Talentos perdidos

12 de abril de 2022

A crise econômica, o desemprego e a falta de oportunidades para trabalhadores qualificados estão criando um cenário complicado para o futuro do País. Sem perspectivas profissionais e acadêmicas, pesquisadores e profissionais com curso superior estão deixando o Brasil em busca de carreiras internacionalizadas.

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Não existem números oficiais sobre esta debandada, pois os profissionais que buscam oportunidades em outros lugares não o fazem por intermédio das instituições brasileiras, a exemplo da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoas de Nível Superior) ou o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), mas com bolsas das universidades ou centros de pesquisa do exterior que os contratam.

Contudo, o instituto Serrapilheira, por exemplo, primeira instituição nacional privada de suporte à ciência, informa ter perdido recentemente cinco dos 132 pesquisadores apoiados desde 2017, quatro deles no último ano, e que muitos têm sido assediados com propostas estrangeiras. Além disso, um levantamento do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE) estima que existem, hoje, de dois a três mil pesquisadores brasileiros no exterior. Este processo pode tornar ainda mais difícil o desenvolvimento que poderia recuperar a economia nacional e voltar a gerar oportunidades.

Quando concluir seu doutorado pela Universidade de Maastricht, na Holanda, no fim do ano, a pesquisadora brasileira Cintia Denise Granja ainda não sabe se voltará ao seu País ou se ficará de vez na Europa. Apesar de se dizer aberta à ideia de voltar ao Brasil, ela diz que tudo vai depender das oportunidades e perspectivas profissionais que encontrar após a conclusão do doutorado.

“Sinto que tem menos oportunidades no Brasil do que aqui na Holanda”, desabafa. “Aqui, o doutorando é visto como um profissional que ficou quatro anos fazendo pesquisa. No Brasil, é diferente, o pesquisador é visto apenas como um estudante que está perdendo tempo. Neste sentido, as perspectivas aqui são mais animadoras.”

O caso de Granja, que fez graduação e mestrado pela Unicamp, faz parte de um fenômeno que se vê em aceleração e que pode ter impactos para o desenvolvimento econômico e social do Brasil: a fuga de cérebros.

Verdadeira diáspora de profissionais qualificados e pesquisadores, o fenômeno é tradicionalmente visto como um problema para o País, que perde pesquisadores. O processo implica gasto público para formação de pesquisadores que não têm condições de exercer sua função no próprio país. Esta migração de talentos tem o efeito negativo de desmobilizar o desenvolvimento de pesquisa e de inovações no Brasil.

O processo implica gasto público para formação de pesquisadores que não têm condições sociais e estruturais de exercer sua função no próprio país. Esta migração de talentos tem o efeito negativo de desmobilizar o desenvolvimento de pesquisas e de inovações no Brasil.

Cortes desde 2014

Ana Maria Carneiro, coordenadora do Laboratório de Estudos de Educação Superior da Unicamp, afirma que a fuga de cérebros se dá por questões econômicas e políticas. “A tendência de alta pode ser percebida desde 2014, com a crise econômica no País e o início dos cortes em investimentos em ciência e educação. O processo continua em seguida, por causa da política de Bolsonaro, quando cortes são ainda maiores. Cortes afetam especialmente pesquisadores e cientistas, que não têm incentivo para ficar no Brasil”, explica. Ela coordena uma pesquisa que busca compreender as rotas de cientistas brasileiros atuando nos Estados Unidos e mapear suas razões para ir embora.

Os cortes no investimento em ciência no País, de fato, são imensos. O orçamento para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) caiu de R$ 5,13 bilhões, em 2012, para R$ 2,48 bilhões, neste ano. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) perdeu a metade da verba que tinha dez anos atrás, passando de R$ 2,04 bilhões para R$ 1,02 bilhão. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) teve mais de R$ 26 bilhões contingenciados. O valor repassado a essas instituições é determinado anualmente em proposta orçamentária do governo federal para ciência e tecnologia e passa pela aprovação no Congresso. De acordo com o Ministério da Economia, no ofício enviado para a Comissão Mista do Orçamento, os recursos cortados precisaram ser realocados para outros ministérios, como o do Desenvolvimento Regional, que recebeu R$ 250 milhões.

