Energia em livre escolha

03 de maio de 2024

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A chegada da conta de luz sempre é motivo de dor de cabeça para os diretores do BomMix Supermercado, estabelecimento fundado em 2008, na cidade de Limeira (SP). “Chegamos a pagar uma conta de R$ 50 mil no período de escassez hídrica, mas o valor médio era na faixa de R$ 40 mil mensais”, recorda Arlindo Calsa Filho, diretor comercial da loja. Foram várias as tentativas com alternativas à rede convencional para suprir, por um menor preço, a demanda de uma área de 3,5 mil metros quadrados, fornos de padaria e 120 metros quadrados de câmaras frias ligadas ininterruptamente. “Fizemos um projeto de geração distribuída para painéis fotovoltaicos, mas não havia área disponível. Durante alguns meses, optamos pelo gás, que foi vantajoso inicialmente, mas o preço disparou durante a crise energética com a Bolívia e retornamos para a eletricidade. Para buscar economia no horário de pico, entre 17h30 e 20h30, passamos a usar geradores a diesel. Tivemos uma economia média de R$ 5 mil, mas continuamos insatisfeitos com o barulho e a poluição, que incomodavam os clientes”, diz.

A solução definitiva veio em meados do ano passado, após a publicação da Portaria 50/2022, que liberou a adesão de todos os consumidores conectados em alta tensão ao mercado livre de energia a partir de 1º de janeiro de 2024. Até então, só era permitido o acesso dos consumidores do chamado Grupo A — conectados em alta tensão, ou seja, em redes de corrente alternada entre 69 kilovolts (kV) e 138 kV, que tivessem um consumo mínimo exigido de 500 kWatts (kW), como grandes indústrias, hospitais, shopping centers e demais estabelecimentos de grande porte. Com um consumo de 120 kW, o BomMix era impedido de contratar por livre escolha. 

Conforme as exigências da portaria, o BomMix notificou a distribuidora Elektro, que atende ao município, com seis meses de antecedência e contratou os serviços da comercializadora e gestora Migratio para o processo de transição, o que resultou em uma operação de compra no mercado livre por três anos, com reajuste anual pelo IPCA, o índice de inflação oficial. E, desta vez, a chegada da primeira conta, em janeiro, surpreendeu até mesmo os mais otimistas. “A conta de energia contratada pelo mercado livre foi de R$ 13 mil. A última conta da Elektro, em dezembro, havia sido de R$ 42 mil”, afirma Calsa Filho, que aguarda ainda o valor do chamado “custo do fio”, a ser enviada pela Elektro. Pelas normas do mercado livre, o consumidor recebe duas contas, uma da energia contratada e outra da distribuidora responsável pela transmissão. Isto é, ao ingressar no mercado livre, o consumidor passa a ter a liberdade de contratar a carga e negociar o preço e o tempo de contrato, mas  continua vinculado à distribuidora da sua região, sendo que cada empresa tem a uma tarifa própria pelo uso do fio, o que acaba sendo o principal fator que determina a economia da tarifa final. A expectativa do BomMix é poupar R$ 13 mil mensais, além de não se preocupar com eventuais intempéries climáticas e as consequentes oscilações de tarifa em razão das bandeiras tarifárias impostas pela Aneel, a agência responsável pelo sistema elétrico. “Vamos investir essa economia em melhorias no supermercado”, afirma o diretor.

Crescimento de 50%

A decisão do BomMix não é caso isolado. Segundo projeção da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), entidade responsável pela comercialização e operacionalização do mercado, que congrega geradores, distribuidores, comercializadores e consumidores, cerca de 12 mil pequenas e médias empresas demonstraram interesse em aderir ao mercado livre ao longo deste ano, volume que pode chegar entre 20 mil e 24 mil nos próximos meses. Só em janeiro, houve a migração de 3 mil empresas, justamente aquelas que comunicaram antecipadamente a migração para as suas respectivas distribuidoras. Ainda de acordo com a CCEE, em dezembro, havia 38 mil unidades consumidoras aderentes ao modelo. Caso a estimativa da CCEE se confirme, com a entrada dos pequenos e médios, haverá um crescimento de 50% na aderência ao mercado livre, o que vai gerar uma relevante mudança no perfil quanto a tamanho e ramo de atividade.

