Os resultados do Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), elaborado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) neste ano, jogaram luz sobre a voracidade dos processos tributário e administrativos de gerar contencioso judiciário. Tramitam na Justiça brasileira cerca de 77 milhões de processos, dos quais 40% são de natureza tributária, segundo o Relatório Justiça em Números 2021, realizado com dados de 2020. Dentre os temas tributários que “entopem” o sistema judiciário nacional, os processos de execução fiscal representam mais de 70% das execuções pendentes, com taxa de congestionamento de 87%, ou seja, em um universo de 100 processos de execução fiscal, apenas 13 foram baixados em 2020.
Dentre os motivos do alto volume de processos está a complexidade do sistema, que diminui a capacidade de o contribuinte compreender e absorver as obrigações tributárias, além das dificuldades na relação com os fiscos, para evitar que dúvidas ou reclamações se tornem processos longos e custosos.
Na entrevista a seguir, Marcus Livio Gomes, secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), esclarece os principais resultados trazidos pelo estudo e elenca ações que podem ajudar a diminuir o contencioso judiciário.
“Há indícios na pesquisa de que a complexidade da legislação do PIS/COFINS e das Contribuições Previdenciárias é fator que provoca bastante contencioso. Basta ver que são tributos que avolumam o Poder Judiciário e foram responsáveis pelo maior número de consultas fiscais formuladas por contribuintes entre 2014 e 2019”, pondera Gomes.
Outro ponto fundamental para compreender a morosidade dos processos judiciais é o tempo médio de tramitação do processo de execução fiscal baixado nos tribunais, que, segundo o estudo, é de oito anos e um mês, deixando clara a dificuldade de os tribunais aplicarem o princípio constitucional da razoável duração do processo.
O secretário do CNJ comenta ainda sobre a importância dos meios alternativos de solução de conflitos para desafogar o judiciário, mas que, para isso, precisa haver um rompimento com a cultura do litígio. “Advogados, públicos e privados, não foram ensinados a negociar, a fazer concessões recíprocas. Foram formados para litigar”, afirma.
As revelações sobre o contencioso judicial tributário motivaram a instituição de uma comissão de juristas para modernizar a legislação de processos administrativos e tributários, formalizada pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. Ao todo, 17 especialistas vão elaborar anteprojetos de proposições legislativas, sugestões e soluções para unificar, modernizar e agilizar procedimentos que impactam diretamente o dia a dia dos contribuintes.
A mudança passa, em especial, pelo controle prévio de legalidade dos créditos inscritos em dívida ativa, pelo aumento das possibilidades de composição de litígios tributários, pela promoção de mais mecanismos de interação entre Fisco e contribuinte, pela modernização das formas de pagamento do crédito tributário e pela automação da execução fiscal.
Pode e deve. Este é um dos principais achados da pesquisa Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário, divulgada recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça. Existem terrenos férteis para tanto, notadamente, a promoção de mais coerência decisória entre instâncias administrativas e judiciais e o aproveitamento pela instância judicial do conteúdo probatório construído na seara administrativa.
No Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário, foram investigadas possíveis relações de causalidade entre os elevados estoques processuais e a complexidade da legislação tributária.
Um primeiro achado que pode estar ligado ao alto volume do contencioso tributário diz respeito ao fato de mais de um quinto dos processos judiciais tributários da amostra analisada versar sobre inconformidade dos contribuintes em relação a registros constantes de sistemas informatizados dos fiscos, sendo razoável inferir que não versam sobre irresignação quanto à matéria de direito.
Outro ponto digno de atenção é o IPTU. Muito embora se destaque como o tributo com maior volume de contencioso, não há tantas execuções fiscais ajuizadas pelos municípios, o que indica, em um primeiro olhar, que existe muita irresignação dos contribuintes em relação aos lançamentos realizados com base no imposto em tela, o que desemboca em muitas ações antiexacionais.
Com efeito, há indícios na pesquisa de que a complexidade da legislação do PIS/COFINS e das contribuições previdenciárias é fator que provoca bastante contencioso. Basta ver que são tributos que avolumam o Poder Judiciário e foram responsáveis pelo maior número de consultas fiscais formuladas por contribuintes entre 2014 e 2019.
Por fim, existe um vasto estoque de ações mandamentais de natureza tributária. São fatores que me fazem crer que o alto volume do contencioso tributário judicial não está ligado apenas à complexidade do sistema tributário.
