Ela também se chama Tarsila do Amaral, exatamente como a artista mais famosa do Brasil, este ícone do modernismo que viveu entre 1886 e 1973. Sobrinha-neta e homônima, aos 56 anos, Tarsilinha – como é conhecida – é quem zela diuturnamente pelo legado da pintora.
Há 20 anos, sua rotina consiste em divulgar ainda mais a obra de Tarsila. E isso significa não só o trabalho constante na lida entre autorizações para uso de imagem, gestão de direitos autorais e negociações de licenciamentos. O maior troféu desta empreitada veio em 2018: quando o MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, dedicou uma mostra toda para a artista brasileira, ela extrapolou o seu patamar, que já era elevado.
ESTE CONTEÚDO ESTÁ PUBLICADO NA ÍNTEGRA NA EDIÇÃO #467 IMPRESSA DA REVISTA PB. A VERSÃO DIGITAL ENCONTRA-SE DISPONÍVEL NA BANCAH.
“Vejo muitas pessoas falarem que ela é uma musa, mas não gosto desta palavra. Ela era uma mulher bonita, uma inspiração pela beleza, pela cultura, pela presença dela. No entanto, não era só isso.”
É um conjunto de fatores. Primeiro, pela importância dela mesmo, que ela veio a ter depois ao longo do movimento, inclusive com o Abaporu [tela criada em 1928] se tornando a inspiração da antropofagia [o Movimento Antropofágico]. Mais importante foi a vontade que ela tinha de ser a pintora do Brasil, de mostrar o País – isso ia ao encontro do pensamento do modernismo nesta primeira fase e foi ela quem mostrou esse pensamento. [Os escritores] Mário [de Andrade] e Oswald [de Andrade] escreveram, mas uma coisa visual é diferente. Tarsila mostrou o Brasil mesmo, inovando. Havia outros artistas usando as novas técnicas que vinham da Europa, estas novidades como o cubismo e o expressionismo. Contudo, ela fez isso de uma maneira diferente de todo mundo.
Ela pegou as cores brasileiras, as cores da infância dela, as cores caipiras. E mostrou a paisagem nacional, rural e urbana, fauna e flora, o povo brasileiro, desta maneira. Mesmo a Anita [Malfatti] tendo sido precursora dela e com uma técnica excepcional, tendo se tornado uma das grandes artistas do mundo do expressionismo, acredito que ela não tenha ido tão ao encontro deste pensamento modernista de querer valorizar o Brasil [quantoTarsila].
Vejo muitas pessoas falarem que ela é uma musa, mas não gosto desta palavra. Ela era uma mulher bonita, uma inspiração pela beleza, pela cultura, pela presença dela. No entanto, não era só isso. Não era uma musa. Ela foi realmente uma pessoa que, com inteligência, talento e sabedoria, foi uma das que transformou a arte brasileira, um dos pilares do modernismo. Ela se destaca demais, e todos os historiadores [da arte] que vieram depois foram fundamentais para esta construção dela como grande artista brasileira. E, nestes últimos 20 anos, modéstia à parte, o meu trabalho de estar fazendo tudo para mostrar a grandeza dela… Se eu não tivesse feito tudo o que eu fiz e ela não fosse uma artista desta magnitude, não chegaria a este patamar.
“Tudo mudou completamente depois da exposição do MoMA. Foi um marco, um fator que mudou completamente minha tia de patamar. Ela está no degrau dos grandes artistas do mundo.”
Meu pai fez isso absolutamente sem imaginar o que acarretaria tempos depois. Quando ela [Tarsila] morreu, já faz quase 50 anos [em 1973], não existia este controle sobre direitos autorais. Meu pai iria cobrar quanto? Uma coisa irrisória. Ele preferia não cobrar e autorizava, museus também, tudo o que pediam para ele. Eu, que vim depois, olhei para isso e falei: “Pai, foi fundamental o que você fez!”. Foi um trabalho de marketing totalmente sem querer, mas foi grande. Uma forma de divulgação muito importante: as crianças abriam o livro escolar e tinha lá a imagem do quadro da minha tia, e não dos outros artistas. Isso ficou gravado na memória. E, hoje, quando vou falar com pessoas em grandes empresas, elas contam isso, esta lembrança da escola. Hoje em dia, é um volume muito grande de pedidos, e eu não consigo mais autorizar de graça. A gente cobra um valor de mercado, porque preciso pagar alguma coisa para a minha advogada. Mas jamais quero que qualquer editora ou qualquer pessoa deixe de publicar por causa do valor que estou pedindo, que é justo. O mais importante é que nunca ninguém deixe de fazer uma publicação. Quero que isso se perpetue, que as crianças de hoje abram o livro e, vendo o quadro da minha tia, lá na frente deem este valor para ela.