entrevista

O que sabemos da História

15 de março de 2022
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Professora de Antropologia na Universidade de São paulo (USP), a historiadora Lilia Schwarcz afirma que o passado não determina o presente, pois este pode ser reescrito pelas novas gerações. Ao refletir sobre desigualdade, lembra que o Brasil foi criado sob os signos “em que poucos mandam e muitos obedecem”. Ela analisa ainda a crise democrática que vivemos.

ESTE CONTEÚDO ESTÁ PUBLICADO NA ÍNTEGRA NA EDIÇÃO #468 IMPRESSA DA REVISTA PB. A VERSÃO DIGITAL ENCONTRA-SE DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH e REVISTARIAS.

Qual é a relação entre História e memória?

Há quem diga que História e memória sejam sinônimos. Não são. A História e a memória, muitas vezes, vivem às turras. É muito difícil saber onde termina a fronteira de uma e começa a outra. Entretanto, é possível especular sobre as particularidades delas. A História vai se formando, mas nada impede que novas gerações a interpretem de outra maneira. É possível mudar a História pela descoberta de novas fontes. É possível, também, descobrir uma nova História, fazendo novas perguntas. Eu, por exemplo, estudei Lima Barreto, que teve um biógrafo sensacional chamado Francisco de Assis Barbosa. No entanto, Barbosa não entrou na questão racial. Quando escrevi sobre Lima Barreto, analisei a partir de uma série de marcadores sociais da diferença, como a raça. Logo, a História é inconclusa, porque cada geração coloca as questões do seu tempo – e, ao fazer isso, ela recupera a própria História. A memória é ainda mais subjetiva que a História, porque parte de uma experiência pessoal, em geral vinculada ao presente, para ler o passado. Nós temos vários livros de memória e sabemos qual é a grandiosidade e qual a falácia deles.

O que é possível aprender sobre o Brasil de hoje olhando para o País do passado?

A História se repete. É muito difícil acharmos que um país que teve uma experiência pautada na mão de obra escravizada e que transformou a escravidão numa espécie de linguagem interna, não fosse um país violento e da discriminação. Todavia, não basta só dizer “o racismo é fruto do legado”, pois, na contemporaneidade, nós temos reescrito essa História. É praticado um racismo que estrutural, institucional e muito perverso, porque ele pretende naturalizar as diferenças.

“Não basta só dizer ‘o racismo é fruto do legado’, pois, na contemporaneidade, nós temos reescrito essa História. É praticado um racismo que é estrutural porque ele pretende naturalizar as diferenças.”

Há, no País, um mito de que não há racismo por aqui. Por que temos este preconceito de reconhecer que somos uma sociedade preconceituosa?
Desde que a humanidade existe, ela estranha o outro. Os gregos chamaram de bárbaros todos que não eram eles mesmos. O Brasil colonial chamou de herege toda a humanidade não católica. Desde que o homem é homem, ele encontra o seu diferente e reage a ele. Há duas atitudes em relação ao diferente. Uma é dizer “eu não gosto”, “não concordo” e, pior, “acho que é menos que eu”. A outra atitude é aquela que Rousseau chamou de alteridade, ou seja, a descoberta do outro é tão fundamental, que transforma a concepção do eu. Estas duas concepções sempre existiram. No Brasil houve, desde o início, escravização de indígenas e depois, ao mesmo tempo, de indígenas e africanos. Isso foi um projeto do Estado moderno de subordinação de algumas populações e, mais, para conseguir lucro por cima dessas populações. Outra situação é a criação do racismo científico. O que é o racismo científico? É a construção de um aparato acadêmico até para legitimar o que era ilegitimável, a posse de uma pessoa sobre outra. Diferente também são as teorias de branqueamento, que tomam força no início do século 20 no Brasil. Teorias que supunham que, em três gerações, o Brasil seria branco. Os brasileiros achavam que seriam gregos no futuro.

Outro aspecto estrutural da sociedade brasileira é a desigualdade. Essa desigualdade é um dado histórico?

O Brasil foi criado sob os signos em que poucos mandam e muitos obedecem. Também foi criado sob o signo da violência, a ideia de que uma pessoa pode comprar, alugar, fazer seguro e penhora de outra pessoa. Isto é, basicamente pode desumanizá-la. A desumanização é o auge da desigualdade, e a escravidão, um sistema que supõe exatamente isso. O Brasil não é um país pobre, é um país de pobres. E nós sabemos que, depois da pandemia, vamos sair ainda mais pobres e desiguais.

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Edição: Redação PB I Entrevista: Renato Galeno Renato Parada
Edição: Redação PB I Entrevista: Renato Galeno Renato Parada
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