entrevista

Tensão política

06 de setembro de 2021
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Para autor do best-seller Como as democracias morrem, Steven Levitsky, apesar de Bolsonaro demonstrar ensejos autoritários e, por ora, inconstitucionais, o presidente não seria capaz de arquitetar uma ruptura democrática. 

Em uma conjuntura política atual tensionada pelas expectativas em relação às manifestações do dia 7 de setembro e sob constantes ameaças e falas consideradas inconstitucionais proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), ruptura institucional ou golpe são pautas recorrentes e que causam apreensão.

Em conversa por e-mail com os jornalistas Isabella Marzolla e Lucas Freitas, o professor de Governabilidade e diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Harvard, Steven Levitsky, diz não considerar saudáveis a participação das Forças Armadas na política e a postura do presidente, mas ressalva que “existe uma grande chance de a democracia brasileira sobreviver”.

Ele acredita que, apesar das investidas contra o processo eleitoral, o presidente brasileiro não é “disciplinado” ou “esperto” o suficiente, além de achar difícil um possível envolvimento das Forças Armadas em uma tentativa de golpe.

“Isso é muito sério. Uma das maiores conquistas da democracia brasileira, desde 1985, foi o estabelecimento do controle civil sobre os militares – expulsando as Forças Armadas da política pela primeira vez na história nacional moderna. Estes ganhos, agora, estão começando a se desfazerem”, comenta Levitsky.

Ainda de acordo com o acadêmico, para reduzir a polarização nas eleições presidenciais de 2022, a melhor estratégia seria Lula (principal opositor do presidente, figurando como primeiro colocado em pesquisas recentes) construir uma ampla coalizão centrista.

“Será uma campanha cheia de mentiras, ameaças e, possivelmente, alguma violência. (…) A melhor maneira de evitar isso [polarização], seria Lula construir uma ampla coalizão centrista que garanta uma vitória esmagadora no primeiro turno contra Bolsonaro”, conclui o professor.

“O que Bolsonaro está fazendo é claramente um esforço para minar a integridade de uma eleição que provavelmente perderá.”

Dados os recentes ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao Poder Judiciário brasileiro, o quão ameaçada está a democracia brasileira e o quanto, como imprensa e sociedade, devemos nos preocupar?

Toda vez que uma sociedade elege uma figura declaradamente autoritária como presidente, existe razão para se preocupar. Como os Estados Unidos mostraram com Trump [ex-presidente norte-americano], mesmo democracias antigas e sólidas podem ser ameaçadas por presidentes autocratas. 

Dito isso, o Brasil tem instituições relativamente fortes, incluindo uma mídia vibrante e um Judiciário independente, então, existe uma grande chance de a democracia brasileira sobreviver a Bolsonaro.

O senhor e seu colega Daniel Ziblatt escreveram Como as democracias morrem, publicado em 2018, no qual caracterizam líderes autoritários ao redor do mundo e, como o próprio nome diz, explicam que até democracias relativamente sólidas podem “morrer”, inclusive de maneira completamente legal. 

No livro, foram analisados alguns dos líderes considerados autoritários, como Viktor Órban (primeiro-ministro da Hungria) e o agora ex-presidente Donald Trump, entre outros. Posteriormente, o presidente Jair Bolsonaro também foi citado pelo senhor em entrevistas como uma ameaça à democracia brasileira.

No caso do Brasil, suas previsões estão de acordo com a realidade ou o presidente Bolsonaro o surpreendeu? 

Não me surpreendi muito, exceto, talvez, o quanto que ele copiou Trump, que foi, em grande parte, um fracasso. Bolsonaro é mais parecido com Trump e menos com [Viktor] Órban e [Recep Tayyip] Erdogan [presidente da Turquia], no sentido de que ele não é muito “esperto” ou disciplinado politicamente – e não é muito popular. Isso o enfraqueceu e, até agora, limitou os danos que causou à democracia brasileira.

O presidente Bolsonaro e seus aliados parlamentares estão engajados em uma pauta – já derrotada por votação na Câmara dos Deputados Federais – pelo voto impresso, afirmando que as urnas eletrônicas (sistema brasileiro de contagem de votos desde a década de 1990) não são seguras e suscetíveis a fraudes, sem apresentar provas concretas, assim como fez Donald Trump, alegando fraude nas eleições norte-americanas de 2020. 

É possível que o Brasil presencie algo semelhante à invasão do Capitólio durante as eleições de 2022? 

