Redução de R$ 100 na conta de água. Esse foi um dos efeitos práticos que as aulas de Educação Financeira tiveram na vida do estudante Carlos Eduardo Pereira de Souza, de 16 anos, e de sua família. A economia foi obtida apenas com a troca da mangueira pelo balde na hora de limpar a casa.
Carlos cursa a 9ª série do ensino fundamental na Escola Estadual Liberdade, em Palmas (TO), que inseriu o tema em sua grade há três anos de forma experimental e, em 2019, de modo sistemático e transversal, passando por outras disciplinas.
Segundo o estudante, a nova matéria facilita o aprendizado em geral, além de ajudar no planejamento do tempo dedicado não só aos estudos, como também aos projetos da escola e da vida. Ele defende que Educação Financeira deveria ser um tema universal, pois não se trata só de dinheiro, “mas, sim, da vida”. “Na realidade, melhorou até o meu bem-estar, porque parei de consumir ou gastar tanto com coisas que não preciso. Hoje, gasto dois baldes de 10 litros na limpeza da casa. Antes, usava a mangueira por 30 minutos e pagava mais pela conta de água, que caiu de R$ 250 para R$ 147.”
Na escola onde Carlos estuda, os professores podem incluir e adaptar o tema de acordo com cada disciplina. “Trabalhamos na periferia, e a experiência de vida de alunos e professores conta muito. Explico a eles como gasto meu salário quando a aula é sobre o salário médio do brasileiro. Falo dos preços da luz, da água, do combustível. Esclareço que não dá para gastar mais do que se ganha. Também, como podemos nos preparar para o futuro. Acabo inserindo tudo isso na geopolítica”, explica Anderson Fonseca, professor de Geografia e História da Escola Liberdade.
Hoje, todas as 493 escolas estaduais de Tocantins funcionam desta forma. “Temos material exclusivo sobre educação financeira, elaborado para apoiar professores e alunos. Dá para caminhar em diferentes projetos e disciplinas, pois se tornou política pública. As escolas gostam de construir os temas transversais. E para o novo ensino médio que está surgindo, é de grande valia”, observa Leandro de Souza Vieira, diretor de Gestão da Educação Básica da Secretaria de Estado da Educação, Juventude e Esportes (Seduc) de Tocantins.
Apesar dos benefícios já vivenciados por Carlos, Lívia Capovilla Jerdy, de 12 anos, e Matheus Geiling Cardoso Falcone, de 18, representam a regra que virou exceção. Isso porque estudam em escolas que estão seguindo, cada qual à sua maneira, as normas estabelecidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), do Ministério da Educação (MEC), para este ano. A Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef), de 2017, estabeleceu que as escolas de ensinos infantil, fundamental e médio têm até 2020 para ajustar os currículos, incluindo, de forma transversal, a educação financeira em sua grade curricular por meio de outras disciplinas, como História, Geografia, Matemática e Português. Entretanto, a data pode ser prorrogada em decorrência da pandemia, pois muitas escolas tiveram o planejamento e a adoção interrompidos por causa da suspensão das aulas físicas, além da readaptação que sofreram com o ensino a distância e o isolamento social. Até outubro de 2020, o governo estadual de Tocantins era o único a adotar a agenda do MEC em todas as escolas. Nos outros Estados, as experiências têm se dado, em sua maioria, nas escolas particulares.
A intenção do MEC com a Enef é corrigir um atraso histórico do Brasil no tema, refletido no último relatório do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), referente a 2018, divulgado em agosto deste ano. O levantamento, feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), coloca o Brasil na 17ª posição no ranking de competência financeira de jovens, entre 20 países analisados. A média brasileira (420) ficou bem abaixo da geral (505), mas o País evoluiu em relação ao levantamento anterior, de 2015, quando estava na última posição entre 15 países avaliados.
Nos últimos cinco anos, as iniciativas de educação financeira no País aumentaram 72%, com 1,3 mil projetos sobre o tema, criados por escolas e outras entidades, segundo dados da Associação de Educação Financeira do Brasil (AEF-Brasil). Em 2014, havia 317 iniciativas em âmbito nacional.
