Um canal de comunicação que nasceu da urgência em debater questões políticas e socioeconômicas sob os mais variados prismas e com a participação de representantes da sociedade.
No início da década de 1960, o mundo é impactado por dois acontecimentos marcantes do século 20: a crise dos mísseis em Cuba, auge da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, e o Concílio Vaticano II, movimento de modernização da Igreja Católica deflagrado pelo papa João XXIII. Por aqui, em janeiro de 1963, o presidente João Goulart recupera, por meio de um plebiscito, os poderes perdidos com a introdução do parlamentarismo, dois anos antes.
O plebiscito fora a solução encontrada quando, após a renúncia de Jânio Quadros, os ministros militares se recusaram a permitir a posse imediata do então vice-presidente da República. Jango, como era conhecido, propunha um pacote de leis para regular a propriedade fundiária no campo e nas cidades – as denominadas reformas de base, que incluíam o direito de voto para os analfabetos, que viria a ser reconhecido apenas pela Constituição de 1988.
Assustadas pelo que consideram atitudes extremistas (e mesmo subversivas) do governo, as entidades empresariais da indústria e do comércio passam à oposição. Em São Paulo, são criados os Centros da Indústria e do Comércio nas respectivas federações, como medida de cautela: se houvesse intervenção governamental nas entidades patronais sindicais, seus membros continuariam atuando por meio das entidades de caráter privado representadas por esses centros.
No caso específico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, uma medida adicional que se revelaria estratégica foi tomada: a publicação da revista Problemas Brasileiros. Por meio dela, a mensagem dos empresários do setor era clara: embora discordassem das reformas propostas por Goulart, reconheciam a existência de graves questões sociais e econômicas herdadas desde o tempo colonial, que deveriam ser debatidas da forma mais ampla e democrática por toda a sociedade.
O número inaugural, datado de abril de 1963, foi impresso em formato de livro e estampava na capa o plano-piloto de Brasília. O conteúdo trazia as discussões travadas no Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo – FCESP (atual Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo – FecomercioSP).
Durante os anos de 1960 e 1970, a PB, como passou a ser chamada, viveu tempos áureos sob a direção de Rui Nogueira Martins, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado “dado às letras”, segundo a definição de Elio Gaspari no livro A ditadura encurralada (Editora Intrínseca).
O jornalista Henrique Pita, editor da PB durante mais de 25 anos, conta que a publicação dispunha de um departamento de criação de primeira linha, comandado pelo artista plástico, ilustrador e diagramador Tide Hellmeister (1942-2008). “A apresentação gráfica era um show de criatividade. Lembro muito bem da capa que, para ilustrar a degradação das águas marinhas, apresentou uma espinha de peixe rasgando a capa de cima a baixo, e em alto relevo no fundo prateado. Genial.” Essas capas foram expostas numa exposição do designer realizada em 2017, pelo Sesc Bom Retiro, em São Paulo.
Viviam-se, entretanto, os “Anos de Chumbo”, e os empresários já haviam se desiludido quanto à ditadura militar, instalada em 1964. Pita se recorda de uma matéria publicada com o título “Totalitarismo político”, que desagradou os donos do poder. Soma-se a isso o fato de que Nogueira Martins era também diretor da TV Cultura durante os episódios que culminaram na morte do jornalista Wladimir Herzog, em 1975.
Como gota d’água, em 1977 ocorre o episódio descrito por Gaspari na obra citada, uma nota oficial distribuída à imprensa pela Federação do Comércio, vazada nos seguintes termos: “Abre-se, agora, o ciclo da instauração e consolidação das franquias democráticas, do sistema representativo, da participação popular na vida nacional”.
O texto, com as digitais do diretor da PB, prosseguia de maneira ainda mais incisiva: “O País deve iniciar a retomada do pleno Estado de direito. Queríamos um regime democrático, e não um regime espúrio quando preparávamos o movimento de 31 de março”. Foi, de acordo com Gaspari, a primeira manifestação de rebeldia empresarial contra o regime militar, e desencadeou pressões que resultaram na suspensão da publicação, no fim da década de 1970.
