Atentados recentes dentro de escolas provocaram uma comoção coletiva. Soma-se a isso uma onda de ameaças de novos ataques, que está disseminando o pânico entre estudantes e familiares. Esta conjunção traz o risco de que a escola passe a ser percebida como um lugar de insegurança e medo – e não deveria ser assim. Para que esta sensação não se prolongue, deve haver um esforço conjunto de governantes, educadores, estudantes e sociedade.
Algumas medidas externas à escola podem ser tomadas, como o monitoramento de grupos extremistas online, punição a quem incentivar crimes e desarmamento da população. Também é importante que as famílias estejam atentas a alterações de comportamento e observem sempre os conteúdos consumidos por crianças e adolescentes. A mídia não deve divulgar os nomes de quem faz os ataques, tampouco mostrar imagens e comparar números de mortos e feridos.
Além disso, dentro da própria escola há uma lição a ser feita: a criação de um espaço de acolhimento para todos. De forma geral, o ambiente escolar brasileiro não é de promoção do diálogo, afirma a professora Flávia Vivaldi, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), que une pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“Ainda seguimos um modelo tradicional de manter o comportamento dos jovens sob controle. Existe mais uma tentativa de silenciar os estudantes, sobretudo quando querem falar de outros temas. É um sistema voltado para os conhecimentos específicos, que ainda não acordou para a necessidade de se trabalhar a convivência de forma intencional, para que as relações sejam de confiança”, explica Flávia.
Num momento de tensão como o atual, abrir espaço para que os estudantes exponham seus sentimentos é fundamental. “A escola não pode fingir que nada está acontecendo e seguir com os conteúdos previstos. A primeira coisa a se fazer é abrir espaço para conversar sobre o tema, levantar com os estudantes as razões que eles enxergam para esses atos, o que eles sabem a respeito do assunto. Também reiterar de forma contundente o prejuízo que é ‘brincar’ com estes conteúdos, ensinar como deve ser o processo de denúncia”, sugere a professora. Ela lembra que foi criado um canal pelo Ministério da Justiça, o Escola Segura, que pode ser divulgado nas escolas.
Outra ação que deveria ser tomada imediatamente é fazer uma pesquisa diagnóstica sobre a convivência escolar em cada unidade, defende Miriam Abramovay, doutora em Educação e coordenadora do Programa Estudos e Políticas sobre Juventudes, Educação e Gênero: Violências e Resistências da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
Conhecer a realidade da própria escola pode indicar os caminhos de forma realista e personalizada. “Não existe uma saída milagrosa. E não adianta botar câmera, catraca e polícia na escola. Pesquisas nos Estados Unidos indicam que, nas escolas que usaram a polícia para tomar conta dos recreios, a situação de violência piorou. As evidências apontam melhoras com programas de convivência que incluam todos que frequentam a escola”, diz Miriam.
Talvez os problemas de violência não cheguem ao risco real de atentados, mas é comum haver múltiplas formas de violência dentro do ambiente escolar que devem ser resolvidas. “A escola em geral não é lugar de tranquilidade: existem cotidianamente brigas, furtos e agressões – de professor contra alunos, de alunos contra professores e entre eles mesmos”, afirma a professora da Flacso. Para ela, o importante é que todos possam ter confiança no espaço escolar, para que seja um ambiente de aprendizagem e convivência pacífica.
Se é verdade que ninguém nasce odiando ou discriminando, também é verdade que ninguém nasce sabendo dialogar. Portanto, as crianças, desde cedo, precisam ser ensinadas a desenvolver certas habilidades, como esperar a sua vez de falar, prestar atenção de fato ao que os outros falam e usar palavras descritivas e não violentas em situações tensas. De que serviria saber as fórmulas de matemática e as regras de português se não sabe respeitar os outros?
Há uma necessidade urgente de ouvir os estudantes neste momento de crise, mas educar para valores humanos precisa ser também uma política de longo prazo. “As escolas devem trabalhar proativamente para ter relações respeitosas. Vamos pensar nas crianças e nos adolescentes que têm famílias disfuncionais, que não oferecem um ambiente que construa esses valores, que devem ser o norte de comportamento social. Pela escola, ele terá a possibilidade de construir uma personalidade ética”, afirma Flávia Vivaldi.
Assim como no caso de famílias disfuncionais, a escola também sofre a influência de outros fatores extramuros. “Voltamos da pandemia em conjunturas político-social e educacional muito difíceis. Os jovens ficaram sem convivência com o espaço escolar, com seus professores, seus pares. Além disso, havia uma pessoa na presidência que fazia propaganda de armas e violência, que não queria discussões na escola que tivessem relação política, com sexualidade”, cita Miriam, da Flacso.
Esta conjuntura complicada, que ultrapassa os limites de atuação escolar, afetou os estudantes, que ficaram mais vulneráveis a redes de ódio. Em geral, são jovens do sexo masculino muito isolados, que não conseguem estabelecer bons relacionamentos no ambiente escolar. “Sem um trabalho sistematizado para a inserção, eles encontram outros espaços: as comunidades mórbidas de subcultura extremista. Neste lugares, buscam o respeito que não percebem nos outros grupos sociais. Claro que é um conceito distorcido, porque ganha status quem comete estas atrocidades”, explica Flávia, do Gepem.
Como os atentados contra escolas são fenômenos complexos, com muitos fatores envolvidos, não se pode culpabilizar a própria escola. Contudo, ela deve reconhecer e exercer o seu papel de tratar da afetividade e de criar um clima acolhedor. “A vivência destes meninos dentro da escola não lhes permitiu o sentimento de pertencimento. Houve um desamparo social amplo”, destaca Flávia.
Oferecer amparo social de forma ampla implica a articulação de políticas públicas para a educação com a assistência social, a segurança pública e os cuidados de saúde, incluindo a mental – com a esperança que, num futuro breve, se possa mudar o paradigma de combate à violência para o da promoção de uma convivência ética.