“O ano de 2021 trará desafios nas frentes política e financeira aos municípios, sendo que ambos têm grande intersecção. As novas lideranças eleitas (ou reeleitas) iniciarão o novo mandato enfrentando um cenário turbulento.” Ricardo Ramos, especialista em finanças públicas e sócio da Consultoria Gove Digital
Passado o clima das eleições, o Brasil enfrenta um tortuoso processo de recuperação econômica, sob os efeitos das consequências causadas pela pandemia. Promissoras ou não, as tentativas do governo de minimizar os efeitos da queda de arrecadação continuam dando a tônica da agenda política.
Ricardo Ramos, sócio da Consultoria Gove Digital destaca que menos dinheiro para investir, a necessidade de contenção de gastos e o descontentamento da população com o fim do auxílio financeiro estão entre os principais desafios a serem enfrentados pelos prefeitos em 2021. “As novas lideranças eleitas (ou reeleitas) iniciarão o novo mandato enfrentando um cenário turbulento.”
Situações como essa, colocam os candidatos em uma corrida para muito além do pleito. A disputa se estabelece contra o marasmo financeiro. No segundo trimestre de 2020, as prefeituras registraram uma forte baixa na receita, segundo o anuário Multi Cidades divulgado pela Frente Nacional dos Prefeitos. A arrecadação de Imposto Sobre Bens e Serviços (ISS), por exemplo, foi 16,5% menor em relação ao mesmo período de 2019. O tributo cobrado pelos municípios incide sobre o setor de serviços – o mais afetado pela paralisação das atividades durante a quarentena. Fruto do desaquecimento do mercado imobiliário, o Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) encolheu 24,4% entre abril e julho deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado.
Embora o cenário seja negativo, a retração foi menor do que o esperado. No início da pandemia, o Ministério da Economia previu uma queda de 30% no recolhimento de tributos. O porcentual registrado até o momento é de uma queda de 7%, segundo a Receita Federal. O resultado divulgado pelo Fisco não é sinônimo de alívio. A lenta recuperação das atividades econômicas é o que mais preocupa os prefeitos.
Segundo o administrador e membro do Centro de Liderança Pública (CLP), Márcio Silveira, o risco da segunda onda de contágio do covid-19 pode resultar em uma mudança no patamar de endividamento das prefeituras. “Não se sabe o efeito dessa segunda onda. Talvez o nível de dívidas possa subir ainda mais. Precisamos considerar que outro auxílio emergencial para a população talvez seja necessário”.
O aumento da pobreza resultante do fim da ajuda do governo é um cenário que, de acordo com o especialista, deve estar no radar dos gestores a partir de janeiro de 2021. “Deveria haver um incentivo para que essas pessoas tivessem uma poupança, um investimento. Dessa forma, o dinheiro não viraria totalmente uma despesa, mas sim, uma oportunidade de se tornar receita novamente para o governo. Isso pode ser feito em uma possível segunda leva. Hoje a população ficou mais pobre, o nível de vulnerabilidade aumentou. Isso passa a ser uma política pública indicada para a agenda dos prefeitos”, diz Silveira.
Para visualizar a conjuntura dos municípios, a revista Problemas Brasileiros listou os maiores e os menores orçamentos do País, com base em relatórios disponibilizados pelo Tesouro Nacional.
Segundo Ramos, da Gove Digital, 2020 foi um ano atípico para ser utilizado como base de análise e, por isso, o balanço mais apropriado deve considerar os números de 2019. Nas tabelas a seguir, foram reunidos os principais dados sobre o panorama fiscal dos cinco maiores e dos cinco menores orçamentos do País. Foram avaliadas informações a respeito da Receita Total (Arrecadação), Receita Consolidada Líquida (RCL), Dívida Consolidada Líquida (DCL), porcentual da Dívida Consolidada Líquida sobre a Receita Consolidada Líquida e Despesas Previdenciárias.
Ao avaliar os cinco municípios com o menor orçamento, Ramos alerta para a ausência de informações no portal do Tesouro. “Muitos gestores não reportam os dados das dívidas e da receita. Aqueles que reportam, ainda o fazem de forma inadequada. Essa circunstância impacta na identificação dos orçamentos.”
Já os cinco maiores orçamentos do País, não por coincidência, são metrópoles. As três prefeituras mais caras também são capitais da região Sudeste, cuja condição pode ser atribuída à própria magnitude econômica, já que os principais polos fabris do Brasil estão instalados em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Juntos, os três Estados representam 51% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial.
Os municípios brasileiros estão longe de ser exemplo quando o assunto é responsabilidade com gastos públicos. Cerca de 86% dos municípios estavam em situação crítica em 2016, segundo um relatório sobre gestão fiscal elaborado pela Firjan naquele ano. Outro dado alarmante é que quase 2 mil prefeituras não geravam receita o suficiente para se manter e 715 delas acumulavam uma dívida de R$ 6,3 bilhões para os prefeitos que assumiram o mandato em 2017.
