“Um erro bem comum é de fundadores se apaixonarem mais pela solução que inventaram do que pelo problema que estão resolvendo.”

Aos 36 anos, o engenheiro Renato Freitas não tem pudores em se definir como “um nerd sonhador”. Junto com dois colegas, criou a startup 99, vendida por US$ 300 milhões ao grupo chinês Didi Chuxing. Hoje, como investidor-anjo, garimpa potenciais empreendedores capazes de repetir a história dele.
“Um erro bem comum é de fundadores se apaixonarem mais pela solução que inventaram do que pelo problema que estão resolvendo.”
Sempre tive um exemplo de empreendedorismo em casa. Meu pai tinha uma metalúrgica pequena, com dez funcionários. Trabalhei com ele dos 14 anos até depois de me formar. Ali, mesmo sem saber, estava aprendendo a tocar uma empresa em funções como gestão de funcionários, pagamento de impostos, organização de fluxo de caixa e relacionamento com clientes. Por muito tempo meu plano de carreira era herdar a empresa, porque era a coisa mais óbvia a se fazer. Mas, durante meu curso de Engenharia na Poli-USP [Escola Politécnica da Universidade de São Paulo], comecei a me interessar em leituras sobre empreendedorismo e gestão de empresas. Foi assim que acabei me interessando em abrir minha empresa. Na Poli, brincava com os meus amigos e dizia que preferia ter uma barraquinha de cachorro-quente do que ir trabalhar na empresa de outra pessoa.
Tudo começou quando o meu colega de faculdade Ariel Lambrecht viajou para a Alemanha e lá conheceu um aplicativo chamado MyTaxi, o primeiro app de táxi do mundo. No mesmo dia, ele me enviou uma mensagem sobre isso e nós nos empolgamos com a possibilidade de fazer algo no Brasil. Algumas semanas depois disso já tínhamos o protótipo da 99 todo implementado. O próximo passo foi ir atrás de um sócio. Ariel e eu éramos muito bons em tecnologia e produto, mas éramos muito ruins na parte de negócios. Então chamamos o Paulo Veras (fundador da Tesla, em 1995, pioneira em serviços de internet, vendida para o JP Morgan Chase), com mais experiência em finanças, para compor o time de fundadores e assim iniciamos a empresa, em 2012.
O desenvolvimento foi feito por mim, com o apoio do Ariel, que sempre foi muito bom em desenhar produto. A maturação da empresa veio aos poucos: nos primeiros meses foi muito difícil convencer motoristas a comprar smartphone e instalar o aplicativo. Mas, depois de um ano, tivemos de contratar pessoas para dar conta das filas de motoristas que se formavam. Com o sucesso, levantamos recursos junto a investidores e expandimos a 99 para todo o Brasil. Para poder competir com a Uber e a Easy Taxi, fizemos novas rodadas de investimento e, em 2017, vendemos a empresa para o grupo chinês Didi Chuxing, que já era investidora, por US$ 300 milhões e nos tornamos o primeiro “unicórnio” [startup cuja estimativa de valor do mercado está acima de US$ 1 bilhão] brasileiro.
Acho que uma parte que deu errado nesse mercado todo de micromobilidade foi o fato de precisar de muito dinheiro e atrair muitos investidores de forma muito rápida. As empresas foram dominadas por investidores, e não por empreendedores. Se tudo tivesse caminhado de forma mais calma, acho que teria mais chances de funcionar. Saí pouco antes da fusão. Estava empreendendo há 13 anos seguidos, em três empresas diferentes. Foi um período difícil e estressante. Eu precisava dar atenção para a minha família.
Sim, foi frustrante. Acho que as cidades perdem muito sem ter uma opção de micromobilidade. Mas todo empreendedor sabe que as coisas podem dar bem errado e temos de lidar com isso.
“Os tributos de um investidor fazem com que ele ganhe menos dinheiro quando tem lucro; já os tributos de uma startup podem literalmente inviabilizar uma empresa inteira.”
