A inserção da cultura ESG (do inglês Environmental, Social and Governance – Ambiental, Social e Governança) nas empresas brasileiras, sobretudo, nas pequenas, esbarra na falta de informação e na desconexão entre a teoria e a realidade de cada negócio. Uma pesquisa inédita feita pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) revela que PMEs entendem a importância de iniciativas ligadas aos preceitos ESG, mas ainda não sabem como torná-las realidade.
Para Rodrigo Tavares, fundador e presidente do Granito Group, consultoria especializada em economia sustentável, empresas menores que trabalham com o público jovem ou estão inseridas no ambiente tecnológico já se deram conta da importância da agenda sustentável. O grande desafio é convencer segmentos mais tradicionais, como o mecânico, a padaria ou o cabeleireiro do bairro. “São microempresas que operam segundo a mesma lógica comercial há muitos anos, pensam no curto prazo e têm pouca resistência financeira. O argumento mais persuasivo [para a inserção da cultura ESG] talvez seja o da redução de custos operacionais”, pondera.
Em entrevista a Problemas Brasileiros, Tavares, professor catedrático visitante em Sustainable Finance na NOVA School of Business and Economics, em Portugal, destaca que a absorção de práticas socioambientais e de gestão pode tornar os pequenos negócios mais eficientes e rentáveis. “Muitos estudos acadêmicos demonstram correlações positivas entre PMEs mais sustentáveis e melhor performance financeira a longo prazo.”
Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017, e colunista da Folha de S.Paulo, Tavares diz ainda que os bancos têm um papel central no estímulo à implantação do ESG. “Se o gerente de crédito tornar as condições do empréstimo contingentes às mudanças em sustentabilidade, o pequeno empresário vai ouvir.” Leia abaixo a entrevista na íntegra.
“Até agora, as práticas ESG de PMEs têm sido informais, desestruturadas e ocasionais, não sendo um elemento importante na estratégia da empresa”
Estratégias em sustentabilidade podem ser customizadas para diferentes orçamentos e objetivos, por isso, o tamanho de uma empresa não determina a possibilidade de enveredar pelo caminho da sustentabilidade. Muitas PMEs, cujos produtos e serviços estão focados no público mais jovem ou têm componente tecnológico, já estão conscientes da necessidade de se ajustarem a um público consumidor mais exigente e sustentável. Mas o grande desafio é convidar as PMEs mais tradicionais para a sustentabilidade – o mecânico, a padaria ou o cabeleireiro do bairro. São microempresas que operam segundo a mesma lógica comercial há muitos anos, são “curto-prazistas” e têm pouca resistência financeira.
Os argumentos a apresentar a estas PMEs não podem ser moralistas (“empresas são agentes de mudança e têm que fazer o bem”) nem técnicos (“a transição energética e o Acordo de Paris dependem da contribuição de todos”). Precisam ser argumentos particularizados, eficientes e econômicos. Até agora, as práticas ESG de PMEs têm sido informais, desestruturadas e ocasionais, não sendo um elemento importante na estratégia da empresa. Quais argumentos usar? A sustentabilidade pode melhorar a eficiência e reduzir custos operacionais; aumentar a produtividade e a satisfação dos funcionários; instigar a inovação e potenciar a introdução de novos produtos; reduzir a probabilidade de multas; aperfeiçoar a capacidade da empresa de identificar e reduzir riscos externos; dar acesso a um custo de capital menor (com juros mais baixos, por exemplo); aprimorar a governança interna da empresa; melhorar a reputação e o branding; e expandir a base de clientes.
Entre estes, o argumento mais persuasivo talvez seja o da redução de custos operacionais. Reutilizar materiais, consumo de água mais eficiente, reciclagem de lixo, menor consumo de energia – tudo leva a menos custos a curto ou a longo prazo. Outro bom argumento é a integração em cadeias de valor. Cada vez mais, as grandes empresas exigem que os seus fornecedores, geralmente PMEs, se tornem mais sustentáveis. Para o pequeno empresário, ceder à pressão do comprador é uma questão de sobrevivência.
A sustentabilidade só gera os resultados esperados se for integrada de forma sistêmica, organizacional, processual e cultural. É tudo ou nada. E isso tanto é verdade para uma empresa de cinco funcionários quanto para uma de cinco mil. Mas as PMEs têm muito mais agilidade do que empresas de grande porte. Quando um CEO de uma grande empresa me pergunta quanto tempo demorará para realizar a transformação ESG, geralmente respondo que ele já não estará na empresa para testemunhar o seu término. É um processo muito longo, constante, dinâmico. Muitas vezes, é difícil e frustrante, demanda a participação de todos os departamentos: operações, finanças, recursos humanos, jurídico, produtos, comunicação, além da alta liderança. Em uma pequena empresa, é tudo mais ágil e personalizado, basta ajustar algumas rotinas. PMEs têm hierarquia simples e estrutura flexível. O desafio é [superar] a falta de conhecimento sobre como ajustar processos. PMEs também são mais próximas às comunidades locais, podem impactar e serem impactadas com mais facilidade.
