O País convive com realidades extremas quando se fala de tratamento de água e coleta de esgoto. Por não apresentarem resultados imediatos, governantes não priorizam as obras de saneamento.
A disparidade na qualidade de tratamento de água e coleta de esgoto entre o munícipio mais bem posicionado no Ranking do Saneamento 2023 e o último colocado é proporcional à distância geográfica entre ambos. São 3.534 quilômetros que separam a próspera São José do Rio Preto, no noroeste paulista, da carente Macapá, capital do Estado do Amapá, cidade com 522 mil habitantes, dos quais apenas 36,6% recebem água tratada e 10,5% contam com rede de esgoto. A precariedade do saneamento da capital amapaense não vem de hoje: há dez anos, o município marca presença na lista dos dez piores no estudo realizado anualmente pelo Instituto Trata Brasil, com base nos dados dos 200 maiores municípios brasileiros.
Até o estudo divulgado neste ano (com base nos dados de 2021), os serviços de saneamento de Macapá eram de responsabilidade do governo estadual por meio da Companhia de Água e Esgoto do Amapá (Caesa). Pelos números apresentados, percebe-se que saneamento nunca foi prioridade dos governantes locais. Entre 2017 e 2021, o investimento médio anual foi de R$ 44,24 milhões, o que representa um valor médio anual de R$ 16,94/habitante. Os resultados, claro, são desastrosos — 76,13% da água que passa pelas tubulações não chega ao destino final, um indicador de perdas alarmante quando comparado ao de Santos (SP), por exemplo, que é de 15,94%.
Contudo, felizmente, há uma luz no fim do cano. Em julho do ano passado, o governo estadual assinou um contrato de concessão com a CSA Equatorial (do grupo Equatorial Energia) para serviços em 16 municípios, incluindo Macapá. O contrato tem prazo de 35 anos, com investimentos previstos de R$ 3 bilhões no período. “Havia alto índice de vazamento na rede, falta de controle de medição, baixo nível de hidrômetros, elevado desperdício de água e baixo índice de atendimento do sistema de água”, afirma José Ailton Rodrigues, presidente da CSA Equatorial.
Segundo Rodrigues, a precariedade dos serviços levou os moradores a buscar fontes alternativas de abastecimento, como poços. “Outro fator relevante foi a falta de investimentos na ampliação do sistema, uma vez que a cidade foi crescendo e surgindo muitos locais com sistemas de abastecimento independentes, mas com quantidade e qualidades duvidosas”, afirma.
Os investimentos iniciais ficarão concentrados na reabilitação dos sistemas; na aquisição de equipamentos novos; na modernização das estações de captação, bombeamento e tratamento de água e esgoto existentes; na manutenção dos sistemas isolados; na elaboração de planos de amostragem; na reforma e aquisição de equipamentos para os laboratórios; e na padronização e substituição dos hidrômetros.
Bons índices de saneamento têm um ponto em comum independentemente da região, na avaliação de Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil. “Trata-se de investimentos longos e constantes, já que os resultados não são imediatos. As 20 melhores cidades investiram, em média, R$ 166/ano por habitante, enquanto as 20 piores aplicaram recursos de R$ 55 ano/habitante, em média. O estudo desmistifica o senso comum quanto à precariedade das cidades das regiões Norte e Nordeste, uma vez que os municípios gaúchos de Pelotas e Gravataí apontaram números tão ruins quanto Santarém (PA), Marabá (PA) e Porto Velho (RO). “O fato de um município ter desenvolvimento industrial não está relacionado a gestões ineficazes no saneamento. É mais custoso levar água tratada a regiões menos adensadas, mas há soluções específicas por meio de empresas municipais que acabam não sendo adotadas”, diz.
Não é o caso de São José do Rio Preto, afirma o engenheiro Nicanor Batista Junior, superintendente do Serviço Municipal Autônomo de Água e Esgoto (Semae). “Na década de 1990, a cidade tinha 350 mil habitantes, e apenas 3% eram atingidos pela rede de esgoto. Hoje, já atingimos a meta de universalização dos serviços prevista pelo Marco do Saneamento, com 100% no tratamento de água e 94% na coleta de esgoto. Provamos que uma empresa pública tem tanta capacidade e eficiência quanto uma empresa concessionada. Basta ter uma gestão profissional”, comemora.
Frente a um investimento médio anual na faixa de R$ 292,4 milhões entre 2017 e 2021, o município paulista girou a torneira no início dos anos 2000, com a criação da Semae, montada em um modelo de governança e formada por cursos técnicos e cargos comissionados. “Temos 450 mil habitantes e estrutura para atender 600 mil pessoas”, destaca o engenheiro.
Entretanto, nada aconteceu da noite para o dia. Segundo Junior, os trabalhos iniciais priorizaram o tratamento e a distribuição de água, por meio da perfuração de poços e interligação de sistemas. “Modernizamos a estação de tratamento e construímos um laboratório para análise diária”, afirma. O segundo passo foi a construção da estação de tratamento de esgoto, que consumiu investimentos de R$ 400 milhões. Ao longo dos anos, a prefeitura investiu na modernização dos equipamentos (em especial, as bombas e os motores) e na troca de hidrômetros, visando a reduzir as perdas e atingir as áreas rurais. O próximo desafio é implantar uma rede adutora de cerca de 50 quilômetros do rio Grande até o município, projetando um cenário quando Rio Preto atingir 1 milhão de habitantes. O investimento estimado é de R$ 1 bilhão, entre recursos próprios e financiamento.
Segundo a presidente do Trata Brasil, casos como o de São José do Rio Preto tendem a se tornar mais frequentes nos próximos anos, à medida que avancem as obras previstas pelo Marco Saneamento, com R$ 130 bilhões de investimentos até 2033. “Há estudos que dizem ser necessários cerca de R$ 700 bilhões para a universalização dos serviços”, informa. Nos últimos anos, o estudo anual detectou significativa evolução nos investimentos em alguns municípios, como Cuiabá (MT), Campo Grande (MS), Taboão da Serra (SP) e Nova Iguaçu (RJ).
A falta de acesso à água potável impacta quase 35 milhões de pessoas e cerca de 100 milhões de brasileiros não possuem acesso à coleta de esgoto, refletindo em problemas na saúde da população que diariamente sofrem, hospitalizadas por doenças de veiculação hídrica. Os dados do Trata Brasil apontam que o país ainda tem grandes dificuldades com o tratamento do esgoto, do qual somente 51,20% do volume gerado é tratado – isto é, mais de 5,5 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento são despejadas na natureza diariamente.