Em 1979, a PB volta a circular, sob a direção do professor catedrático Dorival Teixeira Vieira, um dos representantes paulistas na Conferência das Classes Produtoras, realizada em Teresópolis (RJ) em 1947, que decidiu pela criação do Sesc, do Senac e das demais entidades do Sistema S.
Psicólogo, economista, sociólogo e administrador de empresas, com mais de 20 livros publicados sobre economia, Vieira obteve o título de doutor com a tese “A evolução do sistema monetário brasileiro”. Também diretor do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP na época, ele passa a publicar, como encarte da PB, os debates e trabalhos do órgão, prática que se manteria até 2016. A revista entra em fase de contenção de custos e perde a exuberância na apresentação gráfica, mas ganha em conteúdo, na efetiva discussão dos problemas do País.
E que problemas eram esses? Já na primeira edição da revista, ainda em 1963, Vieira fazia, no artigo intitulado “Intervenção de Estado e livre empresa”, uma advertência que ainda hoje, 60 anos depois, soa plenamente atual: “É frase feita dizer-se que o Brasil se encontra à beira do abismo. Documentos parlamentares de diferentes épocas são monotonamente semelhantes ao indicarem a situação angustiosa e precária das finanças e a necessidade de progresso técnico e desenvolvimento econômico. Talvez, por isso, sorrimos e continuamos indiferentes à realidade”.
Nos primeiros anos da PB, os mais angustiantes problemas nacionais eram a inflação – em torno de 48% ao ano – e o analfabetismo, que atingia quase a metade dos brasileiros. O crescimento populacional, de cinco vezes no século 19, explodiu para dez vezes nos cem anos seguintes: de 3,4 milhões de habitantes, em 1800, para 170 milhões, no ano 2000. As altas taxas de fecundidade fizeram com que a população de 71 milhões de pessoas, em 1960, desse um salto para 93 milhões, em 1970, fato destacado na conquista do tricampeonato do mundial de futebol naquele ano, pelo jingle ufanista: “Noventa milhões em ação, salve a seleção. De repente é aquela corrente pra frente. Parece que todo o Brasil deu a mão. Todos ligados na mesma emoção”.
Quando o milagre econômico brasileiro entra em decadência, no início dos anos 1970, até o general-presidente Garrastazu Médici reconhece, em célebre frase dita durante uma visita ao Nordeste, devastado pelas consequências da seca, como a desnutrição e a mortalidade infantil: “O País vai bem, mas o povo vai mal”. O Brasil que ia “pra frente”, de acordo com a propaganda oficial, começa a andar de lado, em especial depois que a Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) decide aumentar os preços do produto.
A dependência de combustível importado e as demais mazelas são discutidas nas páginas de Problemas Brasileiros, que, em março de 1972, trocou o formato de livro pelo de revista e passou a incluir temas que – apesar de hoje estarem na ordem do dia –, à época, recebiam as primeiras abordagens, como poluição, ecologia e energias alternativas. Falava também de imigração, favelas e urbanismo, além de um assunto que, antes de ser objeto de atenção das autoridades, foi alvo de programas desenvolvidos pelo Sesc: a terceira idade.
Como a FecomercioSP pode ser considerada uma “mãe” no organograma do sistema sindical patronal, seus dois “filhos”, o Sesc e o Senac de São Paulo, patrocinaram a revista até 2016, quando a entidade empresarial assumiu a responsabilidade de manter a publicação. Contudo, a relação destas entidades com a PB foi muito além do suporte financeiro: todas as expertises do Senac, na formação de mão de obra, e do Sesc, na melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e na construção da cidadania, se refletiram em suas páginas.
Livre de alinhamentos automáticos de qualquer natureza, a revista se manteve aberta à diversidade de opiniões e acolheu assuntos ligados a economia, política, saúde, ciência e educação. Deu especial destaque à cultura, com críticas e resenhas de livros, registrando vida e obra de grandes autores e criadores no teatro, no cinema, na música e nos mais diversos movimentos culturais e nas manifestações artísticas.
