Aulas de Educação Financeira nas escolas públicas e particulares começam a mostrar os efeitos positivos. Entretanto, panorama do País, com o hábito de parcelamento ilimitado e outras mazelas, segue preocupante.
Em 2005, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomendava que “educação financeira deveria começar o mais cedo possível e ser ensinada nas escolas”. Onze anos depois, a S&P Global Financial Literacy Survey, maior pesquisa sobre educação financeira do mundo – realizada pela agência de risco Standard & Poor’s com 150 mil adultos em 148 países –, apontava que dois a cada três pessoas no mundo ainda eram analfabetos financeiros. Se o desafio global é imenso, o brasileiro não é menor, mas os especialistas garantem que vencê-lo colocará o País em patamar desenvolvido.
Para Leandro de Souza Vieira, diretor de Gestão da Educação Básica da Secretaria de Estado da Educação, Juventude e Esportes (Seduc) de Tocantins, a Educação Financeira (EF) deve estar na grade curricular. O Estado, pioneiro nacional na inclusão do tema como disciplina nas escolas, ainda enfrenta a questão da qualificação dos professores. “Quando começamos, havia um pensamento de que a disciplina seria apenas mais um trabalho para o professor desenvolver. Reunimos 3 mil docentes e mostramos o sentido e o propósito da matéria.”
Na prática, a EF já está fazendo diferença. Uma das mudanças é a melhoria no desempenho dos alunos em sala de aula. “Hoje, temos estudantes mais protagonistas, questionadores. Podemos perceber a educação financeira caminhando em todas as disciplinas”, diz o diretor. “Os alunos buscam, dentro dos conteúdos aplicados, exemplos para a sua realidade e chegam a propor atividades para o professor. É um trabalho interdisciplinar que acontece entre um grupo de pessoas. Não é apenas o professor que sugere, até porque existem dúvidas dos alunos que não são do convívio do professor.”
Vieira destaca que os estudantes perguntam mais sobre como lidar com as finanças no mundo digital. Outra dúvida frequente é como investir dinheiro na Bolsa. “Temos muitos jovens que se interessam por isso. Neste caso, os professores vão em busca de informação para passar a melhor orientação, já que isso é pura matemática.”
O interesse dos alunos por investir em ações também foi citado por Rossano Oltramari, um dos principais especialistas de finanças do País e estrategista da 051 Capital. Para ele, que foi um dos fundadores da XP Investimentos, o interesse pelo mercado de capitais é um dos avanços significativos trazidos pela disciplina nos últimos anos. Oltramari defende a expansão do ensino de forma híbrida (presencial e digital). “A educação financeira precisa passar pela escola, tem que fazer parte de um currículo escolar. Contudo, com o avanço da tecnologia, teremos condições de acelerar este processo por meio do Ensino a Distância (EAD), com iniciativas interessantes, como o empreendedorismo.”
Segundo o analista, o grande desafio está na formação do pensamento empreendedor da sociedade. “A educação financeira, na sua essência, passa pela preocupação com o consumo e o meio ambiente, além de mostrar como as pessoas se relacionam com dinheiro”. E vai além: “O empreendedorismo nos ensina que, quando se faz algo que não deu certo, não significa que foi um fracasso; pelo contrário, você aprendeu algo.”
Quando o tema é crédito e inadimplência, a EF se torna ainda mais crucial. “Existem vários motivos que fazem uma pessoa se endividar. Nós temos 60 milhões de pessoas no SPC [Serviço de Proteção ao Crédito]. Somos [o Brasil] campeões históricos e mundiais em termos de taxas de juros; que ao longo dos últimos anos foram uma das mais altas do mundo – puxadas pela taxa básica, impostos e inadimplência. Qualquer dívida que se assume se torna impagável. É muito fácil se perder o controle de uma dívida”, afirma Oltramari.
“O crédito é muito importante para a economia e faz parte do crescimento do País, desde que seja condizente, justo. Quando tem custo exorbitante, não é um motor do crescimento, mas um problema social.”
Além da alta taxa de juros, Oltramari também cita como motivo para o endividamento o incentivo dos governos para o consumo via crédito. “Nos últimos dez anos, as pessoas compravam um telefone celular em 12 vezes, uma TV em 20 vezes, um carro em até 50 meses, sem saber quanto estavam pagando. Não faziam conta, olhavam apenas o valor da prestação. ‘Eu posso pagar, então, eu compro’.”
Igualmente contrária à mania nacional do crédito a perder de vista, a rede paulista de escolas Luminova não financia certas despesas. “Não parcelamos os custos que a escola tem com formaturas; juntamos dinheiro o ano inteiro para poder gastar. É isso que passamos aos os alunos”, conta o fundador e diretor-geral da rede, Luizinho Magalhães.
Em atividade desde 2018, a Luminova inseriu na grade curricular a EF em todas as turmas. “No Brasil, historicamente, a lei do parcelamento do endividamento se fez muito presente. A cultura brasileira sempre foi muito assistencialista, do ‘melhor remediar do que prevenir’. É assim com a saúde: gastamos uma fortuna não preventivamente. Na educação, é a mesma coisa.”
Sobre os efeitos da EF na qualidade de vida das famílias, o educador é enfático. “Temos depoimentos de um aluno do 7º ano que disse para a mãe que é melhor esperar mais três meses para comprar a geladeira, porque podem juntar mais dinheiro para dar uma entrada maior, o que isso significa economia nas prestações.”
Luizinho destaca a abrangência do trabalho em sala de aula, que inclui avaliações em grupo sobre temas como a relação das instituições financeiras com as pessoas, datas comemorativas comerciais e alcança até a questão de gênero nas famílias. “Como um banco remunera um investimento? Como cobra um empréstimo? Tudo isso faz parte das aulas de empreendedorismo. Temos este trabalho com os alunos para que eles tenham sempre consciência sobre o consumo. Aqui, na escola, não exploramos datas comemorativas, como Dia das Mãe ou dos Pais. Nós celebramos o Dia da Família, porque, hoje, não dá para você falar que família é formada por ‘papai e mamãe’. Você tem famílias com dois pais, duas mães, família sem pai, sem mãe, etc.”
A última fase escolar antes de o jovem se tornar um adulto e entrar na faculdade é o ensino médio. Este é ponto no qual o professor Paulo Rogério Palma Freire mira esforços como educador e pesquisador. Ele é autor do estudo Educação Financeira: Importância e Aspectos de um Saber em Livros Escolares de Ensino Médio (1996 a 2016), desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). A pesquisa aponta a importância da EF no contexto escolar, principalmente para quem cursa o ensino médio.
“A educação financeira é um saber importante a ser apropriado por este estudante, principalmente em tempos atuais, quando apelos ao consumo são feitos de diversas formas. O consumo em excesso leva ao consumismo, que certamente traz consequências sérias à vida daquele que se insere nesta dinâmica exacerbada”, afirma Freire.
Apesar da importância do tema, a EF ainda é pouco discutida nos livros didáticos de Matemática para o ensino médio. A pesquisa de Freire analisou dois manuais escolares utilizados em escolas públicas do Estado de Santa Catarina, de ensino médio, entre 1996 e 2016. A conclusão do trabalho não traz perspectivas otimistas se for mantida a atual estrutura de ensino, afirma o estudioso. “Como estão formalizados, os livros didáticos nos mostram que o estudante pode vir a ser um analfabeto funcional e financeiro, com um índice crescente de famílias se endividando por causa do uso vicioso de créditos.”
O bate-papo pode ser ouvido na íntegra no podcast da PB.