Na ponta do lápis

Mas, afinal, qual é a economia proporcionada? O consumidor pode ficar decepcionado? “O cliente não vai se frustrar. Quem migrar pode ter economia de até 30% na conta de luz, mas a média deve ficar entre 15% e 20%”, garante Carlos Faria, presidente da Associação dos Consumidores de Energia (Anace), entidade que reúne as principais indústrias e empresas do setor de Comércio e Serviços, responsáveis pelo consumo de 10 mil MW médios, como WEG, BRF, Cargill, BRMalls e Villares. O mercado livre permite que, em um mesmo contrato, sejam incluídas várias unidades dentro de um mesmo CNPJ, o que pode ser muito vantajoso para grandes grupos, mas não necessariamente para pequenos estabelecimentos. “Em toda a operação, é recomendável ter o acompanhamento de uma gestora de planejamento energético, de preferência que não seja ligada à comercializadora varejista para não haver conflito de interesses”, afirma. Em média, os custos mensais de uma consultoria equivalem ao de um escritório de contabilidade. Para empresas pequenas, fica em torno de R$ 2 mil por mês, quantia que pode inviabilizar a economia em casos de contas de luz mensais no valor de R$ 10 mil.

Especialistas recomendam que a decisão leve em conta as tarifas das distribuidoras (a taxa do fio) que determinará o real porcentual de economia do consumidor. Segundo comparativo elaborado pela Migratio com 51 distribuidoras de todo o País, a economia pode ser de até 42%. Especificamente no Estado de São Paulo, revela o estudo, as tarifas cobradas pelas sete concessionárias de fornecimento de eletricidade variam entre R$ 446,60, no caso da Enel São Paulo, e R$ 574,92 o MWh, no caso da Elektro — a distribuidora com a tarifa mais cara do Estado. Citando o caso da distribuidora CPFL Piratininga, que cobra uma tarifa de R$ 493,59 por MWh aos consumidores do mercado cativo, a tarifa mensal com o mercado livre pode cair a R$ 309,03, uma economia de 37%.

Segundo Rodrigo Ferreira, presidente-executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), o modelo é positivo, mas necessita de aperfeiçoamentos. “O mercado apresenta algumas distorções, como reservas de mercado e subsídios, que são desnecessários e podem ser revistos com o objetivo de melhorar a eficiência e reduzir o custo para o consumidor. Outra questão relevante é a má alocação de custos e riscos, como o risco hidrológico indevidamente alocado no consumidor.” Na visão de Luiz Maurer, ex-presidente da Anace e ex-consultor do Banco Mundial, a principal distorção está na política de subsídios às plantas de renováveis (eólica e solar) em regiões distantes dos grandes centros. “Não deve haver subsídios para transmissão em plantas distantes, e o custo de manter a luz acesa previsa ser arcado por todos. Corrigir não significa abandonar a geração renovável, mas buscar uma otimização que leve em conta, dentre outros fatores, os custos de transmissão”, afirma.  

Segundo ranking atualizado da Abraceel, o País ocupa a 47ª posição em uma lista de 56 nações em que há algum tipo de norma autorizando consumidores a participar do processo de livre escolha de compra de eletricidade. É bom lembrar que o mercado livre de energia está longe de ser uma novidade, uma vez que foi lançado em 1966, mas, apesar de inúmeras tentativas de ampliação, a flexibilização só veio neste ano. “Caso o Brasil já tivesse um mercado livre de energia elétrica acessível a todos, o que poderia ter sido instituído desde 2003, o País ocuparia a quarta posição, logo atrás da França. Japão e Coreia do Sul ocupam a primeira e a segunda posições, respectivamente”, afirma Ferreira, da Abracee

A ÍNTEGRA DESTE CONTEÚDO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #480 IMPRESSA DA REVISTA PB. PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE A VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH E REVISTARIAS.

GUILHERME MEIRELLES Paula Seco
GUILHERME MEIRELLES Paula Seco
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