Destacada no meio editorial brasileiro por sua independência, nenhum tema relevante deixou de ser abordado ao longo de 475 edições. Exemplo de posicionamento ousado e polêmico assumido foi a matéria de capa publicada na edição 396, de 2009: “Um poder sem limites? País discute a regulamentação da mídia”. O tema é tabu nas publicações exclusivamente comerciais, que rechaçam até mesmo a regulamentação econômica da mídia, mas comum na maioria dos países desenvolvidos.
A diversidade e a profundidade dos assuntos tratados despertaram, desde o início, o interesse das comunidades acadêmicas nacional e internacional. “Leio a revista de ponta a ponta e, depois, repasso para estudantes que a utilizam como material de pesquisa”, comentava o engenheiro Alberto Ferreira, morador de Santos (SP), na edição comemorativa dos 50 anos, em 2013. Presente em bibliotecas no País e no exterior, tornou-se fonte obrigatória de pesquisas para brasilianistas e demais estudiosos da realidade nacional. “Era estudante quando tive contato pela primeira vez com a Problemas Brasileiros, lá pelos anos 1970. A revista me chamou a atenção, pelo seu jeito diferente de ser e apresentar os temas. Mal imaginava que, anos depois, estaria trabalhando nela”, revela Henrique Pita, o seu mais longevo editor.
Os debates das reuniões do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP, publicados como encarte até a última edição sob a gestão do Sesc e do Senac de São Paulo, em maio/junho de 2016, levantaram temas que, ainda hoje, estão em voga, como a Reforma Tributária, sempre a partir da presença de um especialista. Na reunião realizada em novembro de 2008 e divulgada na edição 391, de janeiro/fevereiro de 2009, o convidado foi o economista Bernard Appy, o mesmo que, atualmente, está à frente de uma secretaria do Ministério da Fazenda, exatamente para tentar, enfim, dar ao Brasil um sistema tributário simplificado.
O seus conceitos, então veiculados pelo encarte, continuam balizando a questão: “A Cofins é o tributo que tem o maior número de ações judiciais”; “Temos um sistema de tributos indiretos que onera investimentos e exportações”; “Cobrar parte relevante do imposto no Estado de origem traz uma série de distorções”; “Entre outras mudanças, uma extremamente importante é a unificação do ICMS”; “Do ponto de vista da distribuição de renda, a principal medida é a criação do IVA federal”.
Entre 2006 e 2016, estiveram no conselho (e nos encartes da PB), debatendo os temas de suas especialidades, os ex-ministros da Fazenda Delfim Netto e Luiz Carlos Bresser-Pereira, e os ex-ministros da Educação Cristovam Buarque e Renato Janine Ribeiro. As relações com outros países foram discutidas pelo ex-ministro de Relações Exteriores Celso Lafer, pelo embaixador Marcos Azambuja e pela ex-embaixadora dos Estados Unidos no Brasil Donna Hrinak.
Alguns ex-ministros compareceram mais de uma vez. Adib Jatene, da Saúde, falou, em 2008, sobre os avanços da cardiologia e, em 2013, sobre o ensino médico no País. José Goldemberg, que foi ministro da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente, falou, primeiro, a respeito da questão energética e, por último – no derradeiro encarte veiculado em 2016 –, do Brasil e o aquecimento global.
A questão indígena e a preservação da Amazônia foram temas de várias reportagens de capa. Na virada do século, a edição 388, de março/abril de 2000, proclamava no título os “500 anos de resistência” dos povos originários brasileiros. Em mais de 20 páginas, a revista relatou a luta pela demarcação de terras, o alastramento do suicídio em algumas etnias, a dura vida dos sertanistas e o preconceito revelado pela generalização da palavra “índio”, que não leva em conta a imensa diversidade cultural destas populações. Na “Carta ao Leitor”, a denúncia de um massacre de cinco séculos: “Foram literalmente perseguidos, dizimados, escravizados, convertidos à força. E resistiram”. Uma resistência, hoje, expressa na criação do Ministério dos Povos Indígenas.
O “insustentável avanço da soja na Amazônia” e a falta de pesquisadores na região foram os destaques das edições 380 e 377, respectivamente. Na edição 390, o foco recai sobre a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, modelo que envolveu a população ribeirinha do Rio Jarauá, no Amazonas, nos diversos manejos ali desenvolvidos.
