entrevista

Como atualizar o Estado?

29 de julho de 2021
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Tanto os opositores da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/19 como os defensores da medida convergem no entendimento de que o País precisa realizar uma ampla Reforma Administrativa, a fim de modernizar a máquina pública e eliminar privilégios de classe. Para aprofundar o debate acerca do texto da PEC 32, em tramitação na Câmara dos Deputados, o site da revista PB, em parceria com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), entrevistou a deputada federal Adriana Ventura (Novo/SP) e o deputado federal Tadeu Alencar (PSB/PE).

Para Adriana, que é mestre e doutora pela Fundação Getulio Vargas (FVG), onde leciona há mais de 15 anos, o Brasil precisa discutir o papel do Estado e maneiras de oferecer serviços públicos de qualidade. “Temos de valorizar os bons servidores e tirar o funcionalismo público deste ciclo de altos gastos e serviços pouco eficientes”, aponta.

Alencar segue a mesma linha de pensamento da parlamentar, mas pondera que esta mudança não deve penalizar os servidores públicos do baixo escalão e proteger os funcionários que ocupam cargos sensíveis ao País. “Na Constituição Federal (CF), foi conferida a estabilidade de maneira indistinta, tanto para os cargos que precisam deste dispositivo para proteger o exercício da função pública, como para as carreiras que não são de Estado, que poderiam, naturalmente, ter outro tipo de vinculação, como a celetista.” O deputado foi auditor do Tribunal de Contas do Estado (TCE) (1991-1993) e procurador-geral-adjunto da Fazenda Nacional (2003-2006).

Criada em 2012, a Raps é uma organização motivada por uma nação mais justa, com mais oportunidades e capaz de respeitar os recursos naturais. De maneira apartidária e com uma rede formada por políticos diversos, busca garantir um espaço seguro de diálogo, reflexão e atuação conjunta entre os diferentes.

Neste mês, Raps e PB se juntam com a missão de iluminar temas de relevância nacional, com base no olhar e na experiência de políticos eleitos. A Reforma Administrativa, potencialmente capaz de aperfeiçoar os serviços públicos oferecidos aos cidadãos, gerar aumento de produtividade da economia, equilibrar as contas públicas e reduzir a desigualdade social do País, é o primeiro deles.

“O texto está muito longe de resolver todos os problemas do sistema, mas a PEC 32 é o início de uma discussão que precisa continuar” Adriana Ventura, deputada federal (NOVO-SP)

Confira, a seguir, o posicionamento dos deputados sobre as questões que aportam à proposta no Congresso.

A PEC 32 FOI APRESENTADA, EM 2019, EM UM CENÁRIO COMPLETAMENTE DIFERENTE DO ATUAL, COM A PRESENÇA DA PANDEMIA. ACREDITA QUE O DEBATE ACERCA DA REFORMA ADMINISTRATIVA PERDEU FÔLEGO OU AINDA É PRIORITÁRIO, MESMO NESTA CONJUNTURA?

Adriana Ventura – Hoje, as prioridades mudaram. Todo o esforço está na vacinação de todos para que o País consiga retomar a vida normal. Entretanto, exatamente por se tratar de um momento delicado, no qual a população sofreu com falta de leitos nos hospitais, desabastecimento de medicamentos e, até mesmo, com indícios de corrupção, devemos repensar o orçamento público e como destravar o Estado ineficiente.

A Reforma Administrativa é importantíssima até para colocar todas as outras reformas em pauta. Temos de discutir o papel estatal, como oferecer um bom serviço para o cidadão, maneiras de valorizar os bons servidores que realmente querem servir à população – para tirar o funcionalismo desse ciclo de altos gastos e serviços pouco eficientes – e, por fim, modernizar a gestão pública, acabando com as distorções. Tudo isso não apenas equiparando com a iniciativa privada, mas reformulando as próprias carreiras, pois, muitas vezes, uma mesma função é remunerada de maneiras diferentes, dependendo da região. Isso não faz sentido.

Tadeu Alencar – O momento que estamos vivendo é muito delicado, com mais de 500 mil brasileiros mortos, e acredito que devíamos nos concentrar no combate à pandemia e à reconstrução da economia do País. Embora diga, na sua motivação, que pretende modernizar o Estado e atualizar a atuação da administração pública, no fundo, está enfraquecendo a atuação estatal.

