entrevista

Evolução regenerativa

21 de junho de 2023
A

A digitalização dos processos produtivos tem provocado impactos em direções diversas e até divergentes — ao mesmo tempo que destroem, criam novos postos de trabalho. A opinião é do professor José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações de Trabalho (CERT), da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), em entrevista sobre as transformações do mundo laboral.

Como se caracteriza o mercado de trabalho brasileiro?

O Brasil conta com uma força de trabalho de 105 milhões de pessoas. Cerca de dois terços trabalham em atividades muito simples e de baixa qualificação, como balconistas, entregadores, garçons, lavradores, motoristas, ajudantes, domésticos etc. Em suma, tanto os empregos como os trabalhadores são de baixa qualidade. Daí a incidência de baixas remuneração e proteção.
Esse quadro tem raízes históricas e está ligado à nossa estrutura de produção e exportação. Cerca de dois terços das exportações brasileiras são de commodities, em que a maioria das atividades é simples. Isso faz toda a diferença. Veja o caso da Alemanha: mais de 50% das exportações são de alta tecnologia, e dois terços da força de trabalho têm elevadíssima qualificação. Isso significa que, para aumentar a renda das pessoas, é essencial a existência de empregos e educação de boa qualidade. Infelizmente, estamos longe disso no Brasil.

Como superar isso?

A superação desse quadro será demorada e trabalhosa. Vai depender de uma forte guinada na nossa estrutura de produção e na elevação da qualidade de educação.

Como a digitalização da economia interfere no mercado de trabalho ?

A entrada das tecnologias digitais nos processos produtivos tem provocado impactos em direções diversas e, muitas vezes, divergentes. Por um lado, a digitalização destrói postos de trabalho. Do outro, são criadas novas oportunidades. Além disso, colaboram para os ganhos de produtividade e a melhoria da qualidade de vida da população.

Uma das grandes preocupações é com os jovens, em especial os que não trabalham nem estudam. O que pode ser feito para oferecer ocupação a eles?

Esses jovens precisam de educação e emprego. Muitos terão de estudar enquanto trabalham. Para tanto, precisam de escolas acessíveis e empregos. A aprendizagem pode ser realizada também por meio de cursos virtuais. Mas não podemos ter ilusões. A geração de empregos depende de investimentos e crescimento econômico, e isso está fora do cenário brasileiro há décadas. A conduta dos governos é muito importante para estimular ou desestimular os investimentos.

A Reforma Trabalhista trouxe avanços no mercado de trabalho?

Houve vários avanços. A reforma reduziu os conflitos entre empregados e empregadores, com quedas expressivas de ações trabalhistas, o que é bom para os dois lados. Litígio desgasta emocionalmente as pessoas e economicamente as empresas. A nova lei criou modos mais flexíveis de contratar e remunerar o trabalho, o que estimulou a geração de empregos. De 2017 para cá, foram criados mais de 5 milhões de empregos formais, apesar da recessão e da pandemia.

Quais impactos do envelhecimento da população no mercado de trabalho nos próximos anos?

Nunca o mundo envelheceu de forma tão rápida como nos dias atuais, provocando mudanças enormes no mercado de trabalho. Há cada vez menos jovens para sustentar uma previdência social, que tem pela frente a necessidade de atender cada vez mais idosos. Não há sistema previdenciário que aguente essa transformação. Nosso destino está traçado. Vivendo mais, precisamos trabalhar por mais tempo, o que tem provocado revoltas nos países que buscam elevar a idade de aposentadoria. Mas não há alternativa, temos de nos acomodar com as novas exigências.

Como as empresas devem lidar com questões como o etarismo?

Aos poucos, as empresas vão reconhecendo o valor dos idosos e ampliando os sistemas de recrutamento. Não há dúvida de que a resistência ainda existe. As empresas preferem contratar jovens. Isso poderá ser praticado enquanto existirem jovens dispostos a trabalhar. À medida que essa população minguar, as empresas aceitarão mais os idosos. Nos países avançados, há muito tempo as empresas abrem jornadas mais curtas e intermitentes para facilitar a contratação dessas pessoas.

A entrevista foi publicada na edição comemorativa de 60 anos da PB.

Marcus Lopes Divulgação
Marcus Lopes Divulgação