Em outro relatório divulgado pela entidade, tendo como base o ano de 2018, a conclusão foi árida: a gestão municipal tem sido a pior dos últimos cinco anos e 21% dos municípios caíram no cheque especial, ou seja, terminaram o exercício sem recursos em caixa para cobrir as despesas.
Especialistas apontam que o método mais adequado para calcular dívidas deixadas pelos prefeitos é avaliar o valor devido em comparação à sua receita total – a chamada Dívida Consolidada Líquida (DCL), cujo índice, estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), não pode comprometer mais do que 120% da Receita Líquida Consolidada (RCL). Entre os municípios com os cinco maiores orçamentos, o Rio de Janeiro (RJ) é o campeão de endividamento, com 66,97% de proporção entre dívida e receita. Fortaleza (CE) é o mais contido, com 7,36% no índice.
Índice da Dívida Consolidada Líquida (DCL) sobre a Receita Consolidada Líquida (RCL) referente aos cinco maiores e menores orçamentos do Brasil
A prefeitura paulistana também ostenta uma preocupante marca no endividamento. Em 2019, a cidade de São Paulo alcançou o teto do limite das dívidas. Isso porque segundo a legislação, as cidades podem utilizar 11,5% da receita para honrar com as pendências financeiras. Projeções da Secretaria Municipal da Fazenda dão conta que o prefeito eleito poderá ter 12,9% da receita comprometida, ou seja, mais de R$ 5 bilhões do orçamento destinados ao pagamento de dívidas.
As cidades pequenas também encaram adversidades. Segundo a Firjan, os municípios com poucos habitantes vivenciam impasses de governabilidade. Normalmente, a geração de empregos formais nesses locais está ligada de forma direta à máquina pública.
O gráfico mostra que as prefeituras estão, em tese, com suas dívidas consolidadas sob controle, cujo fato pode ser constatado pelo dado de Figueirópolis (TO), que contabiliza apenas 0,09% de DCL. Entretanto a atenção às estimativas orçamentárias para 2021 é indispensável para os eleitos das prefeituras menores.
Além da Dívida Consolidada, ficar no vermelho com a previdência também traz graves consequências às prefeituras.
Isso porque o acúmulo dessas dívidas pode culminar na perda do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP), documento indispensável para garantir a liberação de recursos de fundos da União. Dos R$ 28 bilhões destinados aos cofres municipais no primeiro trimestre de 2019, R$ 1,8 bilhão ficou retido na Receita Federal em razão de dívidas com pensões e aposentadorias.
Ramos, da Consultoria Gove, enfatiza que a análise dessas dívidas deve ser feita com rigor, já que existem dois tipos de regimes previdenciários. O Regime de Previdência dos Servidores Públicos (RPPS), conhecido como regime próprio, é voltado exclusivamente ao servidor público em níveis municipal, estadual ou federal. Já o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), em que uma entidade é gerida pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), criada para beneficiar trabalhadores da modalidade da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Entre os municípios pequenos, alguns não apresentaram a despesa na respectiva rubrica selecionada, mas isso não necessariamente que dizer que não houve gasto. Pode ter sido uma falha ao reportar o dado ou a adesão ao RGPS.”
O número de prefeituras como o nome “sujo” na Previdência Social não para de crescer. Em 2015, os devedores da previdência eram 3,9 mil. Hoje esse número chega aos 4,95 mil, e o rombo em contribuições previdenciárias chega a R$ 90 bilhões de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios. Mesmo com uma proposta de parcelamento desse débito em até 60 meses após a reforma, boa parte dos prefeitos ainda não têm condições de arcar com as contas.
Por outro lado, o RPPS também parece apresentar suas desvantagens. Só a cidade de São Paulo tem uma dívida de quase R$ 10 bilhões em contribuições previdenciárias estimada para 2021, mesmo após a reforma sancionada pelo prefeito Bruno Covas em 2018. Com as mudanças na legislação paulistana e o estabelecimento de um regime complementar, a ideia era que houvesse um equilíbrio financeiro no sistema, mas, que até o momento, está longe de acontecer.
Levantamentos feitos pelo Instituto Millenium em 2019 comprovam o inchaço do Estado brasileiro. Pelas abusivas despesas com a folha de pagamento de servidores públicos municipais, muitas vezes com excesso de cargos de confiança, a balança está descompensada. O funcionalismo dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário das 5.570 cidades brasileiras custa 292 bilhões por ano (4,2% do PIB). O gasto com pessoal no Brasil é o dobro do que se investe em Educação, por exemplo.
No aquecimento para a partida que começa em janeiro de 2021, só resta aos prefeitos eleitos e reeleitos planejar as metas dos próximos quatro anos. Afinal, é grande a complexidade de uma estrutura desgastada nos âmbitos político, econômico e fiscal. No fim das contas, a corrida é longa; já a chegada, marcada por incertezas.