O Brasil tem boas iniciativas, em diferentes áreas, para mostrar ao mundo e assumir o protagonismo no debate global nas questões ambientais. No entanto, para conquistar mais espaço, precisa superar desafios internos e ultrapassar barreiras históricas que desvalorizam as ações tomadas nos países do chamado Sul Global. A avaliação é de Andreza Aruska, diretora do King’s Brazil Institute, centro brasilianista de uma das mais renomadas universidades de Londres, a King’s College.
Há um ano no cargo, ela trabalha para ampliar estratégias a fim de que o Brasil aumente a presença global e melhore o diálogo com o exterior. Nesta entrevista à Problemas Brasileiros, ela conta um pouco da trajetória acadêmica e fala sobre a sua atuação para a maior inserção brasileira no contexto internacional em várias frentes.
Não é. E havia pouquíssimos brasileiros quando fui para a África do Sul e a Índia. Depois de estudar Ciência Política na UnB [Universidade de Brasília], soube de um programa de mestrado que era na Alemanha, na África do Sul e na Índia e fiquei extremamente interessada. Por que temos uma dificuldade tão grande de ir a outros países, com uma realidade mais parecida que a nossa, para estudar? Na Índia, há semelhança com relação à pobreza e à desigualdade social — tanto que, hoje, quando tratamos de problemas de retrocessos da democracia e do populismo, a comparamos muito ambos os países. E ao analisarmos questões de segurança pública, vale muito a pena olhar para África do Sul.
Acho que aí entra um certo colonialismo na academia. A teoria e a publicação do Norte Global — Estados Unidos e Europa — têm um peso maior. As pessoas leem mais o que foi publicado naqueles países e tentam aprender mais não só sobre esse país, mas via esses países. Então, tentam aprender sobre a Índia ou a África do Sul em publicações norte-americanas e europeias. Mas vejo que isso está mudando.
Sim. Hoje, estou num centro que estuda o Brasil na Europa, mas colaboramos muito com o País, mandamos alunos para o Brasil, temos uma diretora brasileira. Estamos rompendo a questão de estudar o Brasil apenas via Europa. Temos um programa de doutorado pleno em que a pessoa recebe o título pelo King’s College e pela USP [Universidade de São Paulo], as duas instituições são paritárias. Nossa escola de Global Affairs rompe o modelo instalado por muitos anos.
No Reino Unido, a América Latina, em geral, não é prioritária. Isso pode ser um choque para os brasileiros, porque temos uma sensação de alta importância. Outros países, eu diria mesmo que outras regiões, ganham mais espaço, como a Ásia. Desde a Revolução Cubana, num país tão próximo dos Estados Unidos, no momento da Guerra Fria, olha-se pouco para a América Latina. Acho que o que chama atenção realmente é a Amazônia; essa é a grande entrada do Brasil para os olhos do mundo — positiva e negativamente. A pauta ambiental tem uma grande relevância.
Já é capaz. O Brasil tem lançado chamados para parceiros em pesquisas, mas para liderar a conversa sobre biodiversidade e sobre a Amazônia. Na agenda climática, o País precisa ser uma voz, tem que estar na sala e falar de si. Claro que existem questões controversas, como a exploração de petróleo na região da foz do Rio Amazonas. Temos a percepção da relevância da agenda climática e, ao mesmo tempo, somos um país extrativista, que se desenvolve a partir da exportação de commodities. Chega uma hora em que precisamos decidir como promoveremos o crescimento. O Brasil precisa estar pronto para esse debate, pois, ao assumir liderança, as pessoas vão olhar e cobrar.
Sem dúvida, até porque Lula deu uma agenda internacional para o Brasil. “Brazil is back” também foi dito pelo embaixador do Brasil no discurso do dia 7 de setembro. O Brasil já liderou o G20; agora, vai sediar a COP30, no Pará. A Nação ganhou importância política em alguns tópicos da agenda global, mas é diferente da impressão que as pessoas têm no dia a dia. O que sai na mídia são sempre os problemas, as questões negativas. As conversas que começaram no Brasil sobre taxar os super-ricos não chegam aqui. Será que o Reino Unido também não deveria fazer isso? Será que o NHS [sistema público de saúde britânico] não tem nada para aprender ou trocar com o SUS [Sistema Único de Saúde]?
O Brasil tem o capital para ser um país pacífico. Esse aspecto positivo pode ser usado pela diplomacia brasileira a seu favor. Mas, embora não tenhamos conflitos externos, há os domésticos. Sobre a agenda da migração, acredito que o País possa participar como um exemplo positivo, uma vez que recebeu muitos haitianos depois do terremoto de 2010. Há um debate sobre como foi a inserção dos haitianos no Brasil — o mesmo se dá com os venezuelanos —, mas o aspecto político pode ser exportado como positivo, pois o País não é abertamente preconceituoso, não expulsa pessoas que estão chegando. Vemos, por exemplo, em Portugal, o partido Chega [com bandeiras anti-imigração] ganhando força. No Reino Unido, o discurso anti-imigração do governo tem cada vez mais adesão [o país aprovou uma lei para enviar requerentes de asilo a Ruanda].
Para a imigração, para quem quer trabalhar ou estudar numa universidade, desde o Brexit, quando o Reino Unido deixou a União Europeia, não há mais tanta dificuldade pelo fato de ser brasileiro, a papelada é a mesma que a de um francês. Na agenda de negócios, o Brasil não tem grandes empresas aqui, e acho que há muito espaço para crescer. Para isso, é preciso que o mundo olhe para o Sul Global não só quando há corrupção, crime ou desastre natural, mas procure inovações tecnológicas e culturais que está fazendo. O Brasil poderia mostrar inovações em soluções para a educação: hoje, o País tem creches públicas, o que o Reino Unido não tem. Fazer outras discussões e pensar em outras agendas ajudaria nos negócios.
Acredito que o que fazemos no Brazil Institute seja um passo. Ter um centro sobre o País que proponha pautas, discuta projetos e coloque o Brasil como tema de eventos que vão além da academia pode promover avanços. Nos nossos eventos, participam pessoas de diversos backgrounds e áreas. Já são 15 anos de trabalho.
Fazer com que o Brasil ocupe um espaço maior no debate internacional, mostrar no contexto britânico que podemos ser admirados como um país inovador. Também gostaria de aumentar o diálogo com os países próximos em termos de desafios, como Índia e África do Sul.