Jornalistas consagrados também passaram pelas páginas de Problemas Brasileiros. Um deles foi Leonardo Sakamoto, colunista do UOL premiado em 2017 pelo Departamento de Estados norte-americano pela luta contra a escravidão contemporânea. A sua reportagem “Homens-tatu do sertão”, publicada na edição de maio de 2003, lhe valeu o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos no mesmo ano, na categoria Revista. Cecília Prada, primeira mulher a receber o prêmio Esso de Jornalismo, em 1979, foi colaboradora assídua durante décadas.
A sua reportagem “Homens-tatu do sertão”, publicada na edição de maio de 2003, lhe valeu o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos no mesmo ano, na categoria Revista.
Com a reconfiguração editorial ocorrida a partir do momento que a publicação foi assumida pela FecomercioSP, em 2016, os temas relacionados à atividade empresarial ganharam espaço. As causas do atraso estrutural do País em áreas como Saúde, Educação, Infraestrutura, Saneamento Básico e Sistema Tributário se mantiveram presentes por meios de reportagens, artigos, entrevistas, ensaios, charges e debates com especialistas.
Exemplos da ênfase colocada sobre novos rumos para a atividade empresarial foram as capas das edições 463 e 466, dedicadas às práticas ESG – sigla em inglês que significa Environmental, Social and Governance (ambiental, social e de governança). O significado dos reposicionamentos editorial e gráfico ocorridos sete anos atrás pode ser assim resumido: difundir a mensagem de que o futuro do capitalismo, no século 21, está indissoluvelmente ligado à capacidade de empresas e governos promoverem práticas socioambientais e de governança. Mobilizar os empresariados paulista e brasileiro em torno desta agenda passa a ser o diferencial da PB, que, como porta-voz da FecomercioSP, não se limita a informar, mas também a ajudar na formação das novas lideranças do setor.
Em meio ao declínio dos meios impressos, a internet compensa a rigidez da edição física e permite abrigar de maneira complementar, no site da revista, lançado em 2020, opiniões acadêmicas e reportagens acerca de temas variados. Tanto num caso como no outro, a elegância do projeto gráfico e das ilustrações fazem a diferença.
Para ampliar o público-leitor, a PB vem, desde 2016, firmando parcerias com organizações do terceiro setor e universidades. O objetivo é unir forças com atores interessados na discussão de assuntos relevantes da atualidade. Em março de 2019, por exemplo, a revista promoveu um debate entre especialistas no Centro de Liderança Pública (CLP), em São Paulo. Em pauta, os limites da compulsão por jogos eletrônicos, considerada uma doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS), assunto da reportagem de capa da edição 450.
Outro evento discutiu o futuro da educação, temática da edição especial de outubro de 2018. Esses fóruns foram abertos ao público e gravados em vídeo, em uma parceria com o canal UM BRASIL, também mantido pela FecomercioSP. Política é um assunto recorrente nas páginas de PB. Em setembro de 2019, o ambiente político foi retratado de um jeito diferente: o jornalismo em quadrinhos. A renovação no Congresso Nacional foi contada em HQ, com perfis de dez deputados federais eleitos pela primeira vez. Um debate sobre a formação de novos líderes políticos marcou o lançamento da edição. Todas essas ações de reposicionamento editorial proporcionaram à publicação o Prêmio Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) em 2019, na categoria Mídia Impressa.
A continuidade da tradição de estabelecer uma relação entre a cultura, a arte e a história do Brasil ficou bem expressa na edição 467, de janeiro de 2022, dedicada a celebrar o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922. As palavras do empresário Abram Szajman, presidente da FecomercioSP, no editorial, atualizam a proposta da Problemas Brasileiros na perspectiva de construção da cidadania: “Nesta quadra de incertezas, com o País mergulhado em crises múltiplas, diante de visíveis e preocupantes sinais de convulsão social, defender a cultura significa preservar o Estado democrático de direito e rejeitar a intolerância e a violência, assim como qualquer forma de discriminação por raça, gênero, religião ou orientação sexual”.