No momento em que as atenções estão voltadas para a celebração do Bicentenário da Proclamação da Independência do Brasil, os créditos do protagonismo histórico costumam ser devotados a um homem: o príncipe regente, que se tornaria o primeiro imperador do País, Dom Pedro I (1798-1934).
Contudo, é oportuno aproveitar a efeméride para relembrar também o papel de outros personagens da época — pessoas que tiveram participação importante no episódio de emancipação política do Brasil. É o caso de Leopoldina (1797-1826), a princesa nascida na Áustria que, casada com o monarca brasileiro, se tornaria a primeira imperatriz do Brasil.
Nos últimos anos, um extenso trabalho de pesquisa foi realizado por vários estudiosos sobre o importante papel que ela, uma mulher de sólida formação intelectual, teve nos passos políticos tomados pelo Brasil, que, naquele momento, se desvencilhava de Portugal. Fato é que ela presidiu, em 2 de setembro daquele ano, o Conselho de Estado em que os ministros concordaram que o melhor para o Brasil seria separar-se de Portugal — e ali ficou acertado que o príncipe regente, Pedro, em viagem à província de São Paulo, deveria ser informado o mais rapidamente possível dessa decisão.
É preciso contextualizar esse dado histórico. Leopoldina estava no comando de tal reunião justamente por causa da ausência de Pedro. Antes de empreender viagem, no dia 13 de agosto, o príncipe publicou um decreto em que transferia os poderes de regência do Reino do Brasil para Leopoldina.
Mas ela não tinha grandes poderes na função, pois o documento determinava que Leopoldina precisava “dar imediatamente parte para receber a minha aprovação e ratificação, pois espero que nada obrará que não seja conforme às leis existentes e aos sólidos interesses do Estado”, afirma o texto, assinado por Dom Pedro.
Professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o historiador Paulo Henrique Martinez ressalta que esse poder momentâneo conferido a Leopoldina não pode ser entendido como a presença “do papel da mulher na política brasileira”. “Ela cumpria ali um papel político muito claro, muito consciente de suas tarefas, muito bem assessorada em todas as questões. Agiu como uma princesa europeia em um momento de tensionamento político”, contextualiza ele.
“Na ausência do príncipe regente, cabia a ela o papel de representação da regência perante o corpo diplomático, a administração do Estado e o atendimento de questões e demandas políticas variadas”, explica Martinez. Nos últimos anos, entretanto, chegaram a viralizar nas redes sociais posts afirmando que Leopoldina foi aquela que assinou a declaração de Independência do Brasil, numa narrativa que busca valorizar o protagonismo feminino na história política nacional.
Biógrafo da imperatriz e de outras figuras da família imperial brasileira, o pesquisador Paulo Rezzutti deixa bem claro: isso não passa de fake news. Até porque, ressalta ele, ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil não teve um documento que possa ser chamado de “Declaração de Independência” — a ruptura foi um processo.
De acordo com checagens de dados, essa imagem de Leopoldina assinando o suposto decreto acabou sendo disseminada na época da eleição que elegeria Dilma Rousseff (PT) em seu primeiro mandato, em 2010. “Foi um boato para reforçar que mulheres já haviam feito coisas grandes no País”, aponta ele. “E o boato foi se sedimentando, porque é muito mais fácil entregar uma verdade pronta para uma população que não está acostumada a estudar história do que explicar todo o processo.”
Inegavelmente, do ponto de vista historiográfico, Leopoldina, com sua formação sólida e seus conhecimentos profundos de geopolítica, foi grande artífice do processo de independência — tendo trocado diversas cartas a respeito e agido como conselheira de Dom Pedro ao longo de todo aquele período. “Ela fez o meio de campo entre o que dom Pedro queria e o que os brasileiros queriam”, afirma Rezzutti.
“Há cartas contundentes em que fica claro que ela atuou nos bastidores. Mas no período da viagem de Dom Pedro, quando ela se tornou a regente, não dá para dizer que ela teve uma função executiva no governo, pois o decreto ressaltava que ela precisava dar ciência de tudo ao então príncipe. E não há nenhuma assinatura de Declaração de Independência”, diz o pesquisador.
Mas se a ata dessa reunião de 2 de setembro precisava chegar a Dom Pedro — e isso ocorreu no Ipiranga, no famoso 7 de setembro que entraria para a história —, eis um personagem que vale ser lembrado: Paulo Emílio Bregaro. Ele era oficial do Tribunal Militar e foi o encarregado de levar essa correspondência para a província paulista, incumbido de encontrar a comitiva de Dom Pedro em algum ponto do trajeto. Conseguiu. E sua missiva teria desencadeado o famoso grito da Independência.
O portador da correspondência acabou merecendo um aposto na história. E se tornou o patrono dos Correios, considerado uma espécie de primeiro carteiro do Brasil. “Bregaro chegou, com as cartas do Rio e as informações a respeito do que ocorria na corte portuguesa, com a intenção de recolonizar o Brasil, na altura onde, hoje, fica o Museu do Ipiranga”, diz Rezzutti.
Quem incumbiu Bregaro de entregar esse material foi José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), ministro e conselheiro. Ele teria recomendado pressa absoluta. “Arrebente e estafe quantos cavalos necessários, mas entregue a carta com toda a urgência”, teria dito, segundo uma versão. “Se não arrebentar uma dúzia de cavalos no caminho, nunca mais será correio. Veja o que fez”, seriam suas palavras, conforme outro relato.
Inegável também foi o papel de Andrada e Silva no processo de emancipação. Ministro do príncipe regente, desde o início, se manifestou favorável à independência. Após a separação, acabou se incumbindo de organizar a centralização do império, inclusive planejando ações militares para conter focos de resistência à separação de Portugal.
Ele acabou sendo eternizado como o “patriarca da Independência”. Em 2018, uma lei federal oficializou a personalidade histórica como o Patrono da Independência do Brasil.
Por fim, vale ressaltar ainda a existência de outro personagem importante, dentro dos círculos próximos a Dom Pedro, para que a independência fosse proclamada: o político Francisco Gomes da Silva (1791-1852), mais conhecido como Chalaça, amigo e confidente daquele que se tornaria o primeiro imperador brasileiro.
Na juventude, Chalaça foi dos amigos mais próximos de Pedro, eram companheiros de esbórnias e aventuras. No limiar dos acontecimentos que precipitariam a independência, o político passou a ser um entusiasta da ideia da separação de Portugal — e, como confidente e homem de confiança do príncipe, teria o ajudado a ver que este seria o caminho mais interessante.
Na viagem que Dom Pedro fez a São Paulo, quando seria a independência proclamada, ele integrou a chamada Guarda de Honra da comitiva. Ao longo daquele decisivo mês, atuou como secretário particular — uma espécie de faz-tudo –, quebrando todos os galhos necessários para o príncipe.