Os achados da pesquisa indicam que há uma necessidade de refletir sobre a legislação regente do PIS/COFINS, das contribuições previdenciárias e do mandado de segurança.
Não é uma pergunta que o Diagnóstico conseguiu responder neste primeiro momento. Tanto que, nos aportes iniciais da sistematização da pesquisa, há uma expressa recomendação para realização de estudo específico, detalhando a análise quanto às decisões proferidas nos órgãos julgadores especializados, a fim de ter dados mais detalhados a respeito das decisões que não analisam o mérito, utilizando uma amostragem maior de varas especializadas em comparação com as demais.
Há, em princípio, a necessidade de ampliar as possibilidades de composição de litígios tributários, por instrumentos legais que confiram segurança a todos os envolvidos no processo e estabeleçam procedimentos consensuais de maneira transparente e atenta a princípios orientadores da atuação do Fisco e do contribuinte.
É necessário, também, romper com a cultura do litígio. Advogados, públicos e privados, não foram ensinados a negociar, a fazer concessões recíprocas. Foram formados para litigar.
A harmonização passa por estabelecimento de fóruns de diálogo, de meios de participação efetiva do contribuinte no processo administrativo fiscal, de espaços de informação de linguagem acessível. E, além disso, pelo aperfeiçoamento dos modelos de consultas fiscais e dos métodos preventivos de solução de litígios.
Como dito, o aperfeiçoamento dos modelos de consultas fiscais, a ampliação dos meios de participação efetiva do contribuinte no processo administrativo fiscal e a construção de métodos preventivos de solução de litígios são capazes de lançar novas luzes sobre o problema.
Chegamos a uma conclusão ainda incipiente, explicitada nos aportes iniciais da Sistematização do Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário: é recomendável a criação e o aprimoramento de mecanismos de gestão e de integração de dados da sistemática de recursos repetitivos nos Tribunais de segunda instância, para que processos não permaneçam desnecessariamente sobrestados e sejam julgados com maior celeridade. Não resolve todo o problema, mas é um começo.
Em 2019, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) lançou sua proposta de flexibilização do sistema tributário brasileiro, por meio de 11 anteprojetos, que dispensam mudanças na Constituição Federal e podem melhorar rapidamente o dia a dia dos contribuintes. As medidas, que visam simplificar as obrigações acessórias, a emissão de documentos fiscais e o relacionamento com os fiscos, foram elaboradas pelo jurista Ives Gandra Martins e pelo ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, como alternativas à Reforma Tributária.
Diferentemente da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 110, que tramita no Senado, os 11 anteprojetos buscam desburocratizar o sistema por dentro, e não apenas unificar tributos. Confira os temas:
No âmbito de cada ente federativo (União, Estados e municípios), será possível a compensação tributária, inclusive a contribuição patronal previdenciária.
A proposta altera o Código Tributário Nacional (CTN) e busca estabelecer a igualdade tributária, prevendo a obrigatoriedade recíproca para a cobrança de tributos e o seu ressarcimento.
Cria regras sobre a imputação de responsabilidade, sem alterar as hipóteses de responsabilidade existentes no CTN.
Pretende instituir a obrigação de o Fisco informar previamente à declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) os critérios para a retenção em malha.
A legislação tributária confere ao contribuinte a possibilidade de formular consulta, a fim de tirar dúvidas ou buscar esclarecimentos sobre o pagamento dos impostos.
Pretende inserir no PAF (Decreto n.º 70.235/72) dispositivos que estabeleçam a forma como proceder no caso de perda de prazo do Fisco, quando da solução de consulta tributária.
Propõe o acréscimo do artigo 123-A do CTN, para que o mandado de fiscalização (documento que instaura a fiscalização) tenha informações mais detalhadas sobre as ações.
Pretende assegurar a estabilidade normativa e a previsibilidade da ação estatal. Sendo assim, propõe que seja incluído no CTN a exigência de as obrigações acessórias somente serem instituídas até 30 de junho do ano anterior.
A proposta é acrescentar, ao art. 208-A do CTN, que a certidão negativa de débitos fiscais não impeça o contribuinte de participar de processo licitatório aberto pelo credor.
A unificação cadastral da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios significaria mais agilidade no desempenho das funções fiscalizatórias e, ao mesmo tempo, menos burocracia ao contribuinte.
Com alteração do CTN, é importante que seja fixada sanção aos Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, caso estes não editem decreto até o dia 31 de janeiro de cada ano com a consolidação da legislação tributária de sua competência.