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Busca por igualdade

08 de março de 2023
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Medidas para estimular diversidade, equidade e inclusão vem ocupando espaço nas agendas de companhias. Entretanto, a jornada está apenas começando. Atualmente, apenas 19,7% das cadeiras de conselhos de administração são ocupadas por mulheres no mundo. O índice cai para 10,4% no Brasil.

“As empresas apresentaram avanços na representatividade, mas estas iniciativas ainda enfrentam entraves de um ambiente de negócios conservador nas organizações”, avalia Ângela Castro, sócia-líder da estratégia de Diversidade e Inclusão da Deloitte. Em conversa com a PB, a executiva analisa o alcance e as superações necessárias para as mulheres no mundo corporativo. 

Leia a entrevista. 

Como tem sido a presença feminina nos conselhos corporativos das empresas?

Ângela –  Na segunda edição da Pesquisa de Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I), lançada pela Deloitte em novembro de 2022, identificamos que as mulheres são o grupo minorizado mais bem representado em cargos de liderança (diretoria ou superior) e conselho, mas a participação dos demais grupos – especialmente raciais, de orientação sexual e de pessoas com deficiência –  ainda é baixa. A pesquisa trouxe informações relevantes via repostas de mais de 370 organizações participantes. Na amostra, 64% das empresas têm conselho instituído, e 78% delas têm ao menos uma representante feminina.

O que evoluiu desde o primeiro levantamento?

A conscientização da importância de DE&I para os negócios e frentes estruturadas para cada um dos grupos minorizados, além de equipe dedicada para a promoção de DE&I e do estabelecimento de metas e métricas. Há, claramente, uma visão de que é preciso muito mais que iniciativas de atração, mas um acompanhamento em toda a jornada profissional [dos colaboradores], com iniciativas para quebra de vieses inconscientes, mentoria e coaching. Saúde mental também é um dos desafios na execução da estratégia. No Brasil, a evolução tem sido lenta ao levarmos conta de que houve um crescimento de 1,8% no período de 2018 a 2021, de acordo com a sétima edição da Women at Boardroom, pesquisa global bianual para o Brasil.

Os dados destes levantamentos levam o debate adiante, tornando os temas ligados à diversidade e à inclusão cada vez mais presentes na agenda da sociedade e das empresas, não?!

As empresas apresentaram avanços na estrutura e na representatividade de DE&I, mas estas iniciativas ainda enfrentam entraves de um ambiente de negócios conservador e da cultura das organizações. A maior parte das empresas que adotam indicadores de diversidade considera a participação numérica de grupos minorizados entre profissionais e líderes, mas pode avançar na abordagem de aspectos mais estratégicos, como desvios salariais, impacto à reputação e retorno sobre o investimento. Em um contexto no qual os profissionais busquem mais equilíbrio entre trabalho, propósito, qualidade de vida e retorno financeiro, a adoção de práticas inclusivas ganha relevância na estratégia de atração e retenção de talentos, mas ainda há espaço para crescimento nas etapas de desenvolvimento de carreira. O estudo DE&I nas Organizações mostra que as práticas têm contribuído para uma mudança organizacional (67%) e obtido adesão de mais de 50% dos profissionais, além dos benefícios, que são claramente destacados em mais de 90% das empresas. Este conjunto de fatores ajuda a acelerar a discussão, mas não necessariamente promove o avanço consistente de forma quantitativa e qualitativa de DEI – por exemplo, maior participação de profissionais diversos em cargos de liderança.

Quais ações podem ser dadas como exemplo para aumentar a participação feminina nos cargos de liderança?

É necessário ter uma estratégia e uma trilha para consolidar e obter resultados desta jornada. Ferramentas que têm se mostrado eficazes são as que promovem conhecimento e autoconhecimento, como treinamento de vieses inconscientes, programas de mentoria, coaching e sponsorship, letramento e rodas de conversas sobre temas relevantes para a realidade da empresa e do seu ecossistema. Ter metas claras e objetivas é fundamental para o processo de comunicação e engajamento. É uma jornada que precisa ser acompanhada, medida e celebrada com a constância, o ritmo e o volume necessários. É um compromisso diário.

Como a diversidade e a presença feminina em posições de liderança contribuem para o desenvolvimento de uma companhia?

Trazer perspectivas diferentes ao negócio por suas vivências, experiências e conhecimentos é fundamental para enriquecer a conversa e gerar a provocação e o conflito sadio que provoquem a mudança e as transformações necessárias para levar o negócio mais perto do mercado. Ter essa diversidade representada em toda esfera da empresa é necessário para gerar a identificação do produto ou serviço a quem consome no fim da linha. É ter um extrato da sociedade refletido no próprio quadro de profissionais.

Esta conversa mais rica proporciona inovação ou mais disrupção. Dizemos que se há homogeneidade, teremos mais do mesmo, pois gera repetição e atrofia. Já diversidade gera criatividade e inovação. É a possibilidade de ter o olhar atento ao externo não somente para dentro de casa. E pode ter certeza: esta visão traz oportunidades de negócio ainda não identificadas.

Há perfis com habilidades e características próprias, e cada um tem o seu espaço dentro das empresas, são complementares. Às mulheres, são atribuídas mais sensibilidade e mais habilidade para suportar melhor a pressão e lidar com conflitos. Outra característica é que, em projetos que ensejem trabalho em equipe, elas denotam mais harmonia no ambiente, comunicação mais fluida e mais prudência na hora de tomar decisões. Uma comunicação mais cuidadosa e perceptiva pode evitar conflitos. Muito embora sejam características pessoais mais ligadas ao polo feminino, não se pode descartar a hipótese de qualquer pessoa ter, independentemente do gênero. Nas mulheres, destacam-se ainda mais flexibilidade para ações multitarefa, criatividade e dedicação, por historicamente entregarem mais que os homens a fim de ter o devido valor reconhecido.

