As boas notícias divulgadas sobre empregos e trabalho no País ao fim do primeiro semestre apontaram tendências favoráveis, como a queda do número de desocupados e a expansão dos empregos formais. Mas o cenário não está isento de desafios. Os principais estão relacionados ao panorama macroeconômico, liderados pela inflação em alta persistente, ajudando a empurrar para baixo o valor médio dos salários, a capacidade de compra e o ritmo de crescimento.
Como o consumo das famílias compõe cerca de 65% do Produto Interno Bruto (PIB), e os rendimentos do trabalho representam 75% desta fatia, fica cada vez mais difícil romper o ciclo vicioso de falta de emprego decorrente de baixo crescimento econômico, e vice-versa. Por outro lado, há perspectivas positivas relacionadas a iniciativas com impacto ainda em 2022. “Auxílios econômicos, liberação de Fundo de Garantia e do 13º salário, demanda por turismo e lazer, investimentos de Estados e prefeituras, concessões de serviços públicos e vagas temporárias podem favorecer o segundo semestre, ainda que à conta de desequilíbrio orçamentário acumulado para o próximo ano”, analisa José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP.
Os dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), apresentados no fim de junho, somaram 277 mil vagas formais, com carteiras assinadas e direitos plenos, no saldo de maio (diferença entre contratações e demissões). Com isso, o total de trabalhadores celetistas alcançou 41,7 milhões, com aumento de 0,67%, em relação a abril. Entre maio de 2021 e 2022, os números de trabalhadores formais só não cresceram em dezembro e janeiro.
No acumulado dos cinco primeiros meses do ano, o saldo ficou pouco acima de 1 milhão de vagas. O maior foi registrado pelo setor de serviços, 658 mil, mostrando vigor na recuperação pós-pandemia. Na sequência, vieram a indústria, com 174,7 mil postos; construção (155,5 mil); agropecuária (49,2 mil); e comércio (13,8 mil).
O salário médio dos admitidos em maio, porém, encolheu para R$ 1.898, ante R$ 1.906 do mês anterior e em meio a um índice inflacionário de 0,83% no período. Na comparação com maio do ano passado (R$ 2.010,68), também houve recuo.
Para Marcelo Neri, diretor do FGV Social, da Fundação Getulio Vargas, o aumento na geração de emprego formal, com níveis próximos aos registrados em 2016, é uma das boas notícias. O outro lado da moeda é que o acréscimo da população ocupada empurrou para baixo a renda per capita do trabalho, a menor desde o início das medições em 2012: “São dez anos perdidos”, comenta.Nas contas do IBGE, no ano passado, considerando todas as fontes, o rendimento médio mensal per capita do brasileiro ficou em R$ 1.353, contra R$ 1.417, em 2012. O boletim Desigualdade das Metrópoles divulgado em junho, com base na PNAD Contínua trimestral, apontou que 25,2% da população das regiões metropolitanas vivem em lares com rendimento médio per capita inferior a um quarto do salário mínimo.
Para Flávia Vinhaes, presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro (Corecon-RJ), o gasto público poderia restabelecer o crescimento, inclusive porque o próprio setor privado ainda não se recuperou totalmente dos reflexos da pandemia. “A ocupação aumenta, inicialmente, com degradação e rendimentos menores”, afirma.
O achatamento da renda reflete também a ocupação de vagas de menor salário por pessoas com qualificação superior ao necessário, movimento que tende a reverter caso a economia se mantenha em expansão, na avaliação de Bruno Imazumi, economista da LCA. “Um ex-diretor pode ter aceitado uma vaga de gerente, mas se aparecer nova vaga de diretor ele volta para sua realidade”, exemplifica. Outro motivo para compressão de renda é a sobreposição das crises – primeiro a econômica, depois a sanitária –, que estimulou o aumento de trabalhadores por conta própria. Entre eles, se destacam os ocupados por intermédio de novas plataformas digitais, como Uber, Rappi e outras, que já compõem pouco mais de 1% da força de trabalho do País.
Um dos desafios para a ampliação do emprego, para José Pastore, é a estrutura de produção nacional, ancorada em atividades de baixo rendimento e grande foco em commodities para exportação. “No segmento com nível de estudo superior, o desemprego é inferior a 5%, e o salário médio supera sete salários mínimos”, analisa. Pastore enxerga o cenário atual do emprego com otimismo e acredita que 2022 pode fechar com saldo perto de dois milhões de vagas formais.
A produtividade é um desafio local, estabelece Alex Agostini, economista-chefe da Austin, responsável pela compilação de dados para o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) que apontou o Brasil como um dos países com maior índice de desemprego no mundo – acima de 13%, média da taxa anual registrada em 2021 pela PNAD. Mesmo com taxas mais favoráveis, o País ainda está fora da curva em âmbito mundial, em razão de políticas mal construídas com impacto direto no mercado de trabalho. Dentre eles, a falta de qualificação da mão de obra para produzir mais e reduzir o custo da produção, o que tende a afastar investimentos externos. Outros são a carga tributária incidente sobre o trabalhador e a falta de direcionamento para características nacionais.
Área em ascensão permanente, a tecnologia terá demanda de profissionais próxima a 800 mil vagas, até 2026, de acordo com estimativa da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom). Nem todas as oportunidades visarão engenheiros ou doutores, tendo espaço aberto para formações técnicas e livres, como programação, e mesmo para tarefas mais simples, como instalação de infraestrutura para a rede 5G.