Há um consenso entre os profissionais de educação de que o ensino a distância é um caminho sem volta. Porém, a qualidade dos cursos ainda não é garantida, principalmente no caso daqueles de formação de professores. Com as novas regras do Conselho Nacional de Educação, as expectativas são de que este quadro melhore nos próximos anos.
Uma tendência que os educadores já consideravam irreversível – o crescimento exponencial dos cursos de Ensino a Distância (EAD) nas faculdades e universidades –, agora é realidade. De acordo com dados do Censo de Educação Superior 2020, divulgado em fevereiro pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), dos 3,7 milhões de calouros nas instituições públicas e privadas, mais de 2 milhões (53,4%) ingressaram em cursos a distância, enquanto 1,7 milhão (46.6%) optou pelos presenciais, fato inédito na história.
No geral, a oferta de cursos EAD cresceu 30% em relação a 2019, principalmente no ensino privado; já o aumento de vagas em cursos presenciais subiu 1,3%. O avanço, segundo o estudo, é ainda mais expressivo quando se observa exclusivamente os cursos de Pedagogia, no qual a preferência pelo EAD chega a 82% dos 38 mil novos alunos, volume bem acima do visto nos cursos de Administração (64%), Economia (42%) e Computação e Tecnologias da Informação (56%).
Apesar de os números demonstrarem a maior inclusão de pessoas no ensino superior, o fato está longe de ser comemorado por educadores, que ainda desconfiam da qualidade dos cursos de EAD, em especial daqueles voltados para a formação de professores. Para Gabriel Corrêa, líder de políticas educacionais da ONG Todos pela Educação, os resultados na formação destes professores têm deixado a desejar. “Divulgamos um estudo em 2019 que apontava discrepâncias de qualidade entre os cursos presenciais e os de EAD”, afirma.
Segundo o estudo, feito com base em dados do MEC e do Inep, os professores formados por EAD possuem desempenho acadêmico pior do que os graduados pelo ensino presencial. A pesquisa mostra que 75% dos alunos terminam seus cursos com pontuação 50 no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), em uma escala que vai de 0 a 100, enquanto a média entre os formandos dos cursos presenciais é de 65%.
“Esta discrepância se deve à ausência de atividades práticas presenciais em sala de aula e à metodologia ultrapassada que é aplicada na maioria das instituições privadas. Em países como Chile, Austrália e Estados Unidos, os futuros professores fazem estágios estruturados em escolas desde o início da graduação, em um modelo híbrido, que mescla o presencial e o uso de ferramentas digitais”, afirma.
Para Corrêa, a metodologia aplicada na maior parte das instituições privadas é obsoleta, por apenas tentar replicar no EAD ferramentas usadas no presencial. “Não basta apenas digitalizar a aula e aplicar o modelo PPP – PDF, Power Point e Prova – sem se preocupar com a interação entre alunos e professores”, sentencia.
Devido ao perfil – mais baratos que os cursos presenciais, maior flexibilidade de horários de estudo e economia de tempo com deslocamentos – os cursos de EAD são historicamente mais procurados por pessoas de faixa etária mais elevada, entre 30 e 45 anos, que já trabalham na rede básica de ensino e buscam o diploma obrigatório de Licenciatura ou de outra área (Letras, Física ou Matemática, por exemplo), para ampliar a carga de aulas e se candidatar a cargos de Gestão Pedagógica nas instituições.
A normatização de um modelo híbrido deve se tornar realidade nos próximos anos. Em 2019, o Conselho Nacional de Educação (CNE) elaborou uma resolução que define as novas diretrizes para a formação de professores. Segundo a proposta, que ainda precisa ser homologada pelo MEC, a carga horária dos cursos EAD se mantém nas atuais 3.200 horas, mas passa a haver a obrigatoriedade de 25% em atividades presenciais.
“É uma medida positiva. No futuro, não saberemos diferenciar o ensino presencial do EAD. Um modelo híbrido precisa ter arquitetura pedagógica e professores capazes”, afirma Luciano Sathler, membro do Comitê de Educação Básica da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).
Sathler admite que há excesso de cursos de Pedagogia e carência de professores sem formação específica: “Hoje, são mais de 2.300 instituições, com cerca de 30 mil cursos de EAD, sendo que 90% dos alunos estão em dez universidades. São instituições que possuem mais alunos em EAD do que presenciais.” Para o educador, a qualidade dos professores não está relacionada ao modelo, e sim, à instituição. “É preciso comparar o Enade da instituição. Se ela não tiver boas notas no presencial, certamente não terá no EAD”, justifica.
Houve uma mudança na fiscalização dos chamados polos de educação a distância, diz Sathler, que são pontos físicos credenciados pelo MEC para que a instituição possa oferecer um curso. “São mais de 27 mil polos, e o MEC praticamente abriu mão da fiscalização em 2017, ao liberar novos cursos. A regulação precisa ser atualizada. Como o Enade é trienal e o resultado sai um ano após a prova, não há como acompanhar a inserção do aluno no mercado de trabalho.”
Na visão de Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp (Secretaria de Modalidades Especializadas da Educação), entidade que reúne as mantenedoras de ensino superior, o atual modelo de fiscalização centralizada pelo Inep é ineficiente. “Defendemos a autoavaliação, na qual a instituição envia as informações para o responsável, conforme as condições e localizações dos polos, como é feito nos Estados Unidos. É um sistema mais criterioso.”
Atualmente, há uma forte movimentação para a abertura até mesmo de cursos de Direito, apesar da persistente objeção por parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O principal argumento da Ordem é que a modalidade impossibilita que o aluno absorva de forma adequada as habilidades e os conhecimentos necessários para sua atuação na área. Porém, o modelo de EAD com aulas síncronas (com professores ao vivo), observa Capelato, já comum em instituições de primeira linha, como a PUC-SP e a FGV, com interações constantes entre professores e alunos, talvez possa ser uma alternativa.