Multilateralismo e ênfase nas alianças devem ser algumas das marcas da política externa do novo presidente norte-americano, Joe Biden. A análise é de Thiago de Aragão, sociólogo e diretor de estratégia da Arko Advice. Para ele, se o governo brasileiro mantiver sua atual política de preservação ambiental, pode sofrer prejuízos enormes.
Primeiro, Trump não tem a relação com o Partido Republicano como o Biden tem com o Partido Democrata. O novo presidente é mais integrado à lógica, aos diálogos dentro do partido. Isso faz com que os posicionamentos do governo norte-americano com Biden sejam múltiplos. Segundo, a noção de reality show relacionada à política externa vai diminuir, se não desaparecer. Trump via os Estados Unidos tão poderosos que pensava que o país deveria agir sozinho. Já Biden vê que o poder dos Estados Unidos está em trazer e angariar um corpo maior de aliados para tratar de determinados temas. Biden tem uma visão multilateral do mundo. Ele entende que o mundo se forma com alianças nas quais os Estados Unidos devem estar na liderança.
“Trump via os Estados Unidos tão poderosos que pensava que o país devesse agir sozinho. Já Biden vê que o poder dos Estados Unidos está em trazer e angariar um corpo maior de aliados para tratar de determinados temas”
Vamos ter previsibilidade porque veremos as narrativas e os acordos sendo construídos. Eles tendem a ser mais robustos, quando forem implementados. Com relação à China, Biden vai mudar muito a forma, não necessariamente o conteúdo, que será mais submerso, contrapondo a Trump. Nas questões de sanções, acredito que Biden vai focar mais nas individuais contra membros do partido [comunista], dentro das narrativas de direitos humanos, do que naquelas contra grandes empresas dentro da vertente de segurança nacional, tema que impacta os Estados Unidos e todos os aliados, porque é um conceito diluído. Esse tipo de ação na percepção de Biden pode gerar algum tipo de divisão dentro do Partido Comunista da China, que pode vir a ser mais eficiente do que um ataque conjunto que gera unidade.
A relação entre Brasil e Estados Unidos é dividida entre o governamental e o privado. No âmbito privado, é muito sólida. O nosso mercado financeiro é profundamente integrado ao norte-americano. Temos indústrias norte-americanas há muitas décadas no Brasil e empresas dos Estados Unidos que fazem parte do imaginário brasileiro, como Apple, Microsoft, Amazon, Netflix, entre outras. No campo governamental, isso pode incomodar muita gente, mas o Brasil não é uma das dez ou 15 prioridades de Biden ou de qualquer outro presidente norte-americano. A relação governamental entre os países vai ser mais superficial, dificilmente vamos ter uma provocação dos Estados Unidos para o Brasil, mas pelo fato de Biden ser do Partido Democrata a provocação pode sair por meio de um relatório, de uma comissão de relações exteriores da Câmara, como já aconteceu em 2020, sobre meio ambiente ou outro tema. As consequências econômicas podem vir por meio de sanções, mas acho difícil por conta da integração entre os dois países. Porém, se a percepção de que o Brasil não é um player responsável em relação ao meio ambiente for endossada pelo presidente norte-americano, haverá um impacto grande no mercado financeiro, investidores e empresas que não queiram ser associados a esse país.
Não tem problema em atacar, em elevar o tom, desde que isso faça parte de uma percepção, de um movimento de xadrez, dentro de determinada área e que se use os canais corretos. Então, isso gera uma situação que, para o Brasil, a chance de se dar mal é muito grande. Não custa nada o Brasil acabar com essa história, tentando começar do zero a relação neste ano. Isso gera falta de interesse do novo governo norte-americano em relação ao País. Esses são equívocos que mostram que a política externa é feita a partir do Palácio do Planalto. São equívocos, que ao meu ver, não agregam, e o Brasil pode acabar numa situação um pouco mais isolada.