As recentes discussões acerca das novas regras fiscais para controle dos gastos públicos, além do entendimento da necessidade de uma Reforma Tributária, inauguram um novo cenário na administração pública.
Os últimos dez anos ficaram conhecidos como a “década perdida” para a economia brasileira. Desde a crise de 2014, a população sente no bolso a oscilante trajetória da economia. Agora, diante dos recentes debates sobre novas regras fiscais, será que o Congresso e o governo seguirão, de forma definitiva, pelo caminho do crescimento sustentável com controle dos gastos públicos?
Para responder a essa e outras questões, o Canal UM BRASIL, uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), entrevista Vilma da Conceição Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), que analisa como essas medidas podem impactar o crescimento do País.
A situação fiscal do Brasil vem em uma deterioração, principalmente desde a crise ocorrida entre 2014 e 2016, quando o País passou por um período recessivo. Antes disso, já experimentávamos uma taxa de crescimento cada vez menor nas receitas primárias do governo. Então, todo esse desequilíbrio nas despesas que vem crescendo continuamente em detrimento das receitas- que, na década de 2000, acompanhava esse crescimento de despesas- a partir dos anos de 2010, parou de acompanhar. Também tivermos o fim do boom das commodities, que ajudou a reduzir as receitas ao longo do tempo. Esse descasamento gerou um déficit fiscal, que pode ser notado em 2015, o que consequentemente trouxe aumento continuado da relação entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB).
Estamos observando o crescimento dessa dívida e uma trajetória de déficit, sem que o governo consiga, ao longo desse tempo, criar um cenário de estabilização da relação dívida/PIB. Por isso, estamos num cenário atual ainda de incertezas e de desequilíbrio fiscal.
Naturalmente, o País teve, nesse período pós-pandemia, alguns eventos atípicos. No ano passado, por exemplo, o governo obteve um resultado primário superavitário pela primeira vez desde 2015, mas essa conjuntura foi provocada por choques externos, principalmente pelas commodities. Mesmo com superávit em 2022, a situação fiscal, ainda frágil, é de expectativa de déficit e desequilíbrio na dívida pública para os próximos anos. Eis um tema que precisamos, de fato, enfrentar.
É importante que exista, de fato, uma sinalização do ponto de vista de regra fiscal. O teto de gastos, dadas as diversas alterações que vinha sofrendo, com o objetivo de aumentar os custos, perdeu a eficácia. Tínhamos uma regra para controlar despesas, mas toda vez que o governo queria aumentá-la, mudava-se a regra — então, acabava não cumprindo o seu papel. No cenário atual, o teto de gasto não é mais crível. A sociedade não acredita que o governo conseguiria controlar o crescimento das despesas com a regra do jeito que está.
Começamos a observar, também, que as metas para o resultado primário, criadas desde a Lei de Responsabilidade Fiscal, foram ignoradas diversas vezes nos últimos anos, com a aprovação de itens que não comporiam mais a meta primária, a compensação do resultado primário do governo federal com o resultado primário de estatais federais.
Temos, no histórico de regras fiscais, situações em que foram criadas diversas alterações ou exceções à regra, as quais fizeram o esforço perder a eficácia. O objetivo central de uma regra fiscal é reduzir o viés deficitário das contas públicas para criar um ambiente de sustentabilidade, e viemos de um cenário de muitos anos de aumento da relação dívida/PIB. Isso tudo dá um sinal de que as regras fiscais precisam de uma modernização.
De fato, o que foi apresentado agora é mais flexível. Só que ainda lidamos com uma conjunção de dependência de receitas. A simples aplicação da regra não garante que o governo consiga cumprir, por exemplo, as metas para o resultado primário sem que anuncie medidas de aumento de receitas, uma vez que, no fim do ano passado, foi aprovada a emenda da transição, a qual autorizou um aumento de despesa para 2023 na ordem de R$ 145 bilhões no teto de gastos, mais a exclusão de alguns outros itens, totalizando algo como R$ 170 bilhões de exceção.
Temos um aumento de despesa sem sinalizar as fontes de financiamento. São custos recorrentes que vão acontecer não só em 2023, mas em todos os anos subsequentes. Então, qualquer regra fiscal que fosse apresentada sem mexer nessa nova estrutura naturalmente demandaria algum ganho de receita. Agora, é a fase em que discutimos também as fontes de financiamento. Mas não há dúvidas de que esse tipo de regra fiscal e o seu alcance dependem de o aumento da arrecadação para o governo promover mais crescimento econômico, melhoria da produtividade e aumento da eficiência do recolhimento. Nesse ponto, podemos obter ganhos com as melhorias da eficiência e da qualidade do gasto público.
O novo arcabouço fiscal vem nessa direção de tentar conferir mais flexibilidade, reduzindo-se a tendência de alterar a regra com muita frequência.