Quais as principais barreiras encontradas por elas para alcançar cargos de liderança?

Entraves estruturais e culturais. As crenças que limitam são as mesmas de sempre. Postura tidas como positivas para homens têm interpretação completamente diferente. Como “ele é firme versus ela é agressiva” ou “ele é firme versus ela é arrogante”, entre outras. Desafio recorrente também é ter de lidar com o estereótipo de que as mulheres são demasiadamente emocionais. Há o medo de falhar, síndrome do impostor, “isso não é para mulher”, baixa autoestima que diz ter de estar 100% preparada para um desafio, entre alguns outros fatores que provocam esta iniquidade.

Há a teoria dos 136 anos, que é o tempo estimado para alcançar a igualdade entre homens e mulheres no mundo corporativo, segundo o último relatório anual do Fórum Econômico Mundial (2021). Centro e trinta e seis anos é o tempo que teremos de esperar para alcançar a igualdade entre homens e mulheres no mundo corporativo. Temos de acelerar este processo por necessidade, principalmente de justiça e respeito.

E como são tratadas pelos seus pares quando chegam à liderança?

À medida que se comprova que é possível existir liderança feminina nas empresas bem-sucedidas, as mulheres batalham mais para alcançar estes postos e ter o trabalho reconhecido. A luta é diária! Estudos mostram que somente 53% dos homens se sentem otimistas em ter mulheres líderes nas organizações e meros 17% dos profissionais do gênero masculino confiam mais em uma mulher do que em um homem para liderar uma empresa. Os líderes [homens e mulheres] acreditam um pouco ou fortemente que as mulheres seguem suas emoções, enquanto os homens seguem o raciocínio lógico ao tomar uma decisão. Segundo a Harvard Business Review, um pensamento comum é: “Se os homens têm a maioria dos papéis principais, eles devem estar fazendo algo certo, então, por que não fazer as mulheres agirem como eles?”. Contudo, o fato é que esta lógica acaba por reforçar uma série de comportamentos prejudiciais da maioria dos líderes. De acordo com o estudo Women in Boardoom, onde há mais mulheres na liderança há mais oportunidade para mulheres de uma forma geral, inclusive por gerar inspiração para liderar. Elas veem a oportunidade de crescimento. “Eu também posso! É permitido para mim.”

“Se há homogeneidade, teremos mais do mesmo, pois gera repetição e atrofia. Já diversidade gera criatividade e inovação.”

Como as próprias mulheres que vencem barreiras e se destacam nos últimos anos acabam inspirando novos movimentos?

A Deloitte trouxe a perspectiva do “efeito borboleta” na última campanha do mês das mulheres. Na década de 1960, o cientista Edward Lorenz começou a explorar o fenômeno do conceito depois de descobrir que um evento tão simples quanto o bater de asas de uma borboleta tem o potencial de criar uma tempestade do outro lado do mundo. Às vezes, as coisas maiores começam pequenas. Uma ação muito pequena pode causar um impacto enorme e duradouro. Uma simples conexão, feita na hora certa, pode mudar a jornada que estamos todos juntos, abrindo novas possibilidades, novos destinos que nunca poderíamos ter sonhado. Eduque uma garota, e ela inspirará todas as outras que conhecer. Dê oportunidades às mulheres, e elas mudarão o mundo. Se cada ação positiva que realizamos em um único dia fosse multiplicada pelos outros 364, pense em quanto mais impacto poderíamos ter. Não precisamos fazer grandes mudanças na vida. Simplesmente pensar na linguagem que usamos, oferecer apoio a um colega de trabalho ou um simples ato de solidariedade para com uma mulher ou menina em seu dia a dia são pequenos atos que podem ter um grande impacto de maneiras que talvez nem percebamos. O efeito borboleta mostra o impacto composto de pequenas mudanças.

E as mulheres trans, negras e de baixa renda, que, por suas condições particulares, às vezes enfrentam ainda mais desafios? O quadro é de uma longa jornada de transformação a ser cumprida, correto?!

A complexidade aumenta à medida que se somam marcadores sociais relacionados a identidade de gênero, situação socioeconômica, cor, raça, idade, religião etc. A ausência de pessoas trans em ocupações formais no mercado de trabalho aponta um estigma de falta de oportunidades e invisibilização por parte da sociedade. A falta de informação e o preconceito são responsáveis por excluir as pessoas quando elas não representam o padrão a ser seguido ou destacado. Isso resulta em menos acesso a direitos básicos, como a educação, e, por consequência, a oportunidades de crescimento por meio do trabalho. Na Deloitte, estamos em processo evolutivo, com medidas como entrevistas às cegas. Revisitamos processos de benefícios, suporte jurídico para apoio em mudança de certidões, apoio mental especializado e treinamentos aos líderes para acolhimentos destes profissionais.

Com relação à raça e à cor, as mulheres pretas continuam apresentando os menores rendimentos médios. Em 2022, ganhavam menos da metade do que os homens brancos ganhavam e equivalente a 60% do rendimento médio das mulheres brancas/amarelas – fatores que ajudam a compreender a magnitude destes gaps. Na Deloitte, temos 26% de população negra, ainda com desafios para que esses profissionais alcancem níveis de liderança. Ações como Censo da Diversidade, treinamento de liderança inclusiva, treinamento racial e letramento impulsionam os nossos avanços e comprometimentos com as causas raciais.

Gilmara Santos Divulgação
Gilmara Santos Divulgação
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