Celso Furtado

19 de dezembro de 2020

Até a Revolução de 1930, os advogados predominavam na administração pública, a ponto de a história registrar o período como “República dos Bacharéis”. Com os projetos de industrialização e modernização de Getúlio Vargas, os economistas encontram o caminho para o poder, onde até hoje permanecem.

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Celso Furtado (1920-2004), o mais conhecido e conceituado economista brasileiro em todo o mundo, autor de vasta obra com 38 livros publicados, a maioria traduzidos em até 11 idiomas, foi um dos pioneiros na tarefa ainda inacabada de tentar entender o Brasil para transformá-lo por meio das ações política e social.

Líder intelectual da corrente nacionalista e desenvolvimentista que direcionou os rumos do País até o Golpe de 1964, considerava que os subdesenvolvimentos brasileiro e da América Latina tinham causas estruturais, herdadas do passado colonial da região. Sair dessa armadilha, que condena os países periféricos do capitalismo a serem produtores de bens primários e importadores de produtos industrializados, exigiria planejamento e participação do Estado para redirecionar os rumos da economia. 

Nascido e criado no Nordeste, esse paraibano de Pombal conheceu desde cedo a dureza da vida na região que ele teria por missão ajudar a desenvolver como idealizador e primeiro titular da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959, no governo de Juscelino Kubitschek.   

Em 1944, recém-formado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), integra a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Ao término da Segunda Guerra Mundial, doutora-se em Economia na França, ao mesmo tempo em que observa os esforços planejados para a reconstrução da Europa devastada, sob os auspícios das teorias de John Maynard Keynes.

Na década de 1950, escreve na keynesiana Universidade de Cambridge, na Inglaterra, sua obra seminal Formação econômica do Brasil, que o projeta ao mesmo patamar dos grandes intérpretes nacionais dos anos 1930, como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior. 

Nessa obra-prima inovadora, que combina análise macroeconômica com investigação histórica, Celso Furtado decodifica os ciclos da economia brasileira (açúcar, gado, ouro e café) e sua evolução do regime escravista até os processos de imigração, migração interna e industrialização.

Em estilo sóbrio, com poucas palavras para dizer o essencial – que levaria o autor à Academia Brasileira de Letras (ABL), consagrado como um “Graciliano Ramos da economia” – o livro debruça-se sobre o passado para esclarecer o presente, localizando nos cinco séculos da história brasileira as raízes dos entraves ao nosso desenvolvimento.

Esse diagnóstico é complementado na obra Desenvolvimento e subdesenvolvimento, publicada em 1961, que aponta caminhos e possibilidades de intervenção pontual do Estado a partir de reformas estruturais.

A elaboração teórica de Furtado é construída em paralelo com a prática. Aos 29 anos de idade, assume o cargo de diretor da Divisão de Desenvolvimento Econômico da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), instituição da Organização das Nações Unidas (ONU), que propunha a industrialização apoiada pela ação do Estado como modelo para a superação do subdesenvolvimento.   

A partir daí sucedem-se os cargos públicos que ocupou, sempre com olhar humanístico, pautado pelo sentimento de que o desenvolvimento não pode ignorar o sofrimento das populações miseráveis.  Foi diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e presidente do grupo de estudos que produziu os subsídios para o célebre Plano de Metas no governo Juscelino Kubitschek. Primeiro ministro do Planejamento do Brasil, na presidência de João Goulart, combateu a inflação por meio de rígido controle do déficit público. Ao mesmo tempo, formulou o Plano Trienal constituído pelas famosas reformas de base – Agrária, Tributária e Social –, ousadia que o colocaria na primeira lista de cassados pelo regime militar.

Durante os 15 anos que passou no exílio, até a anistia política em 1979, dedicou-se novamente à pesquisa e ao ensino nas mais prestigiadas universidades dos Estados Unidos, da França e da Inglaterra, incorporando ao seu pensamento a ideia de que a dependência do Brasil não era apenas tecnológica ou financeira, mas também cultural.     

Com a redemocratização do País, foi embaixador do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia e ministro da Cultura do governo Sarney, quando elaborou a primeira legislação de incentivos fiscais para a cultura e fez a defesa da identidade cultural brasileira.

Era o resgate de sua experiência frente à Sudene, quando percebeu que o Nordeste brasileiro tinha um ativo cultural importante e idealizou a Artene, com a função de levar assistências técnica e financeira ao artesanato da região, gerando renda para as famílias que se dedicavam a essa atividade. Na visão de Celso Furtado, o Brasil deveria transformar sua imensa diversidade cultural em serviços de primeira linha, por meio da economia criativa e de um desenvolvimento equalizador das desigualdades regionais. 

Angustiado pela ausência de um projeto nacional de inserção soberana do País no mundo globalizado na virada do século, publicou o livro de ensaios O longo amanhecer, título também da cinebiografia lançada em 2008 com base em entrevista concedida pelo economista cinco meses antes de sua morte. Sua derradeira constatação é amarga e permanece atual: “Em nenhum momento de nossa história foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser”.    

HERBERT CARVALHO Paula Seco
HERBERT CARVALHO Paula Seco