entrevista

Retrocesso na globalização

29 de junho de 2022
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O enfraquecimento do multilateralismo é preocupante para o mundo em razão do surgimento de interesses geopolíticos localizados e territoriais. “O que é uma relação bilateral? É a lei do mais forte”, opina o engenheiro agrônomo e professor Marcos Jank, ao analisar os impactos da guerra russo-ucraniana. Ele vê com ressalvas a aliança entre Rússia e China, já queo gigante asiático é o maior cliente do Brasil no agronegócio. “A Rússia é o nosso competidor potencial, pois dispõe de quantidade absurda de terras e está ampliando as áreas produtivas.”

Jank avalia também a insegurança alimentar global e a inflação, ambas desencadeadas pelo conflito. Leia os principais trechos da entrevista concedida ao Canal UM BRASIL e publicada pela PB, realizações da FecomercioSP.

Quais são os impactos da guerra entre Ucrânia e Rússia no agronegócio brasileiro?

A volta da geopolítica – combinada à pandemia e aos problemas de oferta e demanda pelo mundo afora – fez com que os mercados agrícolas já estivessem muito estressados, com preços e custos altos. O problema dos fertilizantes já estava colocado antes mesmo da guerra, porque a Rússia decidiu não exportar para privilegiar a produção doméstica, e vários países fizeram isso. Então, já vínhamos de uma situação complicada. De repente, aparece essa guerra, que envolve dois países grandes supridores de energia, fertilizantes e produtos agropecuários. A Rússia tem o seu papel em petróleo e gás natural para a Europa e para a China. A Rússia é o maior exportador mundial de fertilizantes, ao lado da Bielorússia – e as duas, juntas, ficam ainda maiores. Rússia e Ucrânia, juntas, representam quase 30% da exportação mundial de trigo e quase 20% da exportação mundial de milho. Isso é muito assustador. O último estresse ocorreu em 2008, quando enfrentamos problemas de safras, os preços dos grãos subiram e houve uma crise muito forte no Oriente Médio e no Norte da África, que resultou na Primavera Árabe. Agora, estamos vendo o mesmo cenário, porque, basicamente,75% dos grãos importados pelo Oriente Médio e pelo Norte da África são oriundos de Rússia e Ucrânia. Fora isso, no Brasil, por exemplo,atualmente,85% do seu consumo são de matérias-primas importadas, nitrogênio, fósforo e potássio, e a Rússia é o nosso principal fornecedor. Atualmente, importamos, da Rússia e da Bielorússia, 25% das nossas necessidades de fertilizantes. A safra começa com as águas de setembro, e não há garantia que teremos volume suficiente.

“O que vejo de mais preocupante, hoje, é este mundo que reaparece com interesses geopolíticos localizados, territoriais.”

Em que contexto está o agronegócio brasileiro, hoje, diante deste cenário?

Dois grandes problemas resultam do conflito. O primeiro é o de inflação e insegurança alimentar. Se analisarmos os dois últimos anos, tivemos um IPCA [Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo],o principal índice de inflação, de 15%,e o grupo de alimentação, dentro do IPCA, chegou a 24% de aumento. A insegurança alimentar é uma realidade no Brasil e será também, graças à guerra, em várias regiões do mundo, com destaque para o Oriente Médio.

O outro impacto complicado está nos custos de produção, porque a falta de fertilizantes se soma à alta dos preços de petróleo, gasolina e diesel, o que já está claramente aparecendo no País, ao lado de problemas de aprovisionamento de máquinas, equipamentos, tratores e colheitadeiras, adversidades que também resultaram da pandemia. Estamos assistindo a um aumento acentuado de custos de produção na agricultura.

O lado positivo é que o Brasil é um grande supridor de soja e milho. Por exemplo, estamos entre os quatro maiores exportadores do cereal no mundo – o primeiro são os Estados Unidos; o segundo é o Brasil; o terceiro, Argentina; e o quarto, a Ucrânia. O fato de este último estar impossibilitado de vender vai permitir que exportemos mais milho. Também há oportunidades que surgem no óleo de soja e nas carnes. Outro lado positivo é que, de certa maneira, nestes últimos anos todos, houve uma demanda muito firme da Ásia para os nossos produtos. A China, sozinha, representa quase 40% do que exportamos. Os bons preços também beneficiaram o setor.

O que o Brasil deve fazer para enfrentar a realidade inflacionária e o aumento dos custos de produção?

Precisamos ter um plano para fertilizantes, que é muito estratégico, mas não vai resolver o curto prazo. O que pode ser feito pelo governo é facilitar as importações e buscar novos fornecedores. A respeito do petróleo, um choque afeta toda a economia. Espero que essa guerra termine antes disso.

“Tivemos uma dificuldade imensa para conseguir construir um grande acordo de comércio, resultando numa organização multilateral em Genebra que, atualmente, está super enfraquecida.”

Por que está havendo um retrocesso na globalização e quais são os efeitos deste processo?

Temos um enfraquecimento do multilateralismo em todas as áreas. O que vejo de mais preocupante, hoje, é este mundo que reaparece com interesses geopolíticos localizados, territoriais. A Rússia, preocupada com as áreas da antiga União Soviética, faz uma invasão de uma violência absurda. A China, que tem dificuldades em todo o seu entorno, enfrenta problemas com Coreia, Japão, Taiwan, Hong Kong, o mar do Sul e a Índia. Os norte-americanos fazem uma aliança com os ingleses e os australianos. Isso tudo está voltando. Então, me preocupa muito uma aliança entre Rússia e China, porque o gigante asiático é o nosso maior cliente atual do agro – aliás, do mundo –, e a Rússia é o nosso competidor potencial, pois dispõe de quantidade absurda de terras e está ampliando as áreas produtivas, em decorrência da mudança do clima. Isso, para nós, é prejudicial, mas, para eles, faz novas áreas surgirem. Além disso, estão, desde a invasão da Crimeia, aumentando a autossuficiência rapidamente.

A ÍNTEGRA DESTE CONTEÚDO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #470 IMPRESSA DA REVISTA PB. PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE A VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH E REVISTARIAS.

Entrevista: Jaime Spitzcovsky Edição: Eduardo Ribeiro Christian Parente
Entrevista: Jaime Spitzcovsky Edição: Eduardo Ribeiro Christian Parente
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