Sem água, nem esgoto

20 de junho de 2022

“O Rio Amazonas tem sido o pai e a mãe da rede de esgotos de Macapá”, resume o líder comunitário Ildefonso Silva, ao comentar a situação da rede sanitária da capital do Amapá. Acidade amarga a pior situação do País em relação ao saneamento. Apenas 37,56% da população local têm acesso regular à água potável e 10,76% são atendidos por rede de esgoto.

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Os danos provocados pelo esgoto despejado no maior rio em volume de água do mundo é uma parte da difícil situação vivida no dia a dia pelos macapaenses, que sofrem com a histórica falta de investimentos no setor. Com cerca de 520 mil habitantes, segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o gasto anual médio em saneamento básico em Macapá é de apenas R$ 11,25 por pessoa, mostra o Ranking de Saneamento 2022, elaborado pelo Instituto Trata Brasil, que inclui os dados que abrem esta reportagem. Para efeitos de comparação, na cidade de São Paulo, a maior do País e com mais de 12 milhões de habitantes, o gasto é de R$ 180,97, aponta o estudo.

“A carência em saneamento provoca reflexos diretos na saúde da população, com aumento de casos de diarreia, febre tifoide e outros problemas”, diz Silva, que se divide entre Macapá, onde estuda, e Laranjal do Jari, no interior do Amapá, onde mora sua família. Diretor da Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam), ele conta o perrengue diário dos conterrâneos em todo o Estado do Amapá, que tem 16 municípios – todos com problemas semelhantes à capital em relação ao atendimento precário em saneamento básico.

Na capital, um dos grandes problemas, conta Silva, é que cerca de 40% dos moradores de Macapá vivem em áreas de ressacas (regiões de lagos e rios) e montam as casas em cima de palafitas rudimentares, inclusive sobre o Rio Amazonas, que banha a cidade e acaba recebendo todo tipo de esgoto in natura, a maior parte em ligações clandestinas. “Como as pessoas não têm onde morar, acabam construindo suas palafitas nos locais de ressaca”, lamenta.

Para contornar a falta de fornecimento de água potável, uma das práticas mais comuns, inclusive em bairros de classe média, é a abertura de poços chamados de “amazonas”. Conhecidos no Sul e no Sudeste do País como “poços caipiras”, trata-se de um poço simples, raso, escavado manualmente até encontrar o primeiro lençol freático de água. A profundidade de um poço deste tipo geralmente não chega a 20 metros, e as técnicas de perfuração e captação de água são bem mais rústicas do que um poço artesiano.

“Muitas vezes, o poço é escavado manualmente pelo próprio morador”, detalha Silva. Em bairros mais abastados, afirma, o poço caseiro é necessário porque, apesar da existência da rede de distribuição, geralmente a água não chega às torneiras, em especial nos períodos de seca. Outro agravante é o volume de fossas sanitárias espalhadas pela cidade, que acaba contaminando o lençol freático que abastece os poços.

Reflexo disso, o consumo de água mineral no Amapá é grande, principalmente na capital. “Não se trata de um luxo”, observa Silva, mas uma necessidade da população. O garrafão de 20 litros de água mineral na capital amapense custa em torno de R$ 6. Em Laranjal do Jari, que fica a aproximadamente 300 quilômetros dali, o mesmo garrafão é vendido entre R$ 12 e R$ 15.

A situação de Macapá se estende por todo o Estado, cuja população atual é estimada em 880 mil habitantes, segundo o IBGE. “Apenas 36% da população possuem acesso ao abastecimento de água, e praticamente todo o Estado não dispõe de sistema de coleta e tratamento eficaz de esgoto sanitário”, afirma José Airton Rodrigues, presidente da Concessionária de Saneamento do Amapá (CSA).

Esperança de melhorias

Em setembro do ano passado, uma concessionária privada, liderada pela Equatorial Energia, venceu o leilão para a concessão dos serviços da Companhia de Água e Esgoto do Amapá (Caesa) em todos os municípios, incluindo a capital. O valor da oferta foi de R$ 930 milhões, e o contrato tem duração de 35 anos. Os estudos e o modelo de concessão foram coordenados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e supervisionados pelo governo estadual.