O que Bolsonaro está fazendo é claramente um esforço para minar a integridade de uma eleição que provavelmente perderá. Isso é uma cópia de Trump. O ex-presidente norte-americano claramente falhou, e Bolsonaro pode falhar também, mas é muito, muito prejudicial para a democracia quando as principais figuras políticas de um país questionam a integridade do processo eleitoral sem qualquer base na realidade ou em fatos. 

A democracia estadunidense foi fortemente abalada pela “grande mentira” de Trump [o republicano alegava fraude na contagem de votos das eleições presidenciais], e temo que algo semelhante possa acontecer no Brasil – a menos que o Bolsonaro perca “de lavada” e torne uma “grande mentira” impossível. 

Acho que a estratégia de Bolsonaro muito provavelmente levará a uma crise. É impossível dizer se vai se parecer com o dia 6 de janeiro nos Estados Unidos [dia da invasão do Capitólio, naquele país, por apoiadores deTrump].

Se as eleições presidenciais ocorressem agora no Brasil, o presidente perderia. De acordo com o último Datafolha (pesquisa realizada nos dias 7 e 8 de julho), Bolsonaro (sem partido) tem 51% de reprovação e 31% de intenção de votos para sua reeleição em 2022, contra 58% do candidato mais bem colocado no segundo turno, Lula (PT). Isso indicando uma provável polarização entre Lula e Bolsonaro.  

O que podemos esperar da campanha eleitoral de 2022?

Será uma campanha altamente polarizada, sem dúvida. Será uma campanha cheia de mentiras, ameaças e, possivelmente, alguma violência. A melhor maneira de evitar isso, acho, seria Lula construir uma ampla coalizão centrista que garanta uma vitória esmagadora no primeiro turno contra Bolsonaro – e que, puxando Lula para o centro, ajude a reduzir a polarização entre esquerda e direita. Isso não acabará com a polarização ou com a ameaça à democracia, mas irá suavizá-la um pouco.   

No dia 7 de setembro, comemoração da Independência do Brasil, estão marcadas manifestações pró-governo Bolsonaro nas principais capitais e cidades do País. Alguns coronéis e policiais militares expressaram apoio às manifestações, além do próprio presidente. 

Quão grave são as forças armadas estarem se manifestando abertamente sobre suas preferências políticas e partidárias? Na sua visão, qual a chance de ruptura institucional? 

Isso é muito sério. Uma das maiores conquistas da democracia brasileira, desde 1985, foi o estabelecimento do controle civil sobre os militares – expulsando as Forças Armadas da política pela primeira vez na história nacional moderna. Estes ganhos, agora, estão começando a se desfazerem. 

O comportamento independente dos militares nos últimos anos representa um retrocesso na direção do papel de poder moderador. Isso não pode ser saudável para a democracia brasileira. 

Agora, é outra questão inteiramente diferente se as Forças Armadas apoiariam um golpe liderado por Bolsonaro. Certamente há elementos das Forças Armadas que apoiariam tal movimento, mas pelo que vi, até agora, não parece que estas lideranças participariam da “aventura”. Seria uma ação de alto risco em nome de um presidente fracassado e impopular. Não acho que a liderança militar seja tão estúpida. 

Recentemente, a Polícia Federal enviou um documento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no qual explica que apoiadores de Bolsonaro usam uma estratégia de comunicação semelhante à de Trump nas eleições de 2016, que foi arquitetada por Steve Bannon (ex-estrategista de Trump). O que pensa desta relação de Bannon com o governo Bolsonaro?

Há uma rede transnacional emergente de grupos de extrema-direita nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina, da qual Bannon faz parte. O círculo de Bolsonaro e o círculo de Trump estão entrelaçados há vários anos. 

Em última análise, no entanto, acho que Bannon não trará grandes consequências. Ele fala alto, mas é uma figura bastante marginal e está longe de ser um estrategista brilhante. Novamente, por que copiar Trump? Trump perdeu e está sem capital político.

Os arroubos autoritários e a ideologia da extrema-direita são uma onda passageira ou estes governos ultraconservadores perdurarão por mais tempo? 

É impossível saber. Acho que enquanto as causas dos movimentos iliberais [contra pautas progressistas] e de extrema-direita – como globalização, mudanças sociais e culturais, imigração e crescente diversidade étnica – permanecerem, continuaremos a ver [como reação a essas pautas] um direitismo iliberal ou extremista. Certamente não vai desaparecer de forma rápida nos Estados Unidos.

Isabella Marzolla e Lucas Freitas Divulgação
Isabella Marzolla e Lucas Freitas Divulgação
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