A redução de investimentos em pesquisa no Brasil é evidenciada ainda pela desvalorização de bolsas de estudos de pós-graduação, sem reajustes desde 2013. Pesquisadores que fazem mestrado com financiamento da Capes ou do CNPq recebem bolsas de R$ 1,5 mil por mês, enquanto doutorandos ganham R$ 2,2, mil. A desvalorização da remuneração de pesquisadores é de 66%. Caso tivessem sido reajustadas pela inflação, as bolsas de mestrado deveriam pagar R$ 2.499, e as de doutorado, R$ 3.666.

Um reajuste dos valores surge como esperança em 2022 diante da liberação recente dos recursos do FNDCT, de mais de R$ 5 bilhões, que haviam ficado presos em reserva de contingência pelo Ministério da Economia. Mas a antropóloga Miriam Grossi, diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e representante da área de Humanidades no CNPq, observou, em comunicado publicado no site da entidade, que o problema é urgente e não depende apenas dos recursos do FNDCT. “Continuaremos nossa luta com o Congresso Nacional para podermos aumentar os aportes financeiros do CNPq.”

Na visão dela, há vontade política da gestão do CNPq de aumentar o número e o valor das bolsas, mas isso tem sido difícil, pela falta de verbas, ainda muito aquém dos cortes que vêm ocorrendo no conselho desde 2019. Atualmente, há um projeto de lei em tramitação no Congresso (19/2021), em caráter conclusivo, que prevê um aumento de 17% no orçamento para o Capes, a fim de garantir o pagamento da formação de professores – (de R$ 3,14 bilhões para R$ 3,68 bilhões).

Os cortes no investimento em ciência no País, de fato, são imensos. O orçamento para a Capes caiu de R$ 5,13 bilhões, em 2012, para R$ 2,48 bilhões, neste ano. O CNPq perdeu a metade da verba que tinha dez anos atrás, passando de R$ 2,04 bilhões para R$ 1,02 bilhão. O FNDCT teve mais de R$ 26 bilhões contingenciados.

Ciência em segundo plano

Everton Fargoni, que faz doutorado em Educação e estuda fuga de cérebros há seis anos, pontua que as principais causas para a diáspora de pesquisadores são os baixos recursos de financiamento para ciências e a falta de oportunidades de trabalho, com desemprego crescente, que não permite a empregabilidade desses jovens pesquisadores.

“Na situação atual, mesmo que o pesquisador tenha dinheiro para realizar um estudo, ele não dispõe de uma equipe para trabalhar com ele, e pós-graduandos precisam buscar o trabalho informal. Tenho colegas mestrandos e doutorandos trabalhando como motoristas ou entregadores via aplicativo. Isso, por falta de oportunidade na universidade. Então, se aparece uma oportunidade no exterior para esses pesquisadores, eles saem do Brasil e não voltam mais”, diz.

Fargoni lidera um estudo com pós-graduandos de Ciências Exatas da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e mostrou que 74% dos pesquisadores deste grupo têm uma formação curricular internacionalizada. Isso quer dizer que sair do País tornou-se um caminho natural. “O caminho curricular está direcionando os pós-graduandos para isso”, explica o doutorando. Os dados apontam que quase 90% dos pesquisadores entrevistados não querem voltar ao Brasil. “Isso indica que a diáspora de cérebros é um processo crescente, que pode se tornar ainda maior.”

A coordenadora da Unicamp acrescenta que as ações necessárias para reter esses talentos envolvem investimento público em volume e contínuo e criação de mais oportunidades de cooperação com outros países, permitindo maior mobilidade de pesquisadores. “Também facilitaria ter um governo pró-ciência”, provoca.

A argumentação tem pontos semelhantes aos apresentados por Fargoni. Segundo ele, o que pode corrigir essa situação são políticas públicas e financiamentos de pesquisas capazes de ajudar a criar oportunidades e reter pesquisadores. “Exemplos de países desenvolvidos, como os da Escandinávia, ou mesmo o que aconteceu na China, mostram que os principais propulsores da economia de um país são a pesquisa, a ciência e a educação.”

Daniel Buarque Paula Seco
Daniel Buarque Paula Seco