Após a explosão das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, que puseram fim à Segunda Guerra Mundial, em 1945, o interesse pela física nuclear se disseminou pelas universidades de diversos países. Na época, uma das principais dúvidas era como os prótons se mantinham unidos no núcleo dos átomos. A questão intrigava o físico brasileiro César Lattes, que integrava, desde 1946, a equipe do H. H. Wills Laboratory, na Universidade de Bristol, na Inglaterra, chefiado por Cecil Frank Powell.
Lattes acreditava que a melhor maneira de chegar à resposta para a dimensão subatômica da matéria seria estudando os raios cósmicos. Assim, em 1947, subiu até o Chacaltaya, pico de 5 mil metros nos Andes bolivianos, onde conseguiu registrar, em chapas fotográficas Kodak, o méson pi, ínfima partícula responsável por manter “grudados” — como uma espécie de “cola” — nêutrons e prótons no interior do núcleo atômico.
A descoberta do que mantém um átomo coeso, relatada por ele em artigo publicado pela revista Nature daquele ano, marcou o início de um novo campo de estudos, a física das partículas elementares, posteriormente enriquecido pela física quântica. A façanha, que impactou o mundo científico, foi reconhecida pelo prêmio Nobel de Física de 1950. No entanto, a honraria não foi para as mãos de Lattes, mas para Powell. A razão: até 1960, a Academia Real Sueca de Ciências, responsável por apontar o vencedor, premiava apenas o chefe da equipe responsável pela pesquisa.
Ainda no ano da sua descoberta, Lattes recebeu uma homegem brasileiríssima e foi tema da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, com o samba-enredo Brasil, ciências e artes (de autoria de Cartola e Carlos Cachaça).
César Lattes foi o brasileiro mais próximo que já esteve de um Prêmio Nobel em qualquer das modalidades — uma das várias frustrações nacionais daquela década, como a perda da Copa do Mundo de Futebol, em 1950 — em pleno Estádio do Maracanã —, e a derrota da primeira Miss Brasil, a baiana Marta Rocha, que, apesar de favorita, ficou em segundo lugar no concurso de Miss Universo, em 1954, realizado nos Estados Unidos (EUA).
Embora filho de judeus sefarditas, Cesare Mansueto Giulio Lattes foi batizado na Igreja Católica em Curitiba, onde nasceu em 11 de julho de 1924. Os pais, imigrantes italianos da região do Piemonte, fixaram-se nos anos 1930 em São Paulo — onde, já com o nome resumido, Lattes estudou, primeiro, no Colégio Dante Alighieri e, depois, na Universidade de São Paulo (USP), pela qual se graduou em Física aos 19 anos.
Na USP, o seu mentor foi o professor e cientista Gleb Wataghin, responsável pela formação de uma geração de físicos que teve como destaque, além de Lattes, o pernambucano Mário Schenberg, considerado o maior físico teórico do Brasil, com trabalhos publicados nas áreas de Termodinâmica, Mecânica Quântica, Mecânica Estatística, Relatividade Geral, Astrofísica e Matemática.
Já a vocação de Lattes era mais voltada ao campo experimental. Após participar da pesquisa vencedora do Nobel, atuou como pesquisador visitante nas universidades da Califórnia e de Chicago, ambas nos EUA. No Brasil, dedicou-se a liderar iniciativas que alavancaram a ciência e a pesquisa, como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (no Rio de Janeiro), o Instituto de Matemática Pura e Aplicada e o atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Em reconhecimento ao papel de Lattes na fundamentação do Projeto de Lei (PL) 164/1948, que resultou na criação do CNPq, o sistema utilizado no Brasil para cadastrar cientistas, pesquisadores e estudantes leva o seu nome. Base de currículos e instituições de todas as áreas do conhecimento, a se tornou elemento indispensável à análise de mérito e competência dos pleitos apresentados a quase todas as agências de fomento de pesquisas no País.
Doutor honoris causa da USP em 1965, Lattes foi também fundador do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no qual dirigiu o Departamento de Raios Cósmicos, responsável pela descoberta das “bolas de fogo”, fenômeno espontâneo que ocorre durante colisões de altas energias. Aposentado em 1986, recebeu da Unicamp o título de professor emérito, que batizou com o nome do cientista a sua Biblioteca Central.
Casado com a matemática pernambucana Martha Siqueira Neto, com quem teve quatro filhas, viveu numa casa próxima à Unicamp até a morte, aos 80 anos, em decorrência de um câncer. Um dos poucos brasileiros citados na Enciclopédia Britânica e na Enciclopédia Biográfica de Ciência e Tecnologia de Isaac Asimov, César Lattes não se considerava injustiçado em relação ao Prêmio Nobel, apesar de seu nome ter sido indicado, e ignorado, pelo menos cinco vezes, entre 1949 e 1954. “Esses prêmios grandiosos não ajudam a ciência”, declarou em última entrevista, concedida à revista Superinteressante, em 2005. A canção Ciência e arte, que homenageia Lattes, foi regravada em 1999 por Gilberto Gil no álbum Quanta Live, premiado com o Grammy na categoria World Music.