Na passagem do século 19 para o 20, a humanidade se deslumbra com máquinas que transformam a civilização por meio da técnica e da ciência: automóvel, lâmpada elétrica, telefone, cinema e, para concretizar mais uma das profecias do escritor Júlio Verne, o aeroplano.
No centro da epopeia para fazer o homem voar por meios mecânicos, está um brasileiro de ascendência francesa, herdeiro riquíssimo de fazendas de café, que coloca a própria fortuna — e a capacidade de criar engenhocas voadoras — para inaugurar a era da aviação pelos céus de Paris.
O que faz Alberto Santos Dumont ser ampla e internacionalmente reconhecido como o “pai da aviação” não é o fato controverso de ter ele efetuado o primeiro voo em um aparelho mais pesado que o ar — vários nomes são citados ao redor do mundo como inventores do avião, inclusive os estadunidenses irmãos Wrigth.
A diferença entre outras tentativas, realizadas em campos de provas restritos a cientistas ou cercados por sigilo militar, é que os voos vitoriosos do inventor em torno da Torre Eiffel assumiram a forma de happening típico da Belle Époque , aplaudidos freneticamente pelo público parisiense e rapidamente difundidos por jornais e revistas.
Uma saga que começa a ser gestada na mesma capital da França um século antes, quando François Dumont, avô de Alberto, decide se embrenhar nos tijucos de Minas Gerais em busca de diamantes que custeariam os estudos de engenharia do filho Henrique Dumont, também em Paris.
Ao casar-se com Francisca de Paula Santos, herdeira de fazenda de café em Valença (RJ), o pai de Santos Dumont garantiu à prole de oito filhos uma base material que tratou de ampliar. No início dos anos de 1870, Henrique Dumont obtém a empreitada da construção de um trecho da Estrada de Ferro Central do Brasil e se estabelece com a família no então arraial de João Gomes, atual município de Santos Dumont, na região de Juiz de Fora (MG). Ali nasce, em 20 de julho de 1873, há 150 anos, aquele que seria “o primeiro a entrar no azul”, segundo a poética definição do escritor Coelho Neto.
A maior parte da infância, porém, Santos Dumont passa em Ribeirão Preto (SP), na fazenda Arindeúva, onde o pai chega a plantar 500 mil pés de café. Ao combinar a leitura da obra de Júlio Verne com os divertimentos de empinar papagaios e soltar balões, o menino começa a sentir o chamado daquele oceano de nuvens. “Eu me exercitava construindo aeronaves de bambu, cujos propulsores eram acionados por tiras de borracha enroladas”, recordaria mais tarde.
Na moderna propriedade paterna, que contava até com uma estrada de ferro particular, outra influência poderosa a estimular a imaginação do futuro inventor foram as máquinas de beneficiar café e as locomotivas, as quais chegou a dirigir aos 12 anos de idade. Aos 17, chega a Paris pela primeira vez, encantado com outra modernidade, o automobilismo. Com um Peugeot de três e meio cavalos de força, torna-se não apenas chofer, mas apende a tratar e consertar a máquina movida por motor a petróleo, mais compacto e leve, fundamental para os seus experimentos voadores.
Em 1892, pouco antes de morrer, Henrique Dumont o emancipa, entrega-lhe uma fortuna em títulos e uma orientação: o futuro do mundo está na mecânica. Esse futuro chega às suas mãos por meio do livro Andreé. Au Pole Nord em Ballon, que lhe permite contatar os construtores Lachambre & Machuron. É num balão esférico dessa firma que faz, em 1898, aos 25 anos, sua primeira navegação aérea, assim descrita: “Durante toda a viagem, acompanhei as manobras do piloto: compreendia perfeitamente a razão de tudo quanto ele fazia. Pareceu-me que ‘nasci’ mesmo para a aeronáutica. Tudo se me apresentava muito simples e muito fácil; não senti vertigens, nem medo”.
A partir daí, dedica-se inteiramente ao projeto de pilotar e construir máquinas voadoras cada vez mais aperfeiçoadas. Realiza dezenas de ascensões em cidades da França e da Bélgica para se familiarizar com as questões atmosféricas e manda construir para si um balão pequeno e leve, que batizou de Brasil.
O seu espírito febril não se conforma, porém, em depender da boa vontade dos ventos: “Se eu fizer um balão cilíndrico bastante comprido e fino, ele fenderá o ar…”, imaginou. E se acrescentar um motor a gasolina, hélice e leme (como fez), terá em mãos um dirigível capaz de realizar a façanha de contornar a Torre Eiffel e voltar ao ponto de partida, num percurso de 11 quilômetros, no prazo máximo de 30 minutos.
Esse desafio fora lançado por um dos membros do recém-fundado aeroclube da França, o bilionário Henri Deutsch de la Meurthe, e representou para Santos Dumont, além do prêmio de 100 mil francos (distribuídos por ele a mecânicos e operários), congratulações como a deste telegrama: “A Santos Dumont, o pioneiro dos ares, homenagem de Thomas Edison”. Esse dia 19 de outubro de 1901 ficou gravado na memória: “No trajeto, nem uma só vez olhei para os telhados de Paris: eu flutuava sobre um mar de branco e azul. Na volta, a uma altitude de 150 metros, continuei velozmente por cima dos juízes e espectadores. Gritei: ‘Ganhei?’. A multidão respondeu: ‘Sim’”.
Logo as caricaturas daquele brasileiro pequeno, magro e bigodudo, com o chapéu panamá desabado sobre a testa, monopolizam as capas de revista em escala planetária. Na cidade-luz, o seu dirigível de número 9, chamado Balladeuse, incorpora-se à paisagem: Santos Dumont o utilizava nos afazeres e para visitar amigos. Quando a série de dirigíveis chega ao número 14, o inventor concebe um aparelho com asas, como as de um pássaro, feito de bambu e caniços recobertos de seda, dotado de hélice, motor e trem de pouso. Para manobrá-lo, experimenta atar o invento ao dirigível, inaugurando um híbrido de balão e avião — o mais leve com o mais pesado que o ar —, o célebre 14-Bis.
Finalmente, no dia 23 de outubro de 1906, no Campo de Bagatelle, já desprendido do balão ou de qualquer outro apoio, o 14-Bis se eleva no ar por meios próprios e voa por 60 metros, a uma altura de um metro. O público delira: acaba de testemunhar o nascimento da aviação moderna. Em 1910, o inventor encerra as atividades de sua oficina, sem pretender patentes ou recompensas, como noticia o jornal Le Matin: “O Sr. Santos Dumont não deseja construir aeroplanos para vender. Põe o modelo à disposição de todos”.
Condecorado pelo governo francês com a Legião de Honra, passa a trabalhar pela popularização da aviação. No entanto, o uso de aviões em combates durante a Primeira Guerra Mundial transforma o sonho em pesadelo. Sofrendo de severa depressão, suicida-se no Guarujá (SP), aos 59 anos, em 1932, durante a Revolução Constitucionalista, que, para o seu desgosto, também contou com ataques e bombardeios aéreos.