O sorriso aberto é uma das marcas da empresária Adriana Barbosa, que há 22 anos lançou o Feira Preta, hoje o maior festival de cultura e afroempreendedorismo da América Latina. Por trás do sorriso, o trabalho duro e a seriedade de quem sabe dos desafios de empreender, ainda maiores para pessoas negras — e em dose extra para mulheres pretas. Felizmente, ela não desanima, sempre com novas ideias e projetos, reinventando o próprio evento que criou, que, neste ano, tem como tema “Ser feliz é a nossa revolução”. Pela primeira vez, o festival foi marcado para o início de maio, entre os dias 3 e 5, em vez de novembro. Afinal, a visibilidade para essas pessoas não deve ficar restrita ao mês da Consciência Negra. O evento também ganhou um novo espaço: será no Parque no Ibirapuera, em São Paulo. A expectativa de público é de 50 mil visitantes, com estimativa de movimentar R$ 16 milhões. A festividade inclui três palcos para shows, feira de empreendedores, palestras e espaço gastronômico.
Por tudo o que construiu, Adriana já recebeu prêmios nacionais e internacionais, como o Most Influential People of African Descent, em 2017, e o Prêmio Empreendedor Social 2020. Ela, contudo, não se acomoda, pois não quer ser feliz sozinha: a sua revolução depende que outros empreendedores negros conquistem o espaço que merecem. A empresária defende que o evento não apenas celebra a diversidade da cultura afro-brasileira, mas também “impulsiona o empreendedorismo dentro da comunidade”. Mas o seu trabalho vai muito além da feira — ao longo de todo o ano, mantém um hub para apoiar projetos de empreendedores negros.
Na entrevista que deu à Problemas Brasileiros, Adriana olha para o empreendedorismo como um elemento histórico essencial na vida das pessoas pretas desde a abolição. Foi pela inventividade de empreender que a população antes escravizada sobreviveu sem acesso a educação, terras ou outras posses. Ela reconhece que a discriminação segue como realidade comum no mundo nos negócios, mas já testemunha os vários frutos da luta por igualdade, com mais oportunidades no futuro.
Sim, as desigualdades de gênero e raça também se refletem no empreendedorismo. Mulheres e pessoas pretas enfrentam obstáculos adicionais ao iniciar e administrar negócios, o que pode resultar em disparidades na comparação com homens brancos. As mulheres e pessoas pretas, muitas vezes, têm menos acesso a recursos financeiros, redes de contatos e oportunidades de desenvolvimento profissional. Além disso, enfrentam preconceitos que podem dificultar o crescimento dos próprios negócios.
É possível se você analisar dados sobre a representatividade dessas pessoas no empreendedorismo, a lacuna de financiamento entre empreendedores de diferentes grupos demográficos, as taxas de sucesso e falência de negócios de propriedade dessa população. São marcas da presença de barreiras sistêmicas que impedem o crescimento equitativo desses empreendimentos.
O empreendedorismo das mulheres negras no Brasil tem sido historicamente subestimado. Ele é menos visível graças a uma série de fatores sociais, econômicos e culturais: discriminação e preconceito, barreiras estruturais, estereótipos de gênero e raça, ausência de apoio institucional, entre outros.
Sim, e por isso é fundamental investir em uma série de recursos e apoios para fortalecer e promover sustentabilidade e crescimento. É o empreendedorismo que faz a população negra emergir 132 anos após a abolição da escravidão no Brasil — e atribuo isso ao contexto histórico. Temos mais de 400 anos de período escravocrata no Brasil e, neste ano, completamos 132 anos da abolição. Esse ponto de partida da população preta define o que temos hoje. Se existe algo que fez com que essa população sobrevivesse ao colonialismo e ao racismo estrutural (e, muitas vezes, institucionalizado) foi o ato de empreender. Graças a esse processo histórico, a população negra teve menos acesso à educação e à renda, ocasionando inúmeros casos de ocupação em subemprego e também de desemprego, fazendo com que essas pessoas empreendessem por necessidade.
Nós ainda não superamos isso. Ocorre com mais frequência do que se imagina, e, infelizmente, há relatos de empreendedores que sofrem discriminação. É necessário construir uma narrativa positiva para a população preta que decide empreender e, assim, modificar o processo estabelecido hoje.
Certamente. A cultura negra, hoje, desempenha um papel fundamental na demanda e no consumo, influenciando diversos setores da economia. A população preta, ao se autodeclarar e afirmar a própria identidade, impulsiona uma demanda crescente por produtos e serviços que atendam às suas especificidades culturais e necessidades. Esse movimento tem sido especialmente evidente em eventos como o Festival Feira Preta.
O comportamento do consumidor tem passado por transformações significativas nos últimos anos, impulsionadas, principalmente, pelo avanço da tecnologia, pelas mudanças nas preferências e nos valores e pela pandemia de covid-19. O Festival Feira Preta é um exemplo significativo desse fenômeno, reunindo, atualmente, uma ampla variedade de empreendedores negros que oferecem produtos e serviços voltados à cultura afro-brasileira. Temos desde moda, arte e música até gastronomia e beleza.
Como modelo de negócio, o Feira Preta enfrentou desafios e obstáculos ao longo da sua trajetória, como muitos empreendimentos. É natural que, em momentos de dificuldade, o pensamento sobre desistir do projeto possa surgir. No entanto, a persistência e a determinação me fizeram seguir adiante. Minha paixão pelo propósito do projeto e o impacto positivo que ele poderia causar à comunidade preta foram os principais motores que me fizeram continuar. O festival não é apenas um evento comercial, mas uma plataforma de promoção da cultura afro-brasileira, do empreendedorismo negro e da valorização da identidade preta.
PretaHub é um hub de criatividade, inventividade e tendências pretas. É o resultado de 21 anos de atividades do Instituto Feira Preta nos trabalhos de mapeamento e nas capacitações técnica e criativa, além de servir como aceleradora e incubadora do empreendedorismo negro no Brasil. O hub pensa a relação com a cultura, a economia e o empreendedorismo pretos a partir de um olhar honesto e propositivo, entendendo seus papéis fundamentais na mudança estrutural de uma sociedade — e um mercado — que precisa absorver essa população não apenas nos processos de consumo, mas no respeito à própria existência enquanto potências criativa e empreendedora.
Sem dúvida, ver todo o resultado do trabalho de uma vida a milhares de empreendedores me motiva cada dia mais. Agora, estamos nos desenvolvendo no formato endowment (fundo patrimonial). Assim, pretendemos continuar apoiando negócios com mais liberdade. Também lançamos uma frente de advocacy: estamos criando um marco regulatório de empreendedorismo negro no Brasil.