A Reforma Administrativa é tema de capa da edição de junho/julho da PB, em reportagem especial que aborda as fragilidades das contas públicas, a exigência de mudanças e as resistências que podem enfraquecer a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em tramitação no Congresso. A seguir, reproduzimos a entrevista concedida por Ana Carla Abrão, head da consultoria em estratégia de negócios Oliver Wyman no Brasil e sócia nas práticas de Finanças & Risco e Políticas Públicas. Para ela, a evolução da discussão por meio de uma PEC pode significar retrocessos.
A demora em fazermos uma Reforma Administrativa que racionalize a máquina pública, bem como garanta ferramentas de gestão de pessoas que motivem e valorizem os servidores, tem gerado um enorme custo ao Brasil. Enfrentar as resistências corporativistas é parte deste processo e precisa contar com a mobilização da sociedade e da classe política nesta direção
O Brasil gasta o equivalente a 13% do PIB com salários e benefícios de servidores da ativa. Esses são dados do Banco Mundial, que também mostram que o Brasil não tem muitos servidores se comparado a outros países. No entanto, tem, sim, um gasto que é muito acima de outros países comparáveis. Gastamos muito, mas não necessariamente distribuímos estes recursos de forma a garantir uma boa qualidade dos serviços. Tanto que pesquisas mostram que a percepção da população em relação aos serviços básicos de saúde, educação e segurança é muito ruim. Além disso, nossa máquina, que tantos recursos consome, tem baixa eficiência e nos coloca nas piores colocações quando se avaliam a burocracia e seus processos.
Adicionalmente, há uma enorme desigualdade salarial no serviço público brasileiro. O topo da pirâmide salarial dos servidores é composto por poucas categorias, mas com salários muito elevados. Por outro lado, a base dessa pirâmide é composta por categorias das atividades finalísticas, como saúde, educação e segurança, nas quais os salários são, em média mais baixos. Esta estrutura leva à canalização de recursos para remunerar de forma generosa um pequeno número de servidores, ao mesmo tempo que penaliza a maioria com salários mais baixos e péssimas condições de trabalho. Corrigir esta disfunção é parte de um processo de reforma que passa pela limitação dos salários no topo, pela correção dos salários de entrada para algumas categorias e pela eliminação dos privilégios que têm drenado recursos públicos e gerado a desigualdade salarial – que, hoje, é característica do setor público brasileiro. Isso se faz aprovando uma lei que de fato faça valer o teto salarial, regulamentando a avaliação de desempenho e eliminando dispositivos que permitam promoções e progressões automáticas, férias de 60 dias, pagamentos salariais retroativos e tantas outras distorções.
Há fartas evidências das distorções presentes no serviço público brasileiro. Elas são públicas e devem ser usadas na defesa de uma Reforma Administrativa ampla e para todos. A PEC 32 merece, sim, algumas críticas, mas não se pode confundi-la com o argumento de que não há motivos ou embasamento para se fazer uma reforma da máquina pública, em particular no que se refere aos mecanismos de gestão de pessoas. Basta olhar os dados compilados pelo Ministério da Economia, pelo Banco Mundial e por estudos de vários especialistas. Os argumentos estão todos lá e vão na direção de uma urgente necessidade de reforma, com racionalização do número de carreiras, novas práticas de gestão e uma melhor distribuição de recursos.
A imensa maioria dos servidores será beneficiada com uma Reforma Administrativa correta e ampla. Alguns poucos terão privilégios (e não direitos) perdidos. Contudo, até isso poderá ser compensado por melhores condição de trabalho, por investimentos em capacitação e, principalmente, pela valorização do bom trabalho e pela diferenciação dos bons servidores. Atualmente, há formas consagradas de identificação daqueles servidores que merecem ser destacados e daqueles que precisam de apoio e capacitação para se desenvolverem. Isso significa que, ao fim, todos ganham e a sociedade também.
Embora busque trazer conceitos corretos como meritocracia, flexibilidade, competências, a proposta parte, no meu entender, do fim. Começar a discussão da reforma pela estabilidade é começar pelo fim. Temos muito a fazer racionalizando a atual estrutura de carreiras, implantando avaliações de desempenho e eliminando as distorções que saltam aos olhos antes de discutir quem é e quem não é carreira de Estado. Além disso, ao eliminar os atuais servidores e os membros de poderes, a proposta já chega pecando capitalmente, pois parte da manutenção da desigualdade.
O envio da proposta tem o seu valor por colocar o tema na pauta do Congresso. A evolução da sua discussão por meio de uma PEC põe riscos que podem significar retrocessos ao invés de avanços.
Nenhuma expectativa. Só receio. Dada a posição corporativista do presidente e a sensibilidade de um tema que não pode ser discutido com açodamento, o perigo é retrocedermos e piorarmos, por meio da constitucionalização de privilégios, o que já está muito ruim.