O abandono e a evasão escolar, problemas que nunca foram totalmente resolvidos no Brasil, voltaram a crescer após décadas em queda. Os desafios educacionais do País, já estruturalmente complexos, com a pandemia e a falta de coordenação do Ministério da Educação (MEC) para lidar com a emergência, tornaram-se crônicos.
Além de não conseguir fazer com que todos os alunos da rede pública acompanhassem as aulas, tampouco houve garantia de aprendizado para quem marcou presença. Depois de cerca de 18 meses de escolas fechadas, sem plena viabilidade de acesso ao ensino online, a qualidade do aprendizado ficou ainda mais comprometida.
“Nos últimos dez anos, vínhamos reduzindo o abandono e a evasão. Não era um problema 100% solucionado, mas, mesmo no ensino médio – a etapa mais complicada –, as taxas eram descendentes. A pandemia interrompe este ciclo”, contextualiza Ivan Gontijo, coordenador de políticas educacionais do Todos Pela Educação. Em 2021, cerca de 244 mil crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos estavam fora da escola, um aumento de 171% em comparação a 2019, quando 90 mil crianças não estavam estudando, segundo relatório da organização, que compilou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua).
Pesquisas no Brasil indicam que o estudante deixa a sala de aula por três razões principais: não ver sentido em estudar, necessidade de trabalhar e gravidez, no caso das meninas. “A escola ficou bem menos atrativa”, lamenta Gontijo, para quem o ensino remoto nem chegou para muitos – e, quando chegou, foi muito frágil. “O jovem pensa que não vale a pena gastar o tempo dele ali. E a tempestade perfeita veio, porque temos uma crise econômica gigante, com as famílias perdendo renda. O que mais vemos é jovem com mochila nas costas entregando comida.”
O problema da evasão e do abandono precisa ser tratado de forma diferente, dependendo da etapa, na opinião de Denis Mizne, presidente da Fundação Lemann. Para os estudantes mais velhos, já na adolescência, pensar em ofertas de bolsas é fundamental, porque muitos abandonam a escola antes da hora, pela necessidade de trabalhar para ajudar a família. “Falei com estudantes que estavam no primeiro ano do ensino médio, os quais tinham tido um mês de aula quando a escola fechou. Só foram voltar no fim do segundo ano. Eles vão fazer o Enem agora e me perguntam: ‘Quais chance tenho de entrar numa faculdade?’ Ao mesmo tempo, com a crise econômica grave, as famílias acham que é melhor ter este filho trabalhando, mesmo que seja em um subemprego”, relata o presidente da Lemann.
Oferta de bolsas e bônus por conclusão são investimentos a serem feitos para o jovem, mas também, para a economia do País, garante Mizne. “Se tivéssemos um MEC atuante, esta deveria ter sido uma grande bandeira. O valor não é nada comparado ao subsídio do diesel. Até sob o ponto de vista frio da economia, ter milhões de jovens sem a escolaridade completa vai causar um impacto negativo sobre o PIB”, explica.
A permanência dos jovens na escola, ou a falta dela, tem efeitos sobre os mais diversos indicadores sociais, como a violência urbana. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em março deste ano, mostrou uma correlação entre mais estudo e menos assassinatos: para cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos nas escolas, há uma diminuição de 2% na taxa de assassinatos nos municípios.
No caso das crianças menores, o melhor caminho é a busca ativa, acreditam os especialistas. Isto é, ir atrás de quem não está mais na escola. Este tipo de ação deve ser feita em parceria com os serviços de assistência social e os conselhos tutelares. “Nesta idade, quem não está na escola são as crianças com maior vulnerabilidade social. Por isso, é importante reforçar o transporte escolar, a oferta da merenda”, pontua Mizne. Trazer e manter crianças e jovens na escola é apenas o primeiro passo. Eles precisam estar no sistema, mas também precisam aprender. Dados de 2019, anteriores à pandemia, mostram que dentre aqueles que concluíram o ensino médio nas redes públicas, de cada 100 jovens, só 9 aprenderam o esperado em matemática. Em português, o número era 30 de cada 100, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que reúne os resultados de uma avaliação padronizada em todo o território nacional.
“O Brasil vinha melhorando seus níveis de aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental de maneira regular, com cada vez mais alunos aprendendo adequadamente. Nos anos finais do fundamental, a melhora era pouca, e no ensino médio, estávamos estagnados há 20 anos”, relembra Mozart Ramos Neves, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Segundo ele, informações de provas de redes estaduais mostram que o aprendizado foi afetado. Houve um retrocesso de quase dez anos nas taxas de aprendizado.
Uma das alternativas para enfrentar a defasagem, avalia Neves, seria priorizar as aprendizagens essenciais. “O Brasil tem um instrumento que pode orientar todas as redes, que é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ela é como uma bússola”, diz. Neves recomenda que as redes façam avaliações diagnósticas, a fim de conhecer o que seus estudantes sabem, e organizem seus currículos de acordo com a proposta da BNCC. Um bom diagnóstico, observa o professor, é importante neste momento, porque, embora tenha havido perdas para todos, as desigualdades cresceram. Com o ensino remoto, só quem tinha mais recursos (tecnológicos, financeiros, alimentares e estrutura familiar) conseguiu manter os estudos.
Outra medida interessante, na ótica de Neves, é aumentar o tempo na escola, dentro de uma proposta pedagógica que faça sentido. “Tem de ser com uma educação integral, colocando o aluno no centro do processo. Um bom exemplo são as escolas de tempo integral de Pernambuco, com uma taxa de abandono de 1%”, cita o professor.