Cem anos do rádio brasileiro

09 de setembro de 2022

O rádio fez sua estreia no Brasil em 7 de setembro de 1922, quando o discurso do presidente Epitácio Pessoa pelo centenário da Independência foi transmitido para 80 receptores instalados em praças públicas do Rio de Janeiro, São Paulo, Niterói e Petrópolis. Uma antena no alto do Corcovado possibilitou ao público dessas cidades a sensação inédita de ouvir a ópera O Guarani, de Carlos Gomes, que estava sendo cantada no Teatro Municipal da então capital da República.

A

Apenas um ano depois, entraria no ar a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a primeira estação do País, iniciativa do antropólogo Roquete Pinto e do cientista Henrique Morize. Idealizada nos moldes da BBC de Londres, tinha propósitos estritamente culturais e educativos. “Não a fundamos para só irradiar o que o público deseja, mas, principalmente, para transmitir aquilo que o povo precisa”, resumia Roquete Pinto.

A propagação no espaço de sinais de rádio por meio de ondas eletromagnéticas, à semelhança do que ocorre com a luz, foi uma descoberta do físico alemão Heinrich Hertz, em 1887. Em sua homenagem, as frequências das estações emissoras, que aparecem nos dials dos aparelhos receptores, são expressas em ondas hertzianas.

Coube a outro cientista, porém, o italiano Gugliemo Marconi, patentear o sistema de sintonização, na mesma altura de onda, entre um aparelho transmissor e outro receptor, conectados com auxílio de antenas. Essa descoberta revolucionou a comunicação e teve enorme impacto na cultura, na economia e na política: pela primeira vez, uma mensagem podia chegar simultaneamente a milhões de pessoas.

Na década de 1920, as emissoras se espalham pelo território nacional, organizadas nos moldes de Rádio Clube, com associados que bancavam os custos por meio de mensalidades. Ouvir rádio, por sua vez, era uma espécie de hobby, que exigia habilidade para montar os primitivos aparelhos de cristal de galena, com suas antenas de dez metros de comprimento e audíveis apenas por fones de ouvido.

Essa fase heroica se encerra na década de 1930, quando Getúlio Vargas edita decreto regulamentando a radiodifusão a partir do modelo estadunidense, baseado na concessão de canais a particulares e na liberação da propaganda comercial. Em paralelo, chegam ao País os rádios elétricos com alto-falantes, prontos para o funcionamento, que passam a ocupar lugar de destaque nas salas das residências.

Ao transformar-se em meio de informação e entretenimento massivo, o rádio ganhou importância fundamental na propagação da música popular, das radionovelas, dos programas humorísticos e do futebol. Promoveu a identidade nacional e a integração territorial, superando a barreira dos altos índices de analfabetismo.

Papel essencial nesse processo foi desempenhado pela Rádio Nacional, inaugurada em 1936 no edifício-sede do jornal A Noite, na Praça Mauá, no Rio de Janeiro, palco dos célebres programas de auditório lotados pelos fã-clubes dos artistas. Utilizando transmissores potentes que alcançavam outros Estados, surgiu com a pretensão de ser a principal emissora do País, com seu elencode artistas exclusivos – como Orlando Silva, o “cantor das multidões”.

Isso aconteceria rapidamente a partir de 1940, quando foi encampada pelo Estado Novo. Transformada em rádio oficial do governo brasileiro, mas administrada empresarialmente, os lucros com publicidade permitiram que houvesse várias orquestras e os melhores profissionais nos quatro núcleos que sustentavam a programação radiofônica da época: música, dramaturgia, jornalismo e programas de variedades.

Em 1941, apresenta a primeira radionovela, Em busca da felicidade, e coloca no ar o Repórter Esso, precursor dos jornais radiofônicos e televisivos que conquistaram credibilidade e audiência pela objetividade da notícia, sem adjetivações. Patrocinado pela empresa Standard Oil, seu conteúdo era produzido pela United Press International (UPI) e supervisionado pela agência de publicidade McCann-Erickson que, com sua congênere Thompson, impulsionava o setor radiofônico por meio de anúncios das multinacionais em fase de instalação no País. “Testemunha ocular da história”, conforme seu slogan, foi pela voz do apresentador Heron Domingues que os brasileiros ouviram notícias – e nelas acreditaram – como o fim da Segunda Guerra Mundial e o suicídio de Getúlio Vargas.

Colocado no centro da nascente indústria cultural brasileira nos anos 1940, o rádio contribuiu para a emancipação feminina ao dar espaço para cantoras posteriormente lançadas ao estrelato, como Carmem Miranda e as famosas Rainhas do Rádio, com suas ruidosas torcidas: as eternas rivais Marlene e Emilinha Borba, as irmãs Linda e Dircinha Batista, além de Dalva de Oliveira, que abandonou a sombra do marido Herivelto Martins para provar que podia fazer sucesso sozinha. Exorcizada pela família tradicional, Dalva transformou-se na ídola das prostitutas, concubinas e homossexuais.

Ao transformar-se em meio de informação e entretenimento massivo, o rádio ganhou importância fundamental na propagação da música popular, das radionovelas, dos programas humorísticos e do futebol. Promoveu a identidade nacional e a integração territorial, superando a barreira dos altos índices de analfabetismo.

O destaque para a música popular brasileira teve um impulso decisivo dado pelo mais famoso dos radialistas, Henrique Foreis Domingues, o Almirante. Conhecido como “a mais alta patente do rádio”, ele criou programas como Curiosidades Musicais, de 1938, e Caixa de Perguntas, que inaugurou o formato de quiz em auditórios, até hoje praticado.

Programas de calouros – como o de Ari Barroso, responsável pela revelação da cantora Elza Soares – e humorísticos do tipo Balança mas não cai, migraram do rádio para a televisão, assim como as novelas. O dramalhão cubano O direito de nascer, porém, não alcançou na versão televisiva o mesmo sucesso da radiofônica, transmitida em 314 capítulos, durante três anos.

Após a renúncia de Jânio Quadros, quando já estava instalado nos carros e miniaturizado pelo advento do transistor, o rádio foi o instrumento utilizado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, para assegurar a posse de João Goulart na Presidência da República, por meio da Rede da Legalidade, formada por centenas de emissoras.

Em 1964, os golpistas vitoriosos se vingam. A prisão de astros da Rádio Nacional e o fechamento de rádios legalistas como a Mayrink Veiga, acelera o avanço da televisão. No século 21, contudo, o rádio brasileiro continua vivo graças à convergência tecnológica, que permite ouvir podcasts pela internet, por meio de celular ou computador.

Para saber mais: No tempo de Almirante – Uma história do Rádio e da MPB – Sérgio Cabral, Francisco Alves Editora, 1990.
As Rainhas do Rádio – Maria Luísa Rinaldi Hupfer, Senac Editoras, 2009.

Herbert Carvalho Paula Seco
Herbert Carvalho Paula Seco