Volta e meia, o tamanho do Estado brasileiro pauta o debate público, seja na imprensa, seja na esfera política — tanto no Executivo quanto no Legislativo. E é difícil falar em agilidade da máquina pública sem passar pela aguardada Reforma Administrativa. Ao lado de reformas estruturantes, como a Trabalhista, a Previdenciária e a Tributária, ela é a peça que falta quando se pensa numa real modernização estatal no País. Com Armínio Fraga e Carlos Ari Sundfeld, Ana Carla Abrão é autora de um dos projetos de Reforma Administrativa. A economista — que já foi secretária de Fazenda de Goiás, é vice-presidente de novos negócios da B3, a Bolsa de Valores brasileira, e chegou a ser cogitada como ministra do Planejamento — defende que essa reforma deve ser encarada como uma agenda, e não uma “virada de chave do dia para a noite”.
Qual é o papel da Reforma Administrativa para a modernização do Estado?
A reforma é fundamental, pois faz parte de um processo de modernização do Estado brasileiro, de melhoria da qualidade dos serviços públicos e, no limite, de combate à desigualdade social. Esse é o ponto relevante quando falamos de Reforma Administrativa. Afinal de contas, é a base da pirâmide, a população de baixa renda, que mais precisa de serviços públicos de qualidade. Quando falamos dessa reforma, estamos falando de um cidadão mais bem servido — em particular, do cidadão de baixa renda —, que tenha mais oportunidade por meio do acesso a um serviço público de melhor. É isso que precisamos e defendemos.
Uma questão que sempre aparece é a preocupação com a demonização do servidor público. Como debater esse ponto de forma correta?
É por isso que, ao se falar de Reforma Administrativa, é preciso focar no que ela é e deixar o que ela não é. O que não é: justamente a demonização do servidor público. Afinal de contas, a modernização da máquina é algo que o próprio servidor também quer e busca. Ele busca melhores condições de trabalho, instrumentos para desempenhar o seu papel, que é servir a população. O debate ficou contaminado, inclusive, por dados corretos, mas que podem levar para o lado errado. Um exemplo é a média do salário do servidor público frente à média do salário no setor privado. A verdade é que há desigualdades salarial e de renda no Brasil — e no serviço público, isso também acontece. Há uma massa enorme de servidores, principalmente aqueles que estão servindo a população na ponta. Não tem os privilégios que o topo da pirâmide salarial no serviço público tem. Isso também é parte de uma Reforma Administrativa: reduzir essa desigualdade, tornar mais justo o modelo de remuneração e de reconhecimento para que o servidor da ponta — que, hoje, não é bem remunerado — possa ganhar mais e ter melhor condição de trabalho. São privilégios no topo da pirâmide salarial que precisam ser atacados. É por isso que não se trata de demonizar o servidor público; trata-se de dar condições melhores para ele trabalhar, remunerá-lo melhor e eliminar privilégios que uma pequena casta tem e são injustificados quando se olha o resto da população brasileira.
Um ponto bastante sensível, que encontra muita resistência no Congresso Nacional, é a estabilidade. Onde esta faz sentido nas carreiras de Estado?
Trata-se de outro mito importante, porque a estabilidade do serviço público existe no mundo todo. O Brasil não é diferente nisso. O serviço público, a burocracia estatal, se beneficia da estabilidade para evitar, claro, a perseguição política e o apadrinhamento. Então, tem o seu valor, pois garante também estabilidade na máquina, ou seja, diante da alternância política, garante que exista uma burocracia estatal estável, em que as políticas não serão descontinuadas do dia para a noite. Isso é importante. Outro mito é o de que o servidor público não pode ser demitido. Temos um arcabouço constitucional que permite a demissão, via processo administrativo, se o servidor não desempenhar bem as funções ou tiver desvio. O que acontece é que o processo administrativo foi capturado e se tornou difícil chegar a bom termo, mesmo em situações de infrações graves. Então, precisamos melhorar esse arcabouço, regulamentá-lo, para permitir que a avaliação de desempenho seja feita, que o desempenho seja medido e que seja, sim, um motivo de demissão. A mesma coisa para infrações graves: não faz sentido um servidor pego num ato de corrupção ficar durante 20 ou 30 anos recebendo salário.
Você é coautora de um dos projetos de Reforma Administrativa que já esteve em discussão no Congresso Nacional. Outro projeto foi apresentado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. O governo Lula, hoje, também formula um novo projeto. Qual é a sua avaliação desses projetos?
Vamos começar pela proposta que o governo Bolsonaro apresentou, a PEC 32. Talvez já haja um consenso de que ela não é o caminho, porque parte da discussão de estabilidade. Então, faz justamente esse debate que costumo dizer que se começa pelo fim. É uma mudança constitucional, sempre muito mais difícil de avançar no Congresso. E há algumas distorções ali. Diria que a principal é o fato de que, embora seja uma mudança constitucional, que, inclusive, permitiria mexer em outros poderes ou discutir outros poderes — em particular o Judiciário, em que boa parte desses privilégios estão assentados —, a proposta não faz isso. Na verdade, tira militares, Judiciário e Legislativo, além de se concentrar em criar uma nova estrutura de cargos e salários que conflita com a atual e pode gerar debates jurídicos muito complexos.
A ENTREVISTA COM ANA CARLA ABRÃO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #481 IMPRESSA DA REVISTA PB. PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE A VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH E REVISTARIAS.
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