A Unesco sugere uma livraria para cada grupo de 10 mil habitantes. O Brasil conta com apenas 2.972 estabelecimentos, mais da metade concentrada no Estado de São Paulo. Considerando a população brasileira — 216 milhões de habitantes —, é o mesmo que dizer que temos uma livraria para cada 73 mil pessoas.
O mercado brasileiro de livros passou por transformações significativas nas últimas décadas, saindo do período de domínio das grandes redes para um modelo que privilegia pequenos estabelecimentos, muitas vezes com segmentação de produtos, movimento que começou no fim da primeira década dos anos 2000. Entre 2009 e 2012, por exemplo, houve o crescimento das grandes redes e o declínio de unidades médias. Nos anos seguintes, a onda se inverteu, com o fechamento de lojas maiores e a abertura de livrarias menores e independentes.
É o caso da Livraria Simples, que iniciou suas atividades em 2016, capitaneada por ex-funcionários da Livraria Cultura, no bairro paulistano da Mooca. “Eu morava com um amigo e decidi pegar uns livros do meu acervo e montar uma livraria na sala da casa. Fiquei desempregado e, como trabalhei sempre no comércio de livros, achei que montar uma livraria poderia ser um bom negócio”, relembra o livreiro Adalberto Ribeiro. A unidade ficou na Zona Leste da capital paulista até 2017, quando foi transferida para o bairro central da Bela Vista. De lá para cá, o negócio chegou a crescer 20% em 2023 e, no ano passado, fechou com alta de cerca de 10%.
Entretanto, nem tudo são flores e cheirinho de livro novo para o setor, que já enfrentava crises financeiras recorrentes antes mesmo da pandemia de covid-19. Os anos de 2015 a 2017 foram desafiadores para esses empreendedores, que tiveram de se adaptar à massificação do livro digital e ao e-commerce. O setor precisou, então, se reinventar e, desde o segundo semestre de 2021, as livrarias físicas vêm se recuperando e voltaram a crescer, mas com uma mudança significativa: as grandes lojas passaram a dar lugar a ambientes menores, com espaços especializados e mais aconchegantes.
Não há informações precisas sobre a quantidade de livrarias independentes, mas elas já são a maioria em todo o País. De acordo com um estudo realizado pela Associação Nacional de Livrarias (ANL), São Paulo tinha 821 estabelecimentos do tipo em 2013 e, no anuário de 2023, último dado disponível, o Estado atingiu a marca de 1.167 lojas, alta de 42,2% no período. Apesar do crescimento, o número ainda está bem longe do ideal.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) recomenda que haja uma livraria para cada grupo de 10 mil habitantes. O Brasil conta com 2.972, concentradas principalmente no Estado de São Paulo. Considerando a população de 216 milhões de habitantes de todo o País, é o mesmo que dizer que temos uma livraria para cada grupo de 73 mil pessoas. “Infelizmente, hoje, existe um déficit no País em relação à proporção ideal. É urgente criar políticas públicas que garantam não só a sobrevivência das livrarias, mas também um ambiente de negócios saudável, com justa competição”, escreveu Sevani Matos, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), no Anuário de 2023 da ANL.
Apesar da baixa quantidade de livrarias, aos poucos, o número de livros comercializados vem aumentando. Dados do Painel de Varejo de Livros no Brasil, de 2024, pesquisa realizada pela Nielsen Book e divulgada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), mostram alta de 4,43% no volume comercializado no ano passado em comparação com o ano anterior. Foram 5 milhões de unidades em 2024, contra 4,8 milhões em 2023. A receita do setor subiu 8,12%, saindo de R$ 218,03 milhões para atingir R$ 235,7 milhões.