Para Matheus Falcone, a Educação Financeira lhe dá mais responsabilidade
“Embora tenha demorado, este passo é um marco orientador importante para a comunidade escolar, a fim de preparar a Nação para o seu desenvolvimento. A temática está ligada à construção de projetos de vida e perpetua a formação cidadã para entender a relação com o dinheiro, o combate à corrupção, o conhecimento de impostos, os valores éticos, entre outros”, explica Cláudia Forte, professora e superintendente da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) AEF-Brasil, criada em 2012 com o propósito de formar um conselho para executar o programa com as escolas. “Nosso desafio é capacitar os professores de escolas públicas e privadas, bem como fazer o programa chegar a pessoas em situação de maior vulnerabilidade”, afirma Cláudia. A professora diz que a nova metodologia busca ensinar os alunos a se planejarem desde cedo para não só realizar os sonhos futuros, mas também se defenderem como cidadãos.
Na Escola Luminova, onde Matheus Falcone estuda, é assim. Na realidade, já nasceu assim. Em operação desde 2018, a Luminova foi idealizada de acordo com o que dita a nova base curricular. Com a educação financeira presente em todas as disciplinas, a escola, que dispõe de quatro unidades na capital paulistana e uma em Sorocaba, interior de São Paulo, com 700 alunos cada, acredita que está criando competências e comportamentos que mudam a vida tanto dos alunos como a forma com que se relacionam com a aprendizagem.
“Trabalhamos Roma Antiga, explicando o que era o escambo, vamos mostrando a mudança de comportamento em diferentes épocas. Explico juros simples falando por que é melhor comprar à vista do que a prazo”, observa Luizinho Magalhães, fundador e diretor da rede da Luminova. A ideia é criar ferramentas para formar senso crítico e despertar os alunos para saber o motivo, por exemplo, de alguns remédios serem tão mais caros do que outros. A resposta aparece na aula de Química, na qual se aprende que não só a composição dos medicamentos, mas também o peso financeiro de conceitos como royalties e propriedade intelectual.
Até na organização de eventos na própria escola, na exposição de artes e nas olimpíadas esportivas, a metodologia é aplicada. “Tudo o que gera significado dá maior capacidade de aprender. Para os alunos, é muito mais fácil do que ficar decorando códigos e teorias que parecem sem sentido. Aprendem, em Matemática, se compensa usar álcool ou gasolina.”
Qualidade de vida e melhora da memória são ganhos observados por Falcone
Para Matheus, aluno do 3º ano do ensino médio do Luminova, este tipo de aprendizagem melhora também a qualidade de vida ao facilitar a memorização, ensinando como gerenciar suas economias, criando mais responsabilidade nas decisões tomadas. “A gente tem também que buscar informações sobre a matéria. O professor indica alguns sites para ensinar como fazer a pesquisa, mas quem faz mesmo são os alunos; com esta base, discutimos os temas em sala”, conta. Para ele, o método desperta os lados criativo e crítico do aluno. “Eles plantam ‘sementinhas’ na sua cabeça para você ir atrás das coisas, ter vontade de pesquisar e aprender.”
Já o Colégio Prósper, com duas unidades na Ilha do Governador (RJ), optou por adotar, desde 2019, uma disciplina obrigatória que mescla educação financeira, empreendedorismo, socialização e comunicação. Aplicada do 6º ano do ensino fundamental até o 3º do ensino médio, os alunos são desafiados a desenvolver projetos de empreendedorismo, planejamento de investimentos e organização orçamentária, a depender do ano em que estão.
A partir de 2021, a meta é estender o curso para os anos iniciais do ensino fundamental. “A gente desenvolve games com eles, e, ao fim do semestre, eles montam projetos específicos com os conceitos trabalhados na disciplina. No ano passado, as turmas de 6º e 7º anos criaram um comércio de cupcake. Outra turma, do 8º e do 9º ano, desenvolveu trabalho social”, explica Thalita Stefano, diretora do Prósper.
Os efeitos práticos podem ser observados pelas novidades na vida de Lívia, aluna do 7º ano do colégio. Ela defende que esta disciplina tem sido importante para prepará-la para a vida adulta. Não só do ponto de vista de melhor planejamento das finanças pessoal e familiar, mas também no despertar de seu lado criativo e na tomada de decisões. “Tenho um cofre só para as reservas de emergência e outro para o longo prazo, assim, planejo o futuro. Aqui, em casa, tenho uma planilha no meu computador, que é como se fosse um livro-caixa. Com isso, ajudo meus pais a não gastarem mais do que recebem”, explica Lívia.