Obstáculos do ensino a distância

02 de maio de 2022

Há um consenso entre os profissionais de educação de que o ensino a distância é um caminho sem volta. Porém, a qualidade dos cursos ainda não é garantida, principalmente no caso daqueles de formação de professores. Com as novas regras do Conselho Nacional de Educação, as expectativas são de que este quadro melhore nos próximos anos.

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Uma tendência que os educadores já consideravam irreversível – o crescimento exponencial dos cursos de Ensino a Distância (EAD) nas faculdades e universidades –, agora é realidade. De acordo com dados do Censo de Educação Superior 2020, divulgado em fevereiro pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), dos 3,7 milhões de calouros nas instituições públicas e privadas, mais de 2 milhões (53,4%) ingressaram em cursos a distância, enquanto 1,7 milhão (46.6%) optou pelos presenciais, fato inédito na história.

No geral, a oferta de cursos EAD cresceu 30% em relação a 2019, principalmente no ensino privado; já o aumento de vagas em cursos presenciais subiu 1,3%.  O avanço, segundo o estudo, é ainda mais expressivo quando se observa exclusivamente os cursos de Pedagogia, no qual a preferência pelo EAD chega a 82% dos 38 mil novos alunos, volume bem acima do visto nos cursos de Administração (64%), Economia (42%) e Computação e Tecnologias da Informação (56%).

Apesar de os números demonstrarem a maior inclusão de pessoas no ensino superior, o fato está longe de ser comemorado por educadores, que ainda desconfiam da qualidade dos cursos de EAD, em especial daqueles voltados para a formação de professores. Para Gabriel Corrêa, líder de políticas educacionais da ONG Todos pela Educação, os resultados na formação destes professores têm deixado a desejar. “Divulgamos um estudo em 2019 que apontava discrepâncias de qualidade entre os cursos presenciais e os de EAD”, afirma.

Segundo o estudo, feito com base em dados do MEC e do Inep, os professores formados por EAD possuem desempenho acadêmico pior do que os graduados pelo ensino presencial. A pesquisa mostra que 75% dos alunos terminam seus cursos com pontuação 50 no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), em uma escala que vai de 0 a 100, enquanto a média entre os formandos dos cursos presenciais é de 65%.

Pedagogia inadequada

“Esta discrepância se deve à ausência de atividades práticas presenciais em sala de aula e à metodologia ultrapassada que é aplicada na maioria das instituições privadas. Em países como Chile, Austrália e Estados Unidos, os futuros professores fazem estágios estruturados em escolas desde o início da graduação, em um modelo híbrido, que mescla o presencial e o uso de ferramentas digitais”, afirma.

Para Corrêa, a metodologia aplicada na maior parte das instituições privadas é obsoleta, por apenas tentar replicar no EAD ferramentas usadas no presencial. “Não basta apenas digitalizar a aula e aplicar o modelo PPP – PDF, Power Point e Prova – sem se preocupar com a interação entre alunos e professores”, sentencia.

Devido ao perfil –  mais baratos que os cursos presenciais, maior flexibilidade de horários de estudo e economia de tempo com deslocamentos – os cursos de EAD são historicamente mais procurados por pessoas de faixa etária mais elevada, entre 30 e 45 anos, que já trabalham na rede básica de ensino e buscam o diploma obrigatório de Licenciatura ou de outra área (Letras, Física ou Matemática, por exemplo), para ampliar a carga de aulas e se candidatar a cargos de Gestão Pedagógica nas instituições.

“Não basta apenas digitalizar a aula e aplicar o modelo PPP – PDF, Power Point e prova – sem se preocupar com a interação entre alunos e professores.” Gabriel Corrêa, líder de políticas educacionais da ONG Todos pela Educação

Mudanças à vista

A normatização de um modelo híbrido deve se tornar realidade nos próximos anos. Em 2019, o Conselho Nacional de Educação (CNE) elaborou uma resolução que define as novas diretrizes para a formação de professores. Segundo a proposta, que ainda precisa ser homologada pelo MEC, a carga horária dos cursos EAD se mantém nas atuais 3.200 horas, mas passa a haver a obrigatoriedade de 25% em atividades presenciais.

“É uma medida positiva. No futuro, não saberemos diferenciar o ensino presencial do EAD. Um modelo híbrido precisa ter arquitetura pedagógica e professores capazes”, afirma Luciano Sathler, membro do Comitê de Educação Básica da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).

Sathler admite que há excesso de cursos de Pedagogia e carência de professores sem formação específica: “Hoje, são mais de 2.300 instituições, com cerca de 30 mil cursos de EAD, sendo que 90% dos alunos estão em dez universidades. São instituições que possuem mais alunos em EAD do que presenciais.” Para o educador, a qualidade dos professores não está relacionada ao modelo, e sim, à instituição. “É preciso comparar o Enade da instituição. Se ela não tiver boas notas no presencial, certamente não terá no EAD”, justifica.

Houve uma mudança na fiscalização dos chamados polos de educação a distância, diz Sathler, que são pontos físicos credenciados pelo MEC para que a instituição possa oferecer um curso. “São mais de 27 mil polos, e o MEC praticamente abriu mão da fiscalização em 2017, ao liberar novos cursos. A regulação precisa ser atualizada. Como o Enade é trienal e o resultado sai um ano após a prova, não há como acompanhar a inserção do aluno no mercado de trabalho.”

Na visão de Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp (Secretaria de Modalidades Especializadas da Educação), entidade que reúne as mantenedoras de ensino superior, o atual modelo de fiscalização centralizada pelo Inep é ineficiente. “Defendemos a autoavaliação, na qual a instituição envia as informações para o responsável, conforme as condições e localizações dos polos, como é feito nos Estados Unidos. É um sistema mais criterioso.”

Atualmente, há uma forte movimentação para a abertura até mesmo de cursos de Direito, apesar da persistente objeção por parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O principal argumento da Ordem é que a modalidade impossibilita que o aluno absorva de forma adequada as habilidades e os conhecimentos necessários para sua atuação na área. Porém, o modelo de EAD com aulas síncronas (com professores ao vivo), observa Capelato, já comum em instituições de primeira linha, como a PUC-SP e a FGV, com interações constantes entre professores e alunos, talvez possa ser uma alternativa.

Guilherme Meirelles Estêvão Vieira
Guilherme Meirelles Estêvão Vieira