O Estado brasileiro precisa, de fato, ser melhorado, pois ele é oneroso, caro e patrimonialista, uma vez que concede benefícios tributários para segmentos da nossa economia sem exigir contrapartidas. Também é burocrático, e sabemos o quanto o Brasil está atrasado na gestão da administração pública com relação aos outros países e que precisa ser mais ágil, eficiente e competente, longe desse Estado atual que é um “Império do Carimbo”, tornando o sistema mais permeável à corrupção. O Estado deve existe onde for necessário, como aconteceu durante a pandemia, em que atuou no auxílio às pessoas mais vulneráveis.

COMO O TEXTO ATUAL DA REFORMA PODE REDUZIR AS DISTORÇÕES E OS PRIVILÉGIOS NO FUNCIONALISMO PÚBLICO, SENDO QUE NÃO CONTEMPLA TODAS AS CATEGORIAS, COMO MILITARES, MAGISTRADOS, PROMOTORES, PROCURADORES E PARLAMENTARES?

Adriana – O texto está muito longe de ser perfeito e de resolver todos os problemas de distorções no sistema. Contudo, é importante salientar que a PEC 32 é o início de uma discussão que precisa continuar. O texto atual não atinge o coração do problema, e, por conta isso, temos muitas emendas, inclusive para incluir outros poderes. Realizar uma reforma apenas com servidores de baixo e médio escalões é uma vergonha, quando as maiores distorções acontecem na elite do funcionalismo público dos três poderes e dos militares.

Será muito duro começar a reforma pela base e deixar de lado as categorias que têm remunerações completamente em desacordo com que a iniciativa privada, pois estamos falando de justiça, de um novo pacto social, da sustentabilidade do País – porque, se as coisas continuarem como estão, o Brasil, daqui a pouco, não vai conseguir pagar o salário de ninguém, nem dos de baixo e muito menos dos de cima.

Alencar – A proposta parte de uma falsa premissa de que os servidores públicos sejam um bando de preguiçosos. Se, assim como em outras organizações públicas, existem distorções e privilégios, precisamos enfrentá-los. Por exemplo, hoje, existe a possibilidade de aposentar, com o salário integral, um servidor da administração pública que cometeu um ato ilícito. Isso é uma premiação, e não punição. Assim como as férias de 60 dias para alguns servidores. Em um país tão desigual, com milhões de desempregados, onde metade da população vive na insegurança alimentar, manter esta possibilidade para poucas pessoas é viver em um universo paralelo.

“Uma reforma eficiente deve dar ao país uma administração pública leve, que custe menos, mas que preserve a função estatal” Tadeu Alencar, deputado federal (PSB-PE)

Uma Reforma Administrativa eficiente deve promover um amplo debate com as presenças da sociedade civil, do setor produtivo, das federações patronais e dos servidores públicos, para chegar a um denominador comum que dê ao Brasil uma administração pública leve, moderna, que custe menos, mas que preserve a função estatal. Na Reforma da Previdência, vimos os militares excluídos, enquanto todos os servidores públicos e a população geral tiveram de pagar um alto preço.

COMO PROMOVER MUDANÇAS NAS CARREIRAS E INCENTIVOS PROFISSIONAIS PARA OS SERVIDORES, QUE JÁ ESTES ESTÃO INSERIDOS NO SISTEMA E CONTAM COM A ESTABILIDADE?

Adriana – Não se muda uma cultura da noite para o dia. É um tema que a sociedade deve assumir para si, porque a briga de pessoas que queiram defender o próprio “galinheiro” é péssima para o País. É por isso que a reforma se arrasta por décadas. Ninguém quer colocar a mão neste vespeiro. É um tema delicado, que preocupa os servidores públicos – que, em sua maioria, é composta por excelentes profissionais que prestaram um concurso com regras estabelecidas e que estão, de fato, contribuindo para a Nação. Todavia, a questão central é como as distorções transformaram o funcionalismo público neste “Frankenstein”, com verdadeiras castas de privilegiados.

