Gigante renovável

21 de julho de 2023

Se, por um lado, o Brasil integra a lista dos maiores emissores mundiais de gases de efeito estufa – associados aos altos índices de desmatamento –, por outro, a balança da sustentabilidade oscila positivamente quando o assunto é energia.

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O País se tornou referência na produção de fontes limpas: atualmente, cerca de 83% da matriz elétrica brasileira vêm de fontes renováveis (hidrelétrica, eólica, solar e biomassa). O tema foi abordado na edição comemorativa de 60 anos da Problemas Brasileiros.

“O setor elétrico brasileiro já fez a sua transição para fontes renováveis. Este é um diferencial que precisamos nos orgulhar e mostrar para o mundo como fazemos com excelência esta gestão”, destaca o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema (ONS), Luiz Carlos Ciocchi. O Operador Nacional do Sistema é o gestor do Sistema Interligado Nacional (SIN), formado por unidades geradoras de energia e pelo sistema de transmissão.

No fim de 2022, uma comitiva do ONS participou da COP27, a conferência mundial sobre mudanças climáticas realizada no Egito, em que a transição energética de fontes poluidoras, como as termelétricas, para matrizes mais limpas foi um dos temas abordados. “Isso nos coloca em uma posição de liderança global no debate”, completa Ciocchi.

O caminho até aqui, porém, nunca foi fácil. A questão energética foi tema de grande discussão nas últimas décadas, desde a época de grandes obras hidrelétricas durante o regime militar, como Itaipu Binacional, até o uso da energia nuclear, que se tornou uma matriz praticamente obsoleta e entrou em decadência no Brasil antes mesmo de atingir o seu auge.

Em setembro de 1983, o debate sobre energia ocupou as páginas da edição 227 de Problemas Brasileiros. Na ocasião, especialistas discutiram as possíveis fontes que deveriam ser utilizadas para suprir a necessidade energética até o fim do século 20.

“Nenhuma das soluções adotadas é ou poderá ser perfeita, embora estejam recebendo contínuos melhoramentos. Todas mostram, entretanto, a força do engenho humano ao buscar desenvolver e conseguir soluções para o problema universal de suprir energia para o progresso da humanidade”, afirmava, em artigo, o engenheiro Luiz Cintra do Prado. Membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Prado referia-se à ampliação do uso da energia atômica na matriz energética nacional, um assunto que despertava o interesse do governo federal. Além das usinas nucleares de Angra 1, 2 e 3, o projeto atômico da Eletrobras previa a construção de duas centrais nucleares no Estado de São Paulo, que ficariam nas cidades de Iguape e Peruíbe.

Diante da pressão da sociedade civil e as experiências pouco animadoras nas usinas de Angra, a produção de energia atômica no País nunca passou dos primeiros passos, e as usinas de Angra 1 e 2, as únicas construídas, respondem hoje por pouco mais de 1% da energia produzida no Brasil. Para efeitos de comparação, as hidrelétricas respondem por 60% do total da energia consumida pelos brasileiros. 

SUBSTITUIÇÃO DE MATRIZ

Em contrapartida, as matrizes consideradas mais limpas ganharam força, impulsionadas pelo conceito de sustentabilidade. A produção de energia solar no Brasil já é maior do que a produzida pela Usina de Itaipu, considerada uma das maiores obras do mundo no setor hidrelétrico. O País alcançou, em março do ano passado, a marca de 14,02 gigawatts (GW) de potência operacional da fonte solar fotovoltaica. Itaipu, uma das maiores hidrelétricas do mundo, possui capacidade instalada de 14 GW. Os dados são da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).

A energia solar, assim como a eólica, cresce em ritmo acelerado e é considerada uma das principais alternativas para a substituição da matriz energética, em todo o mundo, por fontes limpas e renováveis. “O sol está em toda a parte do território nacional. A região com a melhor irradiação solar na Alemanha é pior do que a com menor irradiação no Brasil”, compara Guilherme Susteras, coordenador da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).

Nos últimos dez anos, segundo a entidade, 33,4 milhões de toneladas de carbono deixaram de ser lançados na atmosfera na geração de eletricidade. Impactos ambiental e social menores em relação às hidrelétricas, cujos projetos exigem grandes espaços para instalação de reservatórios, alagando florestas e até cidades inteiras – sem contar a necessidade de extensas linhas de transmissão, muitas vezes percorrendo milhares de quilômetros, para levar a energia produzida da usina ao mercado consumidor –, é outra vantagem da fonte solar.

O ex-ministro do Meio Ambiente José Goldemberg, presidente do Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), destaca outros tipos de energia sustentáveis em ascensão no Brasil, como o etanol, desenvolvido ainda nos anos 1970, e o biogás (gás de lixo). No caso do primeiro, trata-se de um componente importante para compensar o rodoviarismo implementado com força a partir da década de 1950.

“Todo o transporte de mercadorias e pessoas no Brasil é realizado pelo modo rodoviário, o que tornou o consumo de derivado de petróleo a principal fonte de poluição local no país”, explica Goldemberg.

Para o futuro, uma das apostas mundiais em combustíveis limpos é o Hidrogênio Verde (H2V), que conquista espaço crescente como possível substituto dos combustíveis fósseis. Tema discutido em reportagem número 474 da PB, o H2V ainda enfrenta desafios, como os altos custos de produção, armazenamento e transporte.

Criado em 2022, o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), a cargo do Ministério das Minas e Energia, aponta o uso de H2V com significativos desafios tecnológicos. “Isso impõe a necessidade de um olhar estruturado em torno do desenvolvimento do mercado e da indústria”, afirmou o governo federal, em nota. De qualquer maneira, o Brasil, como um dos gigantes em energia renovável do planeta, tem todas as condições para se tornar um player importante do combustível do futuro.

Leia a matéria na versão em PDF da edição comemorativa de 60 anos da Problemas Brasileiros.

MARCUS LOPES Débora Faria
MARCUS LOPES Débora Faria