Não creio que o cenário pós-pandemia tenha influência nos erros mais comuns dos empreendedores. Acho que um erro bem comum é de fundadores se apaixonarem mais pela solução que inventaram do que pelo problema que estão resolvendo. É bastante comum você ter que adaptar bastante a sua solução para que ela seja bem aceita, e, em algumas situações, jogar a solução fora e começar de novo. Se você está apaixonado pelo problema, isso é mais fácil de fazer. Se você está apaixonado pela solução, você acaba sendo igual ao violinista do Titanic, ou seja, você vai tocando enquanto o barco afunda.
Nós nunca tivemos como meta virar unicórnio, esse termo nem existia quando começamos. E não recomendo ninguém ter esse tipo de pensamento. Bons empreendedores querem fazer um negócio que mude a vida de muita gente. Por consequência, você acaba construindo uma empresa grande e pode ganhar o título da moda. Para manter o seu negócio saudável, sugiro que se mantenha muito próximo de seus clientes, entender como eles pensam e aprender a simular os pensamentos e as necessidades deles na própria empresa.
Para uma startup em fase inicial, os pontos mais importantes são ter uma equipe excepcional e trabalhar em um mercado que seja grande, no qual você consiga construir uma empresa que fature muito dinheiro. Os investidores também gostam que você tenha um olhar diferente do usual para o mercado, algo que de alguma forma só você viu, ou só você acredita.
Na verdade, me considero um investidor-anjo bem atípico. As preocupações de tamanho de mercado ou de retorno de investimento são secundárias para mim. As coisas que mais avalio estão relacionadas ao potencial de ajuda que posso dar à startup. Isso passa por ter boa empatia com os empreendedores, por estar convencido de que minha história e minhas habilidades podem ser úteis a eles, assim como por eu conseguir me apaixonar pelas ideias deles. Isso não mudou por conta da pandemia.
Não me arrisco a prever quais setores são os mais promissores, mesmo assim estou bastante ansioso para as pessoas começarem a pensar no potencial que a internet 5G vai trazer.
A desproporcionalidade entre as startups, já existe há bastante tempo. Tanto na 99 como na Yellow, tivemos de buscar investidores fora do Brasil porque não existem fundos de startup brasileiros que investem as cifras que precisávamos. Eu entendo bem pouco de finanças e economia, mas acredito que o fato de termos juros mais baixos tem causado impacto positivo para a entrada de mais capital brasileiro para as startups.
Acho que isso é muito pessoal. Eu não leio notícias, sou imune a fake news. Já recebi críticas em relação a isso. Na verdade, numa startup, você, na maioria das vezes, está fazendo algo tão novo que as notícias de economia e afins não interferem no seu dia a dia. Claro que isso não se aplica a notícias sobre a pandemia, por exemplo.
Ter uma definição oficial de startup é um passo bem interessante, assim como a caracterização do investidor-anjo. Não entendo muito de tributação, mas fico mais preocupado com a tributação da startup e do empreendedor do que do investidor. Os tributos de um investidor fazem com que ele ganhe menos dinheiro quando tem lucro; já os tributos de uma startup podem literalmente inviabilizar uma empresa inteira. Em alguns lugares do mundo, as empresas não pagam impostos enquanto não obtêm lucro, por exemplo. Isso poderia ser um ponto bem positivo a ser adotado para as startups.
Acredito bastante no Brasil. Muita gente acha que empreender fora é mais fácil. Cada lugar tem seu desafio. No País, você tem desafios com impostos e com pessoas desonestas. Em lugares como os Estados Unidos, você tem uma competição bastante dura: tudo o que você pensar em fazer, tem mais cem pessoas fazendo do seu lado. É muito difícil se diferenciar, e as empresas acabam morrendo por conta disso. Eu não penso em sair daqui, pelo contrário. Eu penso em entender os problemas que temos aqui e achar soluções. Empreendedor se alimenta de problemas, e no Brasil problema é o que não falta.