O aumento nas vendas, no entanto, não é reflexo de mais leitores. Pelo contrário. A edição de 2024 do levantamento Retratos da Leitura no Brasil, pesquisa nacional que analisa o comportamento leitor dos brasileiros, mostra que, nos últimos quatro anos, o número de pessoas que leem caiu 6,7 milhões. Pela primeira vez na série histórica da pesquisa, a proporção de não leitores é maior do que a de leitores na população brasileira: 53% das pessoas não leram nem parte de um livro — impresso ou digital — de qualquer gênero, incluindo didáticos, bíblia e religiosos, nos três meses anteriores à pesquisa. Esse número revela que menos pessoas estão lendo mais livros, conforme destaca Vanessa Marchesin, professora na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
O hábito da leitura, lembra a professora, é construído e tem muito a ver com as nossas experiências desde a infância. Para ela, a tendência é que os mundos físico e virtual se complementem, com as pessoas se ajustando e usando as duas opções de leitura. Dessa forma, as livrarias físicas continuarão sobrevivendo, mas, para se manterem no mercado, esses lugares precisam estar abertos a novidades e mudanças. Neste sentido, já é possível perceber um aumento no número de livrarias especializadas e também de lugares com entretenimento incluso, como um café dentro da unidade para trazer mais aconchego aos clientes.
Sobre aumentar a base de leitores, Vanessa é categórica: essa mudança não vai acontecer do dia para a noite, mas é possível mudar e recuperar o hábito da leitura. Ela comenta que tem feito essa experiência em sala de aula, e muitos estudantes que, antes, não tinham prazer com a leitura estão se apaixonando e lendo diversas obras durante o ano. “Tem de começar devagar, com assuntos que interessem a cada pessoa. O exemplo dos pais para as crianças e o estímulo dos professores nas escolas são fundamentais”, afirma.
Alexandre Martins Fontes, presidente da ANL, descarta que a ascensão do comércio de livros digitais motive crise nas livrarias, uma vez que representa apenas cerca de 8% do mercado brasileiro. “As livrarias brasileiras sofrem a ameaça de uma concorrência predatória estabelecida por algumas redes de varejo, que optam por vender livros por um preço difícil de superar. Afinal, essas lojas vivem exclusivamente da venda de livros e não podem abrir mão da sua margem”, explica. Segundo Fontes, essas empresas escolhem o livro de forma estratégica para atrair o consumidor para o seu e-commerce e vender outros produtos. Ele detalha que muitos países — como França, Alemanha, Itália, Espanha, Argentina, México, Japão, Coreia do Sul, entre outros — têm leis que impedem a concorrência predatória.
Neste sentido, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado (PLS) 49/2015, que institui a política nacional de fixação do preço do livro, para estabelecer regras para a comercialização e difusão do produto, e define penalidades. De acordo com o texto do projeto, todo livro receberá da editora uma precificação única pelo prazo de um ano a partir de seu lançamento ou importação. Constituem infrações praticar tratamento não isonômico para os comerciantes intermediários e ofertar livros a preços inferiores ao estabelecido.
“O Brasil publica 13 mil novos títulos por ano. Tenho mais de 200 mil títulos para pronta-entrega. A lei vai atingir menos de 6% dos livros que tenho na minha livraria. A lei é importante para os lançamentos da indústria. Para livrarias e mercado editorial, contar com uma regulamentação dos descontos é importante, porque o consumidor vai pagar o mesmo valor em qualquer livraria ou nas lojas virtuais”, afirma Fontes. As pessoas continuam lendo livros e o sucesso de eventos, como a Bienal do Livro e a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), provam que os leitores existem e estão interessados em consumir, enfatiza.
Apesar da expansão na quantidade de livrarias independentes, Fontes pondera que os números devem ser analisados com cautela. Ele destaca que, considerando apenas o fechamento das redes Saraiva, Cultura e Fnac, ocorreu uma perda significativa no espaço de exposição de livros. “A questão não é se temos mais ou menos, a importância é a qualidade das livrarias. Nos últimos anos, perdemos 130 mil metros quadrados de exposição e as livrarias novas não chegam a 30% desse número. É legal que existam mais livrarias, mas precisamos de mais lojas saudáveis financeiramente — e que cresçam. O quadro como um todo não é tão bom quanto parece”, avalia.
O empresário lembra, ainda, que apenas a antiga unidade da Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista — fechada em abril de 2024 depois de mais de três anos de tentativas de negociação pelo aluguel do espaço —, contava com 5 mil metros quadrados. Em novembro do mesmo ano, uma nova unidade foi aberta, em um casarão da Avenida Angélica, no bairro de Higienópolis. O espaço, porém, tem aproximadamente 270 metros quadrados. “É uma loja que não se compara com o que era antes em tamanho”, argumenta Fontes, ao destacar que a abertura não significa um movimento de volta das grandes redes de livrarias.