entrevista

Política se constrói com a ciência

10 de março de 2022
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“Os ignorantes estão cheios de certezas.” O português Alexandre Quintanilha recorre a um antigo pensamento de Bertrand Russell para resumir os tempos de pandemia, em que a polarização é tão grande que dividiu o mundo entre negacionistas e aqueles que acreditam na ciência e nas vacinas. Cientista, professor e deputado do Parlamento de Portugal, Quintanilha acredita no conhecimento como algo libertador e na união dos países contra os efeitos das mudanças climáticas.Ele também defende a educação: “A função principal da educação é transformar espelhos em janelas. Os espelhos são narcisistas.”

ESTE CONTEÚDO ESTÁ PUBLICADO NA ÍNTEGRA NA EDIÇÃO #468 IMPRESSA DA REVISTA PB. A VERSÃO DIGITAL ENCONTRA-SE DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH e REVISTARIAS.

Qual a importância de se investir em ciência?

Eu gosto muito de uma frase que diz que os ignorantes e os fanáticos estão cheios de certezas, e as pessoas que têm o conhecimento estão cheias de dúvidas. Acho que a frase é de uma atualidade gritante. Nós tivemos a sorte de termos em Portugal um ministro da Ciência durante muitos anos que apostou no conhecimento, em todas as áreas. Ele até foi criticado várias vezes porque julgavam que dava uma ênfase demasiada às ciências sociais ou às humanidades. Todos achavam que os avanços do país deveriam estar mais concentrados na inovação tecnológica, e não na inovação social ou cultural. E para quem acha que o conhecimento é caro, pensem que a ignorância é muito mais cara para a humanidade. A ignorância custa muito mais às pessoas, aos Estados e aos países do que o conhecimento.

Em meio a tantos avanços científicos, como o desenvolvimento de vacinas eficazes em poucos meses, há também o crescimento de movimentos obscurantistas. Por que a volta, em pleno século 21, a esse obscurantismo?

Eu não fico espantado que isso aconteça, pois não é novidade. Já aconteceu algo semelhante, muitas vezes, no passado. Houve períodos na história em que até fazer perguntas era considerado perigoso. À medida que o conhecimento foi avançando, as pessoas também começaram a perceber que conhecimento é poder. E o poder pode ser perigoso, podendo ser usado tanto para fazer o bem como para fazer o mal. O conhecimento serve para diminuirmos a incerteza. Em relação à pandemia atual de covid-19, em primeiro lugar, não temos a certeza da origem deste vírus (coronavírus). Outra coisa: ninguém sabe com uma certeza de 100% onde a vacina começou, também ainda não sabemos por quanto tempo ela vai nos proteger. Há muitas coisas que ainda não sabemos sobre a questão da vacina. É sempre bom lembrar que existe um vírus que se chama HIV, presente há mais de 40 anos entre nós, e que ainda não tem uma vacina específica para ele, apesar de já ter matado dezenas de milhões de pessoas em todo o planeta. Também não existe vacina para a malária. Portanto, o fato de termos conseguido, em menos de um ano, várias vacinas contra a covid-19 é um feito extraordinário.

“As megacidades são ideais para a propagação de pandemias. Sendo que muitas delas acontecem e nem nos damos conta, pois não causam maiores danos. A pandemia de covid-19 nos alerta para a nossa fragilidade.”

Isso coloca a ciência em uma posição frágil diante da especulação?

Sim. E por isso é ainda mais importante esclarecermos essa fragilidade. E isso não é só o problema dos meios de comunicação ou das redes sociais. Se uma pessoa pergunta a um cientista: por que isso acontece? A resposta do cientista é: não tenho certeza, talvez por isso ou aquilo. É necessário tempo para explicar a ciência, enquanto alguém dizer que os chineses criaram um vírus de propósito, por exemplo, é uma resposta de três segundos e muito mais assertiva. Outro problema é que os avanços do conhecimento exigem cada vez mais financiamentos, que são muito caros. Conseguir trabalhar em determinados setores da física, das partículas ou trabalhar na biologia molecular é caro. O mesmo ocorre em áreas das ciências sociais, que precisam de entrevistas com muita gente. Tudo isso custa dinheiro.

Em que medida a mentira é uma ameaça à democracia?

A mentira retira das pessoas a capacidade de construir uma vida própria, responsável e sólida. A mentira tem efeitos perversos, porque a maior parte das pessoas não desenvolveu a capacidade de questionar aquilo que escutam. Elas não verificam o que está sendo feito e não desenvolveram a capacidade de ter confiança em certas instituições e pessoas que merecem essa confiança. A confiança leva muito tempo para ser construída, mas pode ser destruída em dois segundos. Nós temos de fazer um esforço para verificar se a informação que nos é dada está correta. Apenas engolirmos aquilo que nos dizem é muito perigoso, mesmo que seja verdade ou que esteja próximo da verdade. Também é complicado o fato de os meios de comunicação serem controlados por poucos grupos. Isso dificulta para a pessoa verificar a informação que recebeu em outras fontes ou meios de comunicação. Cada vez mais eu aprecio termos tempo e capacidade para digerirmos as informações que recebemos, pois, hoje em dia, recebemos tantas informações que precisamos de tempo para transformá-las em conhecimento. Isso para não falar em sabedoria, que é algo muito mais complicado.

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Edição: Redação PB I Entrevista: Renato Galeno Divulgação
Edição: Redação PB I Entrevista: Renato Galeno Divulgação
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