entrevista

A marcha do emprego

03 de janeiro de 2024
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No último dia de novembro, o IBGE divulgou um número aguardado há pelo menos uma década no Brasil: desde que o instituto faz uma medição permanente dos indicadores gerais da economia do país, de 2011 para cá, nunca o mercado de trabalho havia superado a marca de 100 milhões de pessoas ocupadas.

Há certo consenso de que esse número permanecerá até o fim do primeiro trimestre de 2024, quando as demissões de temporários tende a reforçar a fileira de desocupados até abril. Para Jaime Vasconcelos, economista da FecomercioSP, porém, os 100 milhões de ocupados vão figurar ao longo de 2024 – alicerçando o consumo das famílias e o acesso ao crédito. “Mas o Brasil não tem capacidade de manter esse ritmo”, continua ele, projetando que a marcha acelerada de geração de novos postos de trabalho – 6,4 milhões entre 2020 e 2023, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) – começará a ficar lenta. O futuro da economia brasileira, para Vasconcelos, depende disso.

A seguir, trechos da conversa que a PB teve com o economista da FecomercioSP.

No começo de 2021, a taxa de desemprego no Brasil era de quase 15%. Hoje, é de 7,6% [gráfico 1]. O que aconteceu nesse período — considerando que essa margem atravessou dois governos com agendas políticas bastante diferentes?

É a complexidade da economia brasileira. A despeito das intempéries políticas, houve a consolidação da própria capacidade de crescimento do país depois da pandemia da COVID-19, que se expressa agora na taxa de desocupação. Em 2021 e em 2022, vale lembrar, o país registrou altas no PIB, e neste ano a expectativa é de que isso se mantenha. A taxa de desempregados acompanha esse ritmo. É interessante observar, por exemplo, que o índice mais baixo de desemprego do histórico recente foi no fim de 2013, quando estava em 6,3%, e que o pico foi em março de 2021 (14,9%). Ele fechou o ano passado em 7,9% e agora está nesse patamar de 7,6%. São dados que mostram como, da segunda onda da pandemia para cá, houve uma queda consistente do desemprego por causa da melhora da economia. Isso deve se manter no boletim final de 2023: eu espero que o ano [2023] feche na casa dos 7,3%, por exemplo.

[GRÁFICO 1]

DESOCUPAÇÃO NO BRASIL (%)

2020 a 2023

Fonte: IBGE

E para 2024? Quais são as expectativas?

Esperamos uma estabilização da taxa de desocupação. Primeiro porque é comum que, no primeiro trimestre de cada ano, ela suba um pouco por conta das demissões do temporários de dezembro nos setores de serviços e comércio. Depois, a tendência é de nova redução no índice, seguindo o ritmo atual. Eu espero que, em março de 2024, tenhamos 8,5% de desempregados e, com o retrocesso comum a partir de abril, o país termine o ano que vem no mesmo nível de agora [dezembro de 2023]: 7,6% de desocupados.

O que pode interromper esse ciclo?

O ritmo do crescimento econômico. Em janeiro, o boletim Focus, do Banco Central, esperava um avanço de 0,78% do PIB brasileiro em 2023. Na primeira semana de dezembro de 2023, ele veio com uma expectativa de 2,84%. Em outras palavras, o mercado está aguardando um resultado bem melhor do que acreditava no início. É até por isso que tivemos uma queda mais acelerada do desemprego no país nesse período. Para o ano que vem, porém, a perspectiva é de desaceleração do PIB em comparação a esse ano, com uma elevação de apenas 1,5%. Se o PIB cresce menos, o mercado de trabalho perde fôlego, e é aí que está o risco: essa perspectiva ser frustrada e nós crescermos ainda menos do que isso.

Mas do ponto de vista concreto, há riscos de isso acontecer?

Sim. Nós não temos sustentabilidade na retração da taxa básica de juros que começou há alguns meses, por exemplo, seja por causa de risco fiscal ou pelos choques internacionais. O que garante o crescimento da economia brasileira no ano que vem? A resposta está na continuidade da política monetária ou, dito de outra forma, na diminuição da Selic. Se isso acontecer de forma mais lenta do que todo mundo espera, a economia ficará mais frágil e, por consequência, com taxas de desocupação mais altas.

