Passados cinco anos da aprovação da Reforma Trabalhista, empregadores e empregados passaram a contar com mais segurança jurídica e flexibilidade nas regras de contratação. Segundo Eduardo Pastore, assessor jurídico, e Fábio Pina, assessor econômico, ambos da FecomercioSP, as mudanças tornaram as contratações mais fáceis e seguras. Exemplos passam pelo caso das horas extras, da terceirização e do modelo home office, incorporado à rotina dos trabalhadores. PB destaca os principais pontos da conversa.
Eduardo Pastore – Nas relações de trabalho, elas são, muitas vezes, desvirtuadas. Porque quando a hora extraordinária se torna frequente, deixa de ser extraordinária. Então, isso traz muita insegurança jurídica às relações laborais. A reforma não ataca especificamente esre ponto pela via direta, mas ajuda pela via indireta, por meio de normas mais claras, principalmente em relação ao trabalho intermitente. O pior é quando as horas extras se tornam habituais na Justiça do Trabalho (JT). Aí a JT diz para incorporá-las no salário. E não pode tirá-las, tem que indenizar. Enfim, existem várias consequências jurídicas. Sinto que a reforma conseguiu acertar o alvo ao estabelecer o mecanismo, por exemplo, que permite pagar somente por aquela hora trabalhada.
Pastore – A reforma reforça aquilo que já está na Constituição e na própria CLT – e traz o encaixe também, dizendo o seguinte: “Você, que é empregador, se quiser contratar nestas modalidades novas, inclusive, que a própria Reforma Trabalhista trouxe, tem que observar os intervalos de descanso etc.”. Isto é, não revogou nenhuma lei específica.
Fábio Pina – De várias maneiras. Na realidade, devemos lembrar que o Brasil tem cerca de 110 milhões de pessoas trabalhando, das quais menos de 50% são CLT. Então, isso já dá uma dica de que a CLT não estava sendo suficiente. Uma relação de trabalho muito importante para a economia é a terceirização, que tem origem lá atrás, no começo do que chamamos de economia, quando Adam Smith (e Davi Ricardo também) falava em especialização: poder contratar empresas especializadas em certas atividades de fim, e de meio, para que a minha desempenhe o melhor papel possível. Com isso, aumenta-se substancialmente a capacidade de fornecer um serviço de qualidade, a produtividade, a um custo adequado para a nossa economia. Isso é o melhor da terceirização, com um detalhe: eventualmente, se já desempenho uma atividade regular, e minha empresa começa a se orientar para uma outra vertente em que eu ainda não tenha expertise, terei que contar com uma série de consultores trabalhando como terceirizados, empresas que vão intermediar os serviços, porque é um novo ambiente. Isso facilita a decisão de avançar em novas fronteiras.
Pastore – Antes da reforma, a empresa terceirizava a atividade-fim, aí o juiz falava: “Você terceirizou a atividade-fim, e aqui tem uma súmula do Tribunal do Trabalho dizendo que não pode”. Daí, na audiência trabalhista, tentava-se identificar o que representava a atividade-fim de uma empresa, e o juiz precisava ser especializado para poder determinar isso. Não é a essência da formação do juiz do Trabalho. Ele tinha de entrar em questões econômicas para poder identificar o que que a empresa fazia, causando uma tremenda insegurança jurídica, que foi resolvida pela Reforma Trabalhista. A partir disso, terceirizar atividade-fim não é mais uma discussão do que se terceiriza, mas como vai se terceirizar. A reforma define que se terceirize respeitando todos os direitos laborais, inclusive podendo até usufruir de alguns benefícios da própria convenção coletiva dos trabalhadores da empresa contratante.
Pastore – Na prática, a nova lei diz que se o trabalhador quiser fazer um acerto com o empregador, em vez de entrar com uma ação trabalhista, é possível combinar. Cada parte contrata um advogado, eles se conversam, acerta-se o valor e o submete à Justiça do Trabalho. A Justiça vai olhar tudo e, estando tudo certo, vai homologar. Este foi um grande avanço, porque um acordo extrajudicial é muito mais barato do que uma ação trabalhista, e é muito melhor para o empregado, pois, não fosse o acordo, ele teria qual opção? Uma ação demora, em média, cinco anos para ser resolvida.
Pina – Isso demonstra uma maturidade na relação entre capital e trabalho, porque passa pela Justiça, mas de forma terminativa, já com os dois lados em acordo, e o juiz terá condições de preservar os direitos de todos. Retira não só risco do empresário, mas também a temeridade do trabalhador.
Pastore – A Reforma Trabalhista trouxe regras claras sobre o que pode prevalecer, portanto, garante muita segurança jurídica e tranquilidade, tanto para empregado como para empregador. Isso permite uma flexibilidade responsável, sem violar qualquer direito do empregado e sem, principalmente, fazer com que ele se sinta lesado numa possibilidade de negociação equivocada. Quem não quer negociar, avisará o sindicato que não quer e pronto, prevalecerá o que está na CLT; e para quem quiser, o artigo 611 apresenta os direitos que podem ser negociados, e o 611b, os que não podem ser negociados. Segurança jurídica total e absoluta.
Pina – Algumas coisas, como saúde e segurança, são inegociáveis. A lei não retirou os direitos inegociáveis, estes continuam valendo. O que está para ser negociado é algo que o próprio empregado queira – uma redução de jornada, por exemplo, para poder sair mais cedo. O conceito de negociação é ser bom para ambas as partes.
Pastore – O teletrabalho foi regulamentado em 2017, na reforma. Pouco depois, veio a pandemia, então, foi graças à regulamentação que conseguimos passar por este momento, que foi extremamente difícil.
Pina – Foi um excelente teste da Reforma Trabalhista, porque o arcabouço legal estava lá para fazermos o que era preciso. Do contrário, teríamos de consultar muitas outras instâncias e instituições para encontrar alguma solução, e talvez demorasse muito mais. O trabalho remoto também faz parte disso, pois permite uma flexibilização maior na vida das pessoas. Não há razão de se estar obrigatoriamente em um escritório, uma vez que é possível fazer exatamente o mesmo trabalho a partir de qualquer lugar. A entrega é que tem de ser avaliada. Esta possibilidade não existia há alguns anos, mas, hoje, graças à tecnologia, existe um arcabouço legal para que as empresas possam, com tranquilidade, permitir isso.
Pastore – Sim, este é o meu mantra há alguns anos, pois 80% dos problemas jurídicos trabalhistas são oriundos da gestão, mais especificamente de pessoas. O DNA destes problemas está muito relacionado à forma como o empresariado atua. Se você é empresário e quer ter segurança jurídica trabalhista, deve prestar atenção nisso. A dica é olhar para a gestão, para aquilo que você está fazendo ou deixando de fazer com os trabalhadores. Olhar para aquilo que deveria falar para o seu trabalhador e não fala, como um estímulo, um reconhecimento, um acolhimento; e para o que não deve falar, e acaba falando, como uma diretriz equivocada. Neste caso, o empregado vai introjetando, mantendo-se quieto e, com o tempo, ficando chateado; ao sair da empresa, falará tudo na frente do juiz do Trabalho. Então, veja como esse mantra funciona. Quem quiser evitar problemas trabalhistas, não deve pensar somente em contratar, mas olhar para a gestão.