Caminho obscuro à diplomacia

01 de setembro de 2023

A concretização de rumos preocupantes nas conjunturas política e econômica mundiais, nos últimos anos, tem testado os limites do bloco de cooperação internacional formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (Brics), acendendo um sinal de alerta acerca da capacidade de controle do Brasil sobre qualquer posicionamento do grupo em temas geopolíticos.

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Na cúpula do bloco, ocorrida em agosto de 2023, em Joanesburgo, na África do Sul, o País perdeu a oportunidade de direcionar o debate para temas de interesse em comum.

A entrada de novos membros, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Argentina, Egito e Etiópia, a partir de 2024, pode diluir ainda mais o poder de influência e de barganha do Brasil no grupo. Isso acontece porque o ingresso de novos integrantes pode pressionar o País a ter de referendar decisões com as quais não concorda, adverte o Conselho de Relações Internacionais da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). O Brics se formou, no início da década passada, com o propósito de encaminhar propostas específicas de interesse comum entre os países signatários, concentrando-se em demandas distantes de conflitos diplomáticos ou bélicos.

Contudo, de lá para cá, duas situações decisivas mudaram essa configuração: o início de uma forma mais intensa e agressiva de “guerra tecnológica” entre Estados Unidos (EUA) e China, culminando com o radical Chip Act — a alocação de bilhões de dólares na produção de semicondutores em solo norte-americano —, e a invasão da Ucrânia pela Rússia. Agora, com metade dos países signatários do Brics envolvida em conflitos profundos (que dividem o mundo), o grupo assumiu um formato muito perigoso. A questão primordial que fica ao Brasil é ponderar se vale a pena assumir um posicionamento a respeito do conflito entre as duas maiores potências mundiais, além de adotar uma postura pró-Rússia, o que seria desastroso tanto em termos diplomáticos quanto humanitários. Nesse contexto, o desafio atual do País é, sobretudo, buscar evitar qualquer atitude que afete as relações com nações que estejam em conflito com outros integrantes do bloco.

Mas como fazer isso?  Concentrando-se em temas prioritários e de suma importância para todos os membros do Brics no momento, como desenvolvimento humano, combate à pobreza, diminuição de barreiras alfandegárias, enfrentamento das mudanças climáticas e promoção de energias limpas.

Moeda única de negociação

Outro aspecto crítico presente nessa discussão é a facilitação das trocas comerciais entre países utilizando as respectivas moedas. A redução da dependência do dólar nessas transações pode ser benéfica, especialmente para países como o Brasil e a China, que sofrem com as flutuações da moeda norte-americana, impactando os seus negócios bilaterais. No entanto, a ideia de uma moeda única ainda é distante.

Para que essa proposta seja considerada, seria necessário haver uma convergência quase obrigatória em termos de condições macroeconômicas, incluindo níveis de dívida, déficits e modelos cambiais (como a livre conversibilidade das moedas). Nesse caso, as condições macroeconômicas dos países-membros do bloco (e dos novos convidados) são extremamente díspares.

Sendo assim, o Brics deve concentrar esforços na promoção do crescimento de seus países-membros. Só assim valerá a pena investir algum tempo da nossa diplomacia, enfatiza o conselho da FecomercioSP. O grande perigo é que o grupo se fortaleça como um bloco antagônico em relação aos EUA e ao mundo ocidental. Não há vantagem para o Brasil em adotar essa postura. Portanto, a diplomacia nacional deve rejeitar essa possibilidade de forma clara.

Wesley Damiani Maria Fernanda Gama
Wesley Damiani Maria Fernanda Gama