De que forma esses dados positivos do desemprego se relativizam diante do alto volume de subocupados?

A margem de 7,6% de desempregados é boa, considerando o histórico recente do país, mas não significa que não temos problemas estruturais, como o desalento [desempregados que já deixaram de procurar trabalho], a subocupação ou a informalidade, por exemplo. Tanto que a taxa de desalento está em 17,7%, ao passo que a informalidade — pensando que a PNAD Contínua, do IBGE, coloca nessa lista entregadores, quem trabalha por conta própria, empregado domésticos, mesmo algumas áreas do setor público, etc. — beira historicamente os 40%. Isso significa dizer que, a despeito das oscilações na desocupação, ainda temos problemas estruturais no mercado de trabalho. Eles estão longe de serem enfrentados. São barreiras enormes ao desenvolvimento econômico e social do país.

Até que ponto a qualidade dos trabalhos — e não a quantidade — entra nessa análise, portanto?

Eu diria que é esse fator que impede o crescimento da produtividade da economia brasileira. Veja só: o Brasil criou quase 20 milhões de empregos com carteira assinada na primeira década dos anos 2000. Só no período pós-pandemia, de janeiro de 2020 para cá, foram 6,4 milhões de novos postos de trabalho formais gerados e, somente em 2023, já foram 1,8 milhão — sendo que o que se esperava era algo em torno de 1 milhão. Do ponto de vista conjuntural, portanto, nosso problema não está na capacidade de absorver mão de obra, mesmo em meio a choques econômicos, como a pandemia ou a recessão econômica de 2015, por exemplo. A questão é que, mesmo em momentos de crescimento do mercado de trabalho, a capacidade brasileira de gerar empregos para trabalhadores(as) com salários e níveis de educação mais elevados é diminuta. Isso porque nossa oferta de mão de obra tem baixa escolaridade e pouca profissionalização. Cada vez que cai a taxa de desocupação do Brasil, sobra no mercado apenas quem tem menor capacidade de produzir. Quem são eles? Os menos escolarizados, os que têm pouca experiência profissional, de idades mais avançadas ou muito jovens.

[GRÁFICO 2]

GERAÇÃO DE EMPREGOS FORMAIS NO BRASIL (Em milhões)

*Projeções do Boletim Focus (Banco Central)

Fonte: CAGED e FecomercioSP

[GRÁFICO 3]

CRESCIMENTO DO PIB BRASILEIRO (%)

*Projeções do Boletim Focus (Banco Central)

Fonte: IBGE e Banco Central

Qual é a consequência prática disso?

Que independentemente dos períodos de aquecimento do mercado de trabalho no Brasil, as vagas geradas pela economia são de baixa rentabilidade salarial, porque quem sobra como desocupado é quem tem menos experiência e escolaridade. Essa mão de obra pouco qualificada e sem treinamento, com baixíssima capacidade de ter uma carreira planificada, com salários e cargos em crescente, é um fenômeno estrutural do país. Isso faz com que a produtividade brasileira seja sempre baixa — principalmente quando a gente se compara com outros países —, assim como impede que nosso crescimento se mantenha por mais de dois, três anos. Não é à toa que o salário médio de admissão brasileiro ronda por volta de R$ 2 mil, ou seja, pouco mais de um salário mínimo, o que demonstra que a qualidade das vagas aberta é espelhada pela baixa qualificação. Quem paga o preço disso é a capacidade da economia não apenas em crescer, mas em se desenvolver.

A conjuntura atual é melhor ou pior do que a do período pré-pandemia?

