entrevista

Novas “máquinas de ensinar”

22 de abril de 2024

Professores são insubstituíveis e o contato humano continua essencial, garante John Domingue, professor de computação na Open University, a maior universidade da Inglaterra. Contudo, com uma visão prática e otimista, Domingue defende que sistemas de Inteligência Artificial (IA) podem ajudar a democratizar a educação, melhorando a experiência do estudante e reduzindo custos. A aposta na democratização recai sobre os assistentes de IA, que tiram dúvidas, montam planos de estudos e indicam atividades. É no desenvolvimento de um deles que a equipe de Domingue trabalha atualmente.

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Como se envolveu com a IA? E quais resultados tem alcançado até agora?

Fiz faculdade de Ciência da Computação; depois, um doutorado em IA, lá nos anos 1980. Meu projeto era construir um tutor artificial para ensinar a programar. Na sequência, fui trabalhar com Redes Semânticas, área que possibilitou o surgimento de coisas como as pesquisas no Google. Em 1995, entrei para o Instituto de Conhecimento e Mídia da Open University para desenvolver tecnologias de apoio ao aprendizado. Recentemente, criamos um assistente que ajuda professores a redigir novos conteúdos e estamos desenvolvendo um tutor de IA para os estudantes. Há outras ferramentas já consolidadas, como uma que, desde 2012, ajuda a prever quando um aluno vai ser reprovado. Os tutores (humanos) usam essa informação para tentar evitar as repetências e evasões. 

Por que o lançamento do ChatGPT criou um alvoroço tão grande no mundo? 

Muita pesquisa vinha sendo feita, mas sempre por trás das cortinas. E quando o ChatGPT chegou, todo mundo já tinha um smartphone em mãos, tinha acesso. A ferramenta é um sistema complexo com uma interface muito simples. Praticamente todo mundo sabe escrever e entender uma resposta na língua materna. Outro ponto incrível é que ele é amplo. Na Netflix, você assiste a filmes. No Spotify, ouve músicas. No Facebook, interage. Mas com o ChatGPT pode escrever músicas, programas de TV, planejar estudos. Como os inputs e outputs são em linguagem natural, parece que estamos conversando com um agente inteligente. Na realidade, estamos programando um sistema muito complexo de uma forma muito simples. A noção de prompts fica escondida, o que é maravilhoso.

Num mundo de respostas rápidas, os jovens parecem perder o interesse pelo estudo formal. As instituições de ensino deveriam se adaptar? 

Sim. Se for ao médico ou ao mecânico e ele disser que vai tratar você exatamente como se fazia há 500 anos, você fugiria dali, certo?! Mas nós tratamos as pessoas da mesma maneira nas instituições de ensino há 500 anos. Se esse sistema funciona bem para fazer pesquisa, ótimo. Mas para o ensino-aprendizado, não funciona. Ninguém senta no escritório ou na fábrica de uma forma tão passiva, e não é dessa forma que alguém vai aprender o que precisa. Além disso, o aprendizado, a partir de agora, vai se dar ao longo da vida toda. O ensino precisa ser repensado para integrar aprendizado e trabalho. É sobre isso que devemos nos debruçar neste momento. Mas há outras questões que afastam os jovens, como os altos custos da educação. 

Pesquisas indicam que estudantes, mesmo de Ensino a Distância (EaD), querem ter um professor humano. No entanto, já há faculdades com altíssimas taxas de alunos por professor. Teremos, no futuro, uma nova forma de desigualdade entre alunos com e sem professores humanos?

No mundo ideal, cada pessoa deveria ter um tutor humano. Mas, ao mesmo tempo, precisamos quebrar a conexão insidiosa entre exclusividade e qualidade. Na Open, nós nos esforçamos para oferecer uma educação da mais alta qualidade, da forma mais barata possível, para o maior número de pessoas possível. Meu objetivo é tornar a IA a segunda melhor possibilidade depois de um tutor pessoal humano. Essa é uma discussão financeira e política. Podemos, sim, ter mais uma forma de divisão, mas enfatizo que a IA não aparece em um ambiente neutro. Essas diferenças já existiam, não foram as IAs que criaram um novo problema. No trabalho que faço, o objetivo é usar a IA para aliviar o fosso das desigualdades, dar a cada estudante uma experiência educacional de qualidade, de maneira que seja sustentável financeiramente.

Há estudantes com dificuldades em interagir com outros alunos e se alega que eles podem treinar com IAs. O senhor não teme que o ser humano se torne dependente da tecnologia para coisas simples, como iniciar uma conversa?

Tendemos a chamar de tecnologia apenas coisas inventadas depois que nascemos. Discutimos, agora, as IAs, mas nós dois estamos usando óculos, estamos falando por meio da internet, meu sapato está amarrado com cadarços. Já somos dependentes das tecnologias. Imagina viver sem eletricidade? A chave é entender quais são os verdadeiros desejos e objetivos humanos e direcionar a tecnologia para o sentido certo. Para mim, o sentido é melhorar a conexão humana. Na Open, temos estudantes que passaram muito tempo sem estudar e não vão para os grupos de tutoria online, não aparecem em encontros presenciais, porque ficam nervosos. Se dermos espaço para que aprendam a interagir recebendo um feedback imediato de forma segura, pode ser benéfico. O contato humano não será substituído, mas melhorado. 

O aprendizado de outros idiomas além da língua materna vai se tornar supérfluo? 

De fato, tenho visto demonstrações de ferramentas de tradução automática de vídeos que são impressionantes. O entendimento automático de linguagem, de forma geral, está ficando cada vez melhor. Não sei se o aprendizado de uma segunda ou terceira língua vai desaparecer, mas os sistemas de tradução vão facilitar muitas coisas, porque grande parte do que está na internet está em inglês. A internet vai ficar mais acessível, mais pessoas vão poder entender o que está se passando no mundo. Nossa prioridade deve ser disponibilizar recursos educacionais de alta qualidade em muitas línguas. 

O avatar do assistente de estudos da Open University tem o seu rosto, a sua voz. Por quê? Não lhe causa incômodo?

A razão foi de ordem prática: eu dei permissão e não teria problemas de uso de imagem com outras pessoas. Usar minha própria imagem também é conveniente quando faço apresentações: a audiência vê quão boa é a tecnologia, porque tem o exemplar original para comparar. Contudo, para a versão que vai entrar em produção, não será a minha imagem. Estamos pensando sobre como engajar mais os estudantes e, talvez, usar pessoas famosas, com a devida autorização. Talvez, se alguém quiser convencer adolescentes a estudar, seria apropriado usar uma estrela pop, um esportista. Mas, pessoalmente, não me incomoda. Quando vejo minha imagem falando alemão ou mandariam, acho extraordinário.

ESTA ENTREVISTA FAZ PARTE DA EDIÇÃO #480 IMPRESSA DA REVISTA PB. PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE A VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH E REVISTARIAS.

Luciana Alvarez
Luciana Alvarez