entrevista

Luz na matéria escura

08 de julho de 2020
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Aos 38 anos, a astrofísica capixaba Marcelle Soares-Santos integra seleto grupo mundial. Na Universidade Michigan (Estados Unidos), ela lidera 50 pesquisadores que investigam a matéria escura, o “acelerador” da expansão do Universo, um dos grandes mistérios da ciência. A equipe integra o Projeto Dark Energy Survey (DES), com mais de 500 pesquisadores de instituições internacionais.

“Desde a infância, eu queria desvendar o que estava além do céu, descobrir como as coisas funcionam. Estudar e aprender eram e ainda são algo prazeroso para mim.”

Qual é o objetivo do seu trabalho?

Junto com outros pesquisadores tento trazer respostas para as perguntas que estão na alma de cada um, independentemente do nível de escolaridade, profissão, interesse e religião: qual a trajetória de evolução do nosso universo, de onde viemos e para aonde vamos. A gente tem uma explicação boa sobre de onde viemos, com a teoria do Big Bang, segundo a qual o universo começou em uma explosão muito forte há 13 bilhões de anos. Na época, tinha volume muito pequeno e se expandiu bem rápido. Aonde vamos ainda é um ponto de interrogação.

O que é a energia escura?

A velocidade da expansão que começou no Big Bang está aumentando. Aumento de velocidade precisa de energia, por isso é necessário saber de onde vem, o que é. Nós chamamos de energia escura, mas, na verdade, é invisível. Conseguimos estudá-la por meio das ondas gravitacionais, que são similares ao som. Até recentemente era um método que não conseguíamos usar, porque não havia tecnologia. Agora, temos essa capacidade e é como se saíssemos da era do filme mudo para o filme com som.  

Como foi ganhar o Sloan Research Fellowship, um dos principais prêmios para pesquisadores iniciantes no Canadá e nos Estados Unidos?

O prêmio tem bastante prestígio e fiquei muito honrada e surpresa porque o pesquisador precisa ser nomeado por outras pessoas importantes na comunidade científica, ser reconhecido por liderar projetos inovadores. Muitos premiados avançaram significativamente em suas carreiras e isto me inspira. Acredito que o mais importante não é o destino final de nossas pesquisas, mas a jornada como físico e astrônomo, na qual a gente adquire muito conhecimento.

Por que se tornou cientista?

Desde a infância, eu queria desvendar o que estava além do céu, descobrir como as coisas funcionam. Estudar e aprender eram e ainda são algo prazeroso para mim. No começo, só tinha noção que queria fazer algo relacionado à Ciência. Sou formada em Física, pela Universidade Federal do Espírito Santo. Incorporei a Astronomia no mestrado e no doutorado na Universidade de São Paulo; e tenho pós- -doutorado pelo Fermi National Accelerator Laboratory [Fermilab, um dos mais importantes laboratórios americanos para experimentos de Física].

Como foi a trajetória em um campo ainda dominado pelos homens?

Na graduação, no Departamento de Física, só havia duas professoras. Éramos 10% de mulheres estudantes. Os desafios, no meu caso, foram superados porque tive uma relação muito positiva com colegas e professores, em trabalhos em conjunto, que continuam. As pessoas percebem que você pode contribuir no coletivo e isso reflete no resultado.  

Por que decidiu trabalhar no exterior?

A decisão de seguir a carreira no exterior surgiu nos Estados Unidos, onde estou desde 2010. Na área de Física, há colaborações internacionais em grupos de diferentes instituições. Em julho, me transferi para a Universidade de Michigan. Antes, estava na Universidade Brandeis, que investiu em Astrofísica e Cosmologia, com experimentos de grande porte. Não podia deixar passar essa oportunidade, que foi ideal para mim e me permitiu trazer essa linha de pesquisa para cá. No Brasil também há espaços importantes e produtivos de Astrofísica, com os quais colaboro. Nos últimos anos houve perdas, mas acredito que será transitório. Um dos problemas é que o progresso na área científica é lento. Se o suporte das agências financiadoras diminui, o impacto nos projetos se prolonga por anos. Não é como o ato de ligar e desligar, com a produtividade seguindo instantaneamente.

Sucena Shkrada Resk Divulgação
Sucena Shkrada Resk Divulgação