A história do Brasil se mistura à história do trabalho. A intensa industrialização da virada para o século 20 contava com uma mão de obra extenuada com jornadas de até 15 horas diárias em fábricas cheias de crianças. Operários que, ainda assim, viviam em condições miseráveis. Imigrantes italianos trouxeram na bagagem os ideias anarcossindicalistas que levaram às reinvidicações por jornada de oito horas e melhores condições de trabalho. E o 1º de Maio se torna o símbolo que é até hoje. Até o início dos anos 1920, greves e manifestações dos trabalhadores se sucederam no Brasil e atingiam o clímax a cada Dia do Trabalhador, como em 1918, quando a data foi comemorada no Rio de Janeiro em pleno estado de sítio.
A repressão policial deixava mortos e feridos pelas ruas a cada confronto, evocando a origem da própria data, uma homenagem decidida em 1889 pelo Congresso Internacional Socialista para lembrar os operários massacrados três anos antes, em Chicago, nos Estados Unidos, e reforçar a luta pela conquista da jornada máxima de oito horas de trabalho.
Ainda na época do Império, quando o País tinha a economia sustentada pelo trabalho dos escravizados, a primeira greve de operários livres ocorreu em 1858, quando os gráficos do Rio de Janeiro paralisaram a publicação dos jornais Diário do Rio de Janeiro, Correio Mercantil e Jornal do Commercio, exigindo melhores salários.
No início do século 20, a multiplicação das indústrias introduz, no panorama das cidades brasileiras, as reivindicações dos trabalhadores por aumento salarial e redução da jornada de trabalho. Apesar de trabalhar até 15 horas por dia, setores da população viviam em condições miseráveis nos bairros de Bangu, Gamboa e São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e Brás, Bexiga e Cambuci, em São Paulo. É no planalto de Piratininga, epicentro da imigração italiana e da agitação anarcossindicalista nas fábricas que, no dia 1º de maio de 1907, irrompe uma greve em defesa da jornada máxima de oito horas de trabalho, reivindicação que se alastra por Santos, Ribeirão Preto e Campinas. A paralisação é desencadeada na construção civil e nas indústrias metalúrgica e da alimentação — e logo engrossada pela adesão de gráficos, sapateiros, têxteis e empregados da limpeza pública.
Um manifesto das costureiras paulistas proclamava: “É necessário que recusemos trabalhar também de noite, porque isso é vergonhoso e desumano. Enquanto muitos homens conseguiram a jornada de oito horas, nós, mulheres, que somos do ‘sexo fraco’, temos que trabalhar 16 horas! Como se pode estudar, ou simplesmente ler um livro, quando se vai para o trabalho às 7 da manhã e se volta para casa às 11 da noite?”, afirmava o texto.
Além da jornada extenuante, nas primeiras décadas do século 20, não existiam nem Previdência Social, nem aposentadoria. Metade da força de trabalho era constituída por crianças, muitas com cinco ou seis anos de idade, constantemente espancadas pelos capatazes. As mulheres, mais numerosas na indústria têxtil, recebiam salários inferiores e viviam à mercê das investidas sexuais dos chefes. Mutilações pelas máquinas, além de frequentes, não eram indenizadas.
O significado do 1º de Maio começa a mudar no Brasil em 26 setembro de 1924, quando um decreto do então presidente Arthur Bernardes consagra a data como feriado nacional, em homenagem ao Dia do Trabalhador. Um ano antes, a Lei Eloy Chaves, reconhecendo incialmente aos ferroviários o direito a um pagamento mensal durante a velhice, retirava a questão social dos “casos de polícia”, como foi tratada na maior parte da República Velha. Após a Revolução de 1930, Getúlio Vargas consagra a comemoração por meio de cerimônias cívicas gigantescas em estádios de futebol, às quais comparecia para anunciar benesses aos trabalhadores, como no simbólico 1º de maio de 1943, durante a ditadura do Estado Novo, quando outorgou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
No início dos anos 1950, ao voltar ao poder pelo voto popular, Vargas enfurece os opositores ao anunciar um aumento de 100% para o salário mínimo. Em 1ºde maio de 1954, quando se ouviu pela última vez o clássico bordão “Trabalhadores do Brasil” em pronunciamento radiofônico, ele causa profundo impacto ao mencionar, em tom profético, a possibilidade de um futuro governo dos trabalhadores: “Como classe, podeis imprimir ao vosso sufrágio a força decisória do número. Constituís a maioria. Hoje, estais com o governo. Amanhã, sereis governo”. Um discurso que, segundo o biógrafo Lira Neto, “selou o destino de Getúlio Vargas”, acossado até o dia fatídico de seu suicídio, em 24 de agosto de 1954.
Após o golpe cívico-militar de 1964, a ditadura suprimiu as comemorações do 1º de Maio, o que não impediu que, em 1968, no auge das manifestações que precederam a decretação do famigerado AI-5, a data reunisse mais de 100 mil pessoas na Praça da Sé, em São Paulo. O ato foi autorizado pelo então governador paulista Roberto de Abreu Sodré, que ainda cometeu a temeridade de comparecer. Atacado pela esquerda radical, que pregava a luta armada, o comício foi dissolvido a pauladas, conforme o relato de Elio Gaspari na obra A ditadura envergonhada: “Quando o primeiro orador tentou falar, foi abafado pelas vaias. Sodré, com a autoridade de governador do Estado, pegou o microfone e começou: ‘Trabalhadores de São Paulo: nós, os trabalhadores…’. Primeiro, sumiu o som. Depois, choveram paus, ovos e pedras. Uma batata cravejada acertou a cabeça do governador, deixando-a com um talho. O palanque foi invadido e incendiado.”
Nas décadas de 1970 e 1980, as manifestações são lembradas de forma sombria por Paulo Pereira da Silva, ex-presidente da Força Sindical: “Como era o 1º de Maio? Na primeira vez que fui, havia cem pessoas na Praça da Sé xingando a polícia. E todo ano era assim: 200, 300 pessoas falando mal do governo, entre nós mesmos”.
Coube à central por ele dirigida introduzir, nos anos 1990, o marketing que transformaria a data em espetáculo, com cantores de sucesso e sorteios de carros atraindo multidões para a praça Campos de Bagattelle, na zona norte de São Paulo. No século 21, porém, os “explorados” das manifestações típicas de 1º de Maio se transformaram em “desnecessários”. Enquanto os robôs substituem operários, a Inteligência Artificial (IA) é ameaça para boa parte do trabalho intelectual. O “chão de fábrica” não é mais o front laboral, e as questões que se colocam para os movimentos sindical e trabalhista são a precarização, a terceirização, a desigualdade salarial e a falta de proteção social para quem trabalha. Assim, a data — antes marcada por greves e enfrentamentos —, hoje, é apenas um retrato nostálgico, apontando para um futuro imprevisível.
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