“O Brasil não precisa de novas leis. O Brasil precisa de homens, especialmente públicos, que observem as existentes.”
O ministro Marco Aurélio Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), se aposenta no próximo dia 5 de julho. Ele completa 75 anos no dia 12, quando seria obrigado a deixar a Suprema Corte, mas decidiu adiantar a aposentadoria em uma semana. Um ofício à presidência do Supremo já foi enviado formalizando a saída.
Ao longo de três décadas, presidiu o STF – entre 2001 e 2003 – e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em três oportunidades: nos biênios de 1996/97, 2006/08 e 2013/14. Em um desses períodos, inaugurou as eleições informatizadas no País. Marco Aurélio é bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Antes do STF, passou pela advocacia e pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Em entrevista concedida por e-mail à PB, o magistrado fala sobre a importância do estabelecimento de uma renda mínima neste momento de pandemia e lamenta a longa espera (desde 2005) pela regulamentação de uma ação da qual é relator, acerca justamente da renda básica.
Ao avaliar a sobrecarga dos processos que emperram a máquina judiciária, chama a atenção para a relevância da Lei da Arbitragem como meio para isso. Entre outros temas, comenta também a alegação de uso da Lei de Segurança Nacional (LSN) como instrumento eleitoral nos dias atuais. Confira a conversa.
“O Brasil não precisa de novas leis. O Brasil precisa de homens, especialmente públicos, que observem as existentes.”
O Supremo revela-se a composição atual. Tem trajetória, e evidentemente os pronunciamentos estão nos anais. Em 1990, encontrei o que costumo denominar “velha guarda do Supremo”. Houve mudança substancial na composição, e isso implica oscilação da jurisprudência. A atuação do Supremo é vinculada ao direito aprovado pelo Congresso Nacional e, especialmente, à Constituição Federal.
Uma coisa é a lei em si. A leitura dos dispositivos revela um documento atual indispensável ao Estado democrático de direito. Algo diverso diz respeito à aplicação, à observância. Então, surgindo conflito de interesse, busca-se o Judiciário. O que não se pode é nutrir verdadeiro ranço e, então, partir da ideia preconceituosa de a lei ter sido aprovada em época de regime de exceção.
Sim, ocorre uma judicialização maior, e isso resulta até mesmo do fato de achar-se que se poderá ter melhores dias editando-se novas leis. Hoje, o Supremo está subcarregado de processos, o que implica desafio para conciliar celeridade e conteúdo.
Julgo os colegas por mim e, nesses 42 anos integrando o colegiado julgador, jamais me senti pressionado. O juiz ocupa o cargo vitalício e deve atuar com absoluta equidistância. A política a ser observada é única – a institucional.
O aperfeiçoamento é infindável. As leis trabalhistas, cogentes, visam a equilibrar, tanto quanto o possível, o mercado. Há excesso de mão de obra e escassez de emprego. A tendência é aquele que precisa da fonte do próprio sustento renunciar a direitos. Pode fazê-lo, desde que não previsto em norma imperativa. Avança-se culturalmente observando-se a ordem jurídica.
Surgindo o direito de resposta, este há de ser definido pelo órgão judicante, e, aí, parte-se da premissa de ser equivalente ao ato que se diz ofensivo. É um problema de ajuste, devendo prevalecer o Primado do Judiciário.
Não, não se tem evolução maior. O instituto da arbitragem é acionado apenas em grandes contratos que prevejam. O brasileiro em geral somente acredita em uma solução: a dada pelo Estado julgador. É uma questão de cultura, e precisamos realmente acreditar na valia da Lei da Arbitragem como meio para aliviar a sobrecarga de processos que tanto emperra a máquina judiciária.
O surgimento de meios ágeis buscando a solução do processo é uma constante. Há de marchar-se com indispensável segurança jurídica. O que é certo é que a Justiça constitui obra do homem – e, enquanto o for, não se pode tê-lo como passível de substituição. Tudo recomenda que se afaste a atuação simplesmente cartorária, conciliando-se celeridade e conteúdo.
Observa-se a inexistência, até hoje, de uma impugnação minimamente séria à urna eletrônica. Veio para preservar a vontade do eleitor, evitando manuseio de cédulas, evitando mapismo e, portanto, a fraude. Não há campo para verdadeiro retrocesso, e o vejo, considerada a visão daqueles que preconizam o retorno ao voto de papel.
Tem-se valores que podem ser conciliados. A renda mínima é algo que visa ao sustento do homem, uma vida, em sociedade, minimamente digna. Estarrece, como consignei em voto, ter-se instituto que até hoje, passados tantos anos, ainda não foi regulamentado. Cumpre voltar os olhos à eficácia da legislação. O Brasil não precisa de novas leis. O Brasil precisa de homens, especialmente públicos, que observem as existentes.