as provas aplicadas aos alunos tinham de ser presenciais, e as instituições cumpriam a regra. “Agora, a normatização mudou, e as provas presenciais não serão mais obrigatórias. As instituições ainda estão se adaptando.”

O presidente da Abed, Fredric Litto, explica que o ensino a distância não deve ser visto apenas como um substituto do presencial, mas como segmento com características específicas a uma parcela da população. “O EAD não é para todo mundo. É necessário que o estudante esteja altamente motivado e seja disciplinado.”

Em relação às avaliações, ele lembra que a maior parte dos cursos oferecidos de graduação não é totalmente a distância, mas híbrida – parte remota e parte presencial, sem prejuízo ao conhecimento e à avaliação do aluno. “Sempre haverá as partes prática e presencial, que são necessárias, como o contato direto com os pacientes, no caso do curso de Medicina”, explica Litto. “Mas a parte teórica pode ser totalmente a distância”, completa. Apesar de muitas faculdades adotarem atividades presenciais independentemente do curso, o MEC permite aulas totalmente remotas.

Sobre as provas, o executivo da Abed afirma que a tecnologia permite bom controle. Como exemplo, cita aquelas feitas online, com câmeras instaladas no computador do aluno, que viabilizam a fiscalização ao vivo durante o exame. “A tecnologia nos dá mecanismos para coibir plágios e fraudes.” 

EAD em expansão  

50% foi o crescimento da graduação entre 2017 e 2018

Em 2009, havia 528,32 mil matriculados em cursos a distância. Em 2018, esse número chegou a 9,37 milhões de estudantes

27% foi a expansão do EAD (todas as modalidades) versus 0,5% de expansão do ensino presencial (2017 e 2018)

Mensalidade de algumas graduações a distância chega a ser R$ 99

60% dos alunos de Pedagogia e Licenciaturas optaram pela modalidade em 2017

Fontes: Ministério da Educação, Abed, Grupo SEB e ONG Todos pela Educação

Conteúdo publicado na edição 457 da revista PB. Clique aqui.

Marcus Lopes Joélson Buggilla
Marcus Lopes Joélson Buggilla