Nós recuperamos aqueles empregos perdidos no primeiro choque da pandemia. Os dados mostram que, em 2020, o Brasil perdeu pouco menos de 200 mil vagas formais. O segundo trimestre daquele ano, no ápice da crise sanitária, foi o de maiores perdas, e elas logo se estabilizaram para os períodos seguintes. Mas foi um impacto muito pequeno considerando que o país tinha 38 milhões de trabalhadores(as) formais naquela época. Depois, com o crescimento da economia em 2021 e em 2022, o número de postos celetistas subiu bastante: 2,7 milhões no primeiro período, mais de 2 milhões em 2022 e está fechando agora em 1,8 milhão. Ou seja, o mercado de trabalho sentiu pouco o baque no primeiro ano — muito por causa das políticas de preservação dos empregos adotadas na época e, posteriormente, pela injeção de liquidez na economia por parte do governo. Isso aconteceu não só no Brasil, mas em diversos outros países. No nosso caso, a demanda agregada acelerou e ainda afetou a criação de vagas nos anos seguintes. Essa análise pode se estender a outros indicadores, como o PIB, os faturamentos dos serviços e do comércio, que estão todos melhores do que no pré-COVID-19. Ela já foi superada.

“Espero que, em março de 2024, tenhamos 8,5% de desempregados e, com o retrocesso comum a partir de abril, o país termine o ano no mesmo nível de agora [2023]: 7,6% de desocupados”

Como esse cenário positivo pode afetar outros indicadores ainda negativos, como o endividamento e o poder de consumo?

O Brasil não tem capacidade de manter um ritmo como esse. Em 2024, essa geração de vagas formais vai reduzir para perto de 1 milhão. Isso já se vê na própria comparação dos empregos criados de 2021 para cá, que mantém uma tendência de queda gradual. Em quatro anos, nosso saldo será de 7 milhões de empregos criados nesse intervalo, o que já cria uma massa de salários relevante e, por consequência, impacta no consumo das famílias — que corresponde a 60% do PIB brasileiro. O mercado de trabalho salvaguardou o crescimento da economia do Brasil em 2023 e, provavelmente, o fará de novo no ano que vem, ainda que com expectativa de um PIB menor do que o planejado. O que preocupa não é essa capacidade de consumir como valor adicionado ao PIB, até porque o crédito também está crescendo. O problema é que o crescimento econômico é a curto prazo.

Por quê?

Porque o que faz um país crescer não é o consumo das famílias, e sim os investimentos das empresas. Até o terceiro trimestre de 2023, o consumo cresceu 3,4% em relação ao ano anterior, mas a formação bruta de capital (ou seja, investimento) caiu 2,6%. O investimento de hoje é o PIB de amanhã. Considerando que toda essa análise que eu estou fazendo tem um mercado de trabalho aquecido na base, influenciando o consumo das famílias, basta esses empregos pararem de ser gerados para o desempenho do país desacelerar. Não é por acaso que o PIB e trabalho vão diminuir o ritmo em 2024. Essa conta será paga uma hora.

Dá para saber quando?

Em 2024, o PIB vai crescer a metade do que cresceu neste ano, ainda muito sustentado pelo efeito positivo da demanda agregada e pela resiliência do mercado de trabalho. Mas ele já dará sinais de esgotamento, exatamente porque emprego também é uma decisão de investimento das empresas. Uma vaga só é aberta quando a companhia está segura na economia, no seu setor e no dinheiro que ela tem para fazer a contratação. Se a queda nos investimentos se mantiver do jeito que está, o ciclo virtuoso de empregos, gerando massa de salários e ele, por sua vez, permitindo consumo e acesso ao crédito, será interrompido. Acho que em 2025, mantendo o ritmo, poderemos ver isso melhor.

O debate sobre a substituição dos empregos humanos por dispositivos de Inteligência Artificial (IA) já se esgotou ou dará margem para mudanças em 2024?

Como temos dificuldade em absorver tecnologias, vamos aprofundar muito nessa transformação — ao contrário de outros países do mundo, onde ela já atingiu um limite. Sem contar o fato de termos um mercado de trabalho pouco qualificado, que não permite muito esse debate. É por isso que a pergunta, na verdade, é onde esse tema vai florescer. O Brasil tem ilhas tecnológicas em meio a um mercado muito estruturado em serviços e comércio, que têm dificuldades com o conceito. A maior parte da população ainda não tem acesso a essas informações, e mesmo quem tem acesso a redes digitais não tem a profundidade das possibilidades da IA. Em 2024, o debate vai se aprofundar, mas em lugares específicos. No geral, é um assunto muito distante.

Vinícius Mendes Divulgação
Vinícius Mendes Divulgação
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