As pessoas precisam se dar conta de que a responsabilidade é de todos, bem como saber que a Reforma Administrativa precisa ser feita com respeito aos bons servidores, com transparência e mostrando a lógica das coisas. Não faz sentido que uma mesma função seja remunerada com R$ 2 aqui e com R$ 10 ali. Para isso, é importante incluirmos todos na reforma, pois todos devem ter os mesmos direitos e deveres.

Alencar – O problema da estabilidade não é sua existência como instituto que prestigie o exercício independente de uma função pública de relevo, mas na CF foi conferida a estabilidade de maneira indistinta, tanto para os cargos que precisam deste dispositivo para proteger o exercício da função pública, como para as carreiras que não são de Estado, que poderiam, naturalmente, ter outro tipo de vinculação, como a celetista.

O ministro do Meio Ambiente foi exonerado em junho, pois foi alvo de uma representação de um delegado da polícia federal do Amazonas, que entendeu que o comportamento daquela autoridade ministerial era incompatível com o seu dever de defender o interesse público. Se não houvesse a estabilidade, talvez esse servidor público não tivesse segurança e autonomia de fazer esta representação ao Supremo Tribunal Federal (STF).

UMA VEZ QUE OS GASTOS PÚBLICOS DIMINUAM, É POSSÍVEL ALMEJAR UMA REDUÇÃO SUBSTANCIAL NA CARGA TRIBUTÁRIA?

Adriana – Não vinculo, neste momento, os dois assuntos, porque a Reforma Administrativa é o primeiro passo. Há vários outros passos complicados que mexem com os poderes, fortes sindicatos e interesses políticos. As mudanças serão feitas se a sociedade se posicionar, pois muitas vezes o que se está em jogo é o interesse político, e não o que o País realimente precisa. O sistema tributário também tem muitas distorções, esbarrando também em interesses políticos. Entretanto, no longo prazo, se tudo caminhar bem, aprovando uma Reforma Administrativa, elas podem ser convergentes – e existe a expectativa de uma possível redução da carga tributária, mas a sociedade precisa cobrar.

Alencar – A carga tributária é elevada e mal distribuída no Brasil, porque há um grande peso sobre os tributos indiretos, como o consumo. Por isso, temos um sacrifício muito maior dos pobres do que dos ricos no pagamento dos impostos, pois os tributos consomem toda a renda das famílias vulneráveis com produtos para a sua sobrevivência. Precisamos de uma Reforma Tributária e também discutir a qualidade do gasto público, porque temos gastos elevados, como na área previdenciária e no pagamento da dívida da União, que consomem grande parte do orçamento. Precisamos enxugar os gastos, mas não de maneira fria, com um equilíbrio fiscal estático. Defendo o equilíbrio dinâmico das contas, que não veja como gasto aquilo que é investido para garantir o funcionamento de determinadas instituições.

QUAL É A EXPECTATIVA DE VOTAÇÃO NO CONGRESSO E POSSÍVEL APROVAÇÃO DA REFORMA ADMINISTRATIVA?

Adriana – Esta discussão sobre Reforma Administrativa, assim como a Tributária, já deveria ter acontecido no primeiro ano desta legislatura. No segundo ano, ficou paralisada por causa da pandemia, mas todo mundo poderia discutir muito bem os temas de onde estivessem, pois tivemos votações virtuais. Então, não tem desculpa. A comissão especial já está instaurada e várias audiências públicas foram feitas; agora, esperamos que o relator da CCJ [Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania] traga o relatório e aceite as emendas para melhorarmos a PEC, a fim de que ela não seja apenas uma PEC da base da pirâmide, que seja mais ampla.

Alencar – Hoje, há uma maioria orgânica da base do governo, o que torna possível a aprovação dessa reforma, assim como vem ocorrendo em matérias com elevados graus de controvérsias, como foi recentemente a alteração da Lei de Improbidade Administrativa. Então, a sua aprovação é possível, mas não é a Reforma Administrativa que o País precisa, tampouco é o momento de discuti-la em meio a uma pandemia. Devem ocorrer debates intensos na comissão especial com os deputados que discordam desta visão distorcida dos servidores púbicos, que o texto da PEC representa, mas a proposta pode ser melhorada, e se alcançar os termos que achamos benéficos para o País, contará com o nosso apoio.

Filipe Lopes Paula Seco
Filipe Lopes Paula Seco
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