Pesquisador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o argentino Andrés Malamud é um dos respeitados analistas da conjuntura latino-americana fora do continente. Em entrevista à PB, ele analisa a imagem do Brasil no exterior.
O conteúdo é parte da série Brasil Visto de Fora, uma parceria entre a PB e o canal UM BRASIL, com apoio cultural da revista Piauí. Conduzida pelo jornalista Daniel Buarque, a entrevista foi dividida em dois blocos: o texto a seguir e o podcast disponível aqui.
“No curto prazo, as ações do governo parecem mais emotivas e ideológicas do que racionais e estratégicas.”
Provavelmente sim. O Brasil não é relevante como força militar, comercial ou mesmo demográfica. É um país grande, mas não representa uma ameaça em termos de imigração, como Guatemala e Honduras, por exemplo. O que o Brasil tem é a Amazônia, e com ela o País pode fazer a diferença, mas por um viés negativo, de não destruição, e isso tem um custo. O Brasil pode dizer “eu não vou queimar mais árvores, mas exijo uma compensação dos países desenvolvidos”.
É uma pergunta difícil de responder de forma contundente, mas o que o mundo quer é que o Brasil não queime a floresta, porém, o Brasil é mais protagonista quando queima. Se o Brasil não queimasse, ninguém olharia para ele. Portanto, pode usar a queima como forma extorsão. Trata-se de um cálculo cínico, mas é o que faz a política externa.
Tendo a pensar que, no longo prazo, esse tipo de estratégia possa funcionar, mas, no curto prazo, as ações do governo parecem mais emotivas e ideológicas do que racionais e estratégicas. Um presidente racional poderia utilizar o mal que está acontecendo para fazer um bem, mas neste caso me parece mais uma ação expressiva do que estratégica.
A Argentina tem uma imagem no mundo que não é tão ruim por causa da comparação com o Brasil. A economia argentina está destruída, no entanto, quando os diplomatas e chefes de Estado mundo afora olham para o presidente argentino [Alberto Fernández] dizem: “Podia ser pior”.
Bolsonaro representa, por um lado, um “trumpismo”, um populismo autocrático, mas, por outro lado, há um fenômeno tipicamente latino-americano, que é a tutela militar da democracia. Trump não era assim, ele tinha certo apoio das ruas, tanto que houve inclusive uma invasão do Capitólio, mas os militares, desde o primeiro momento, não interferiram democraticamente e defenderam a constituição. Este é um contraste com o Brasil: Bolsonaro tem sua parcela de apoio, mas também, os militares.
Não, governos paralelos nunca. O que os diplomatas fazem é reconhecer um terreno sem gostar dele, portanto, haveria reconhecimento diplomático, mas também, críticas. Se houvesse um golpe de estado no Brasil, o mundo iria protestar, condenar, mas não desconhecer o Brasil como país. Por outro lado, ninguém reconheceria um governo que monopolizasse o exercício da violência.
“Bolsonaro representa, por um lado, um “trumpismo”, um populismo autocrático, mas, por outro lado, há um fenômeno tipicamente latino-americano, que é a tutela militar da democracia.”
Traria, mas acho que o governo brasileiro não se importaria. Por exemplo, a União Europeia suspenderia as negociações para o acordo com o Mercosul, haveria sanções, mas sem consequências práticas.
Há motivo de preocupação, mas o risco é mínimo. Pode acontecer, mas a probabilidade é baixíssima.