“PMEs têm hierarquia simples e estrutura flexível. O desafio é a falta de conhecimento sobre como ajustar processos”
Sim, em todas essas vertentes. Mas vamos nos concentrar apenas no lançamento de novos produtos e na expansão da base de clientes. O que dizem os estudos de mercado?
Consumidores nos Estados Unidos (56%) e no Reino Unido (59%) estão dispostos a pagar mais por produtos sustentáveis, segundo o estudo Retail and Sustainability Survey, de 2020. Na pesquisa online First Insight, de 2021, com mais de mil consumidores em todo o mundo, 72% disseram que a sustentabilidade era uma consideração de compra muito importante ou relativamente importante. Mais de oito em cada dez consumidores acreditam que a sustentabilidade é um atributo importante para as marcas, e mais de 70% dos compradores valorizam mais produtos sustentáveis agora do que há um ano, de acordo com levantamento da Stifel Financial Corp, no ano passado. Quase um em cada três consumidores afirma ter parado de comprar certas marcas, devido a preocupações ou questionamentos éticos ou de sustentabilidade, segundo apuração da Deloitte, também em 2021.
Os bancos têm papel absolutamente central como indutores da transformação. A maioria das PMEs têm pequenos empréstimos e, por isso, são suscetíveis à opinião do banco. Se o gerente de crédito discutir pequenas alterações no negócio – como redução do consumo de água ou energia, reciclagem ou reutilização de materiais – e tornar as condições do empréstimo contingentes a estas mudanças em sustentabilidade, o pequeno empresário vai ouvi-lo. Porém, temos um desafio de ordem pedagógica, tanto os gestores bancários quanto os empresários precisam ser orientados, receber conhecimentos básicos de ESG. As associações comerciais, industriais, profissionais e os sindicatos desempenham papel fundamental como fontes de educação para a sustentabilidade.
Em primeiro lugar, educação; em seguida, estabelecimento de métricas; e, em terceiro, execução. Se uma pequena empresária quiser saber como consumir energias renováveis ou o dono de um restaurante tiver a intenção de reutilizar os desperdícios alimentares, mas eles não têm orientações, como fazer? Como calcular as vantagens contabilísticas dessa transformação para a sustentabilidade? Existe algum tipo de apoio financeiro público ou privado? Como não infringir a lei? Onde procurar ajuda? A FecomercioSP, entre outras associações, pode desempenhar papel vital na pedagogia das PMEs, com materiais online, guias temáticos, ferramentas de avaliação, cursos, workshops etc. Funcionários bancários também precisam ser formados por suas instituições.
Depois, é fundamental estabelecer métricas, poucas, mas eficientes. Qual é a porcentagem de materiais que poderá ser reutilizada? Quantos kWh de energia poderão ser reduzidos mensalmente?
Finalmente, chega o momento de executar. Os líderes do negócio são os líderes da transformação. E para manterem a motivação, terão de ver os impactos econômicos do seu esforço. Muitos estudos acadêmicos demonstram correlações positivas entre PMEs mais sustentáveis e melhor performance financeira a longo prazo em nações como Países Baixos, Gana, Portugal e Austrália. O fator econômico precisa estar sempre presente.
“Muitos estudos acadêmicos demonstram correlações positivas entre PMEs mais sustentáveis e melhor performance financeira a longo prazo. O fator econômico tem que estar sempre presente”
Não creio que o Brasil esteja muito atrasado na execução, se comparado com a maioria dos países. Estudos acadêmicos indicam que o domínio da sustentabilidade por PMEs é alto em alguns países (como Nigéria, Tanzânia e Reino Unido), baixo em quase todos os outros (como África do Sul e Romênia) e apenas voltado para o marketing em países como a Nova Zelândia. A maioria das PMEs em nível global tem dificuldades nesta frente, e as PMEs brasileiras não são exceções.
Mas o Brasil está atrasado em duas áreas: políticas macro em sustentabilidade e apoio estatal (que afetam as PMEs) e temas educativos. Por exemplo, no ano passado, a Associação Empresarial de Portugal (AEP) criou o projeto EcoEconomy 4.0, destinado a apoiar a disseminação de conhecimento sobre economia circular e descarbonização entre as PMEs. É um projeto apoiado financeiramente pela União Europeia.
Mas este é um desafio global. Um estudo britânico indicou, no ano passado, que 60% das PMEs precisam de incentivos governamentais para colocar a redução de emissões no topo das suas prioridades. Ainda assim, nove em cada dez PMEs no país afirmam que a sustentabilidade ambiental é um tema importante para o seu negócio.
Há também questões culturais que devem ser consideradas. Estudos indicam que a integração de práticas de sustentabilidade por PMEs chinesas é robusta, mas isso deve-se ao fato de PMEs serem personalistas, muitas centradas em pessoas, e, por isso, integradas em comunidades locais, que seguem princípios éticos como mecanismo de sobrevivência local. Não é uma questão ambiental ou financeira.