Os serviços da Equatorial estão em fase de operação assistida até julho, quando o grupo privado assumirá integralmente a concessão. O trabalho não será fácil.  “Apenas uma pequena parcela da população tem o esgoto coletado, sendo que um dos grandes desafios será prover investimentos nos sistemas de água e esgoto para atingir a universalização e reduzir o índice de perdas de água, que hoje gira em torno de 75%”, informa Rodrigues, da CSA.

Para atingir a meta, estão previstos, segundo a Equatorial, R$ 3 bilhões em investimentos ao longo do período de concessão, dos quais R$ 1 bilhão será aplicado nos próximos cinco anos. O valor será utilizado em obras de infraestrutura sanitária, como expansão das redes de abastecimento de água e coleta de esgoto, estações de tratamento, reservatórios e recuperação dos sistemas atuais, entre outras intervenções. A previsão da concessionária é atingir a universalização da coleta de esgoto em todo o Amapá em até 17 anos, e do abastecimento de água, nos próximos 11 anos. As perdas do recurso natural devem ser reduzidas para 30% em até nove anos.

Avanço insuficiente

Dos dez piores municípios em saneamento básico do País, seis estão localizados na Região Norte: Macapá (AP), Porto Velho (RO), Santarém (PA), Rio Branco (AC), Belém (PA) e Ananindeua (PA). Os outros que constam da lista dos dez piores são Maceió (AL), Gravataí (RS), Várzea Grande (MT) e São Gonçalo (RJ). Os dados são da 14ª edição do Ranking do Saneamento, que confirma a gravidade da situação da região em relação ao saneamento básico.

O estudo, que analisou a situação dos cem maiores municípios localizados em todo o território nacional com base nas informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ano 2020, indica que o Brasil melhorou discretamente nos últimos anos. Contudo, o caminho para atingir a universalização do atendimento ainda é longo.

Para contornar a falta de fornecimento de água potável, uma das práticas mais comuns em Macapá, inclusive em bairros de classe média, é a abertura de poços escavados manualmente.

Em relação à rede de água potável, 84,1% da população brasileira, em média, têm água na torneira em suas casas. Os municípios mais bem colocados são Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS), Campo Grande (MS) e São Bernardo do Campo (SP). Todos fornecem água a 100% de seus habitantes. Na outra ponta, os piores são Porto Velho (RO), com apenas 32,8% da população atendidos com rede de água consolidada; Ananindeua, no Pará, com 33,8%; Macapá (AP), com 37,5% do total; e Santarém, no Pará, com 50,9%.

Quando o assunto é esgoto, 54,9% da população brasileira, em média, contam com coleta. Apenas dois municípios analisados, Piracicaba e Bauru, ambas no interior paulista, atendem 100% da população com coleta de esgoto e 34 cidades têm coleta superior a 90% dos habitantes. Do total de esgoto coletado, apenas 50,75% recebem o procedimento adequado em estações de tratamento antes de serem devolvidos à natureza.

Em Santarém, uma das principais cidades paraenses, o serviço de coleta de esgoto atende apenas 4,1% dos 300 mil habitantes, o pior índice do País. Em relação à situação do saneamento na cidade, a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), por meio de nota, explica que os dados utilizados na pesquisa do Trata Brasil são de 1995 a 2020. “Portanto, ainda não refletem as ações iniciadas pela atual gestão do governo estadual. A partir de 2019, a Cosanpa retomou 13 projetos parados e iniciou novas obras nos municípios paraenses. Belém, Ananindeua e Santarém estão entre eles. Mais de R$ 1 bilhão está sendo investido pela Companhia”, diz a nota emitida pela assessoria de imprensa.

A ÍNTEGRA DESTE CONTEÚDO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #470 IMPRESSA DA REVISTA PB. PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE A VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH E REVISTARIAS.

Marcus Lopes Joélson Buggilla
Marcus Lopes Joélson Buggilla