“O Rio Amazonas tem sido o pai e a mãe da rede de esgotos de Macapá”, resume o líder comunitário Ildefonso Silva, ao comentar a situação da rede sanitária da capital do Amapá. Acidade amarga a pior situação do País em relação ao saneamento. Apenas 37,56% da população local têm acesso regular à água potável e 10,76% são atendidos por rede de esgoto.
Os danos provocados pelo esgoto despejado no maior rio em volume de água do mundo é uma parte da difícil situação vivida no dia a dia pelos macapaenses, que sofrem com a histórica falta de investimentos no setor. Com cerca de 520 mil habitantes, segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o gasto anual médio em saneamento básico em Macapá é de apenas R$ 11,25 por pessoa, mostra o Ranking de Saneamento 2022, elaborado pelo Instituto Trata Brasil, que inclui os dados que abrem esta reportagem. Para efeitos de comparação, na cidade de São Paulo, a maior do País e com mais de 12 milhões de habitantes, o gasto é de R$ 180,97, aponta o estudo.
“A carência em saneamento provoca reflexos diretos na saúde da população, com aumento de casos de diarreia, febre tifoide e outros problemas”, diz Silva, que se divide entre Macapá, onde estuda, e Laranjal do Jari, no interior do Amapá, onde mora sua família. Diretor da Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam), ele conta o perrengue diário dos conterrâneos em todo o Estado do Amapá, que tem 16 municípios – todos com problemas semelhantes à capital em relação ao atendimento precário em saneamento básico.
Na capital, um dos grandes problemas, conta Silva, é que cerca de 40% dos moradores de Macapá vivem em áreas de ressacas (regiões de lagos e rios) e montam as casas em cima de palafitas rudimentares, inclusive sobre o Rio Amazonas, que banha a cidade e acaba recebendo todo tipo de esgoto in natura, a maior parte em ligações clandestinas. “Como as pessoas não têm onde morar, acabam construindo suas palafitas nos locais de ressaca”, lamenta.
Para contornar a falta de fornecimento de água potável, uma das práticas mais comuns, inclusive em bairros de classe média, é a abertura de poços chamados de “amazonas”. Conhecidos no Sul e no Sudeste do País como “poços caipiras”, trata-se de um poço simples, raso, escavado manualmente até encontrar o primeiro lençol freático de água. A profundidade de um poço deste tipo geralmente não chega a 20 metros, e as técnicas de perfuração e captação de água são bem mais rústicas do que um poço artesiano.
“Muitas vezes, o poço é escavado manualmente pelo próprio morador”, detalha Silva. Em bairros mais abastados, afirma, o poço caseiro é necessário porque, apesar da existência da rede de distribuição, geralmente a água não chega às torneiras, em especial nos períodos de seca. Outro agravante é o volume de fossas sanitárias espalhadas pela cidade, que acaba contaminando o lençol freático que abastece os poços.
Reflexo disso, o consumo de água mineral no Amapá é grande, principalmente na capital. “Não se trata de um luxo”, observa Silva, mas uma necessidade da população. O garrafão de 20 litros de água mineral na capital amapense custa em torno de R$ 6. Em Laranjal do Jari, que fica a aproximadamente 300 quilômetros dali, o mesmo garrafão é vendido entre R$ 12 e R$ 15.
A situação de Macapá se estende por todo o Estado, cuja população atual é estimada em 880 mil habitantes, segundo o IBGE. “Apenas 36% da população possuem acesso ao abastecimento de água, e praticamente todo o Estado não dispõe de sistema de coleta e tratamento eficaz de esgoto sanitário”, afirma José Airton Rodrigues, presidente da Concessionária de Saneamento do Amapá (CSA).
Em setembro do ano passado, uma concessionária privada, liderada pela Equatorial Energia, venceu o leilão para a concessão dos serviços da Companhia de Água e Esgoto do Amapá (Caesa) em todos os municípios, incluindo a capital. O valor da oferta foi de R$ 930 milhões, e o contrato tem duração de 35 anos. Os estudos e o modelo de concessão foram coordenados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e supervisionados pelo governo estadual.
Os serviços da Equatorial estão em fase de operação assistida até julho, quando o grupo privado assumirá integralmente a concessão. O trabalho não será fácil. “Apenas uma pequena parcela da população tem o esgoto coletado, sendo que um dos grandes desafios será prover investimentos nos sistemas de água e esgoto para atingir a universalização e reduzir o índice de perdas de água, que hoje gira em torno de 75%”, informa Rodrigues, da CSA.
Para atingir a meta, estão previstos, segundo a Equatorial, R$ 3 bilhões em investimentos ao longo do período de concessão, dos quais R$ 1 bilhão será aplicado nos próximos cinco anos. O valor será utilizado em obras de infraestrutura sanitária, como expansão das redes de abastecimento de água e coleta de esgoto, estações de tratamento, reservatórios e recuperação dos sistemas atuais, entre outras intervenções. A previsão da concessionária é atingir a universalização da coleta de esgoto em todo o Amapá em até 17 anos, e do abastecimento de água, nos próximos 11 anos. As perdas do recurso natural devem ser reduzidas para 30% em até nove anos.
Dos dez piores municípios em saneamento básico do País, seis estão localizados na Região Norte: Macapá (AP), Porto Velho (RO), Santarém (PA), Rio Branco (AC), Belém (PA) e Ananindeua (PA). Os outros que constam da lista dos dez piores são Maceió (AL), Gravataí (RS), Várzea Grande (MT) e São Gonçalo (RJ). Os dados são da 14ª edição do Ranking do Saneamento, que confirma a gravidade da situação da região em relação ao saneamento básico.
O estudo, que analisou a situação dos cem maiores municípios localizados em todo o território nacional com base nas informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ano 2020, indica que o Brasil melhorou discretamente nos últimos anos. Contudo, o caminho para atingir a universalização do atendimento ainda é longo.
Em relação à rede de água potável, 84,1% da população brasileira, em média, têm água na torneira em suas casas. Os municípios mais bem colocados são Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS), Campo Grande (MS) e São Bernardo do Campo (SP). Todos fornecem água a 100% de seus habitantes. Na outra ponta, os piores são Porto Velho (RO), com apenas 32,8% da população atendidos com rede de água consolidada; Ananindeua, no Pará, com 33,8%; Macapá (AP), com 37,5% do total; e Santarém, no Pará, com 50,9%.
Quando o assunto é esgoto, 54,9% da população brasileira, em média, contam com coleta. Apenas dois municípios analisados, Piracicaba e Bauru, ambas no interior paulista, atendem 100% da população com coleta de esgoto e 34 cidades têm coleta superior a 90% dos habitantes. Do total de esgoto coletado, apenas 50,75% recebem o procedimento adequado em estações de tratamento antes de serem devolvidos à natureza.
Em Santarém, uma das principais cidades paraenses, o serviço de coleta de esgoto atende apenas 4,1% dos 300 mil habitantes, o pior índice do País. Em relação à situação do saneamento na cidade, a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), por meio de nota, explica que os dados utilizados na pesquisa do Trata Brasil são de 1995 a 2020. “Portanto, ainda não refletem as ações iniciadas pela atual gestão do governo estadual. A partir de 2019, a Cosanpa retomou 13 projetos parados e iniciou novas obras nos municípios paraenses. Belém, Ananindeua e Santarém estão entre eles. Mais de R$ 1 bilhão está sendo investido pela Companhia”, diz a nota emitida pela assessoria de imprensa.