Liderança regional, relevância global

06 de janeiro de 2023

O Brasil precisa definir com clareza sua política externa se quiser voltar a ter relevância no cenário internacional. A estratégia passa pela retomada de relações mais intensas com os vizinhos e a busca por liderança na América do Sul, abandonada nos últimos anos.

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A trajetória recente do País mostra que a região teve uma oportunidade histórica para a construção de arranjos regionais bem-sucedidos. No entanto, a chance foi desperdiçada por uma estigmatização destes arranjos como “ideológicos de esquerda”, segundo observa Fernanda Cimini, pesquisadora sênior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Ela é uma das autoras do artigo A hora da diplomacia brasileira voltar a priorizar o seu entorno regional, publicado recentemente pelo Cebri.

Por décadas, o Brasil promoveu esforços de aproximação com outras nações da América do Sul, com diferentes graus de intensidade, dependendo do momento. Tais iniciativas resultaram, por exemplo, na criação do Mercosul, na década de 1990, da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), nos anos 2000, e em articulações conjuntas para atuar frente a outros blocos e potências, bem como em instituições multilaterais.

Ações neste sentido começaram a perder força nos últimos anos quando o governo atual passou a pautar a política externa mais por afinidades ideológicas do que pelos interesses de longo prazo do Estado nacional. “A polarização política não deveria ser levada à política externa, pois é um jogo de soma zero. O Brasil é um país complexo e grande o suficiente para ter relações diversificadas, com os Estados Unidos ou outras potências, bilaterais ou multilaterais”, avalia a professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), Janina Onuki.

Mais semelhanças do que diferenças

Durante um bom tempo, as políticas internacionais adotadas pelos governos do PSDB, com Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), e do PT, com Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), foram julgadas como opostas. Segundo os críticos, as ações tucanas andavam muito a reboque dos países desenvolvidos; e as petistas eram tachadas de “terceiro-mundistas”, voltadas a nações em desenvolvimento.

Com o advento do bolsonarismo, tais diferenças começaram a ser vistas quase como irrelevantes e não excludentes, pois ambas apostavam no multilateralismo e nas boas relações com outros países de forma geral. Fernando Henrique não deixou de fomentar o diálogo com nações em desenvolvimento, especialmente as da América do Sul, e Lula manteve boa interação com os países desenvolvidos.

“Fica claro, hoje, que o que pareciam ser diferenças gigantescas se mostraram muito mais incrementais. Havia mais similaridades do que diferenças”, observa Leonardo Paz, analista do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV NPII). Foi necessário um “cavalo de pau” na diplomacia brasileira para tornar evidente que as discrepâncias não eram tão grandes. Atualmente, é possível ver que o embate anterior ao governo Bolsonaro era muito mais motivado por razões políticas – o contraponto entre situação e oposição –, do que por diferenças de concepções irreconciliáveis.

Consenso necessário

A falta de clareza de objetivos da política externa ajudou a aprofundar o embate. Da mesma forma, o governo atual utiliza as relações internacionais para marcar posição contra administrações anteriores. E como não há um consenso entre as elites política, econômica e acadêmica sobre os rumos da diplomacia brasileira – e as relações internacionais são um assunto alheio ao dia a dia da maioria da população –, a opinião pública vira presa fácil para discursos diversionistas, inclusive por meio de desinformação. 

Os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para projetos no exterior são um bom exemplo. Eles continuaram a ser usados por Bolsonaro como prova de má gestão por parte de seus adversários e de alinhamento com ditaduras de esquerda.

O apoio a projetos de desenvolvimento é uma das principais ações de soft power utilizadas por potências para ganhar relevância em outros países. Os Estados Unidos fazem isso com frequência, assim como a União Europeia e a China. Além de atrair a simpatia do beneficiário para suas causas, o financiador promove exportações de seus produtos e serviços.

“Contudo, num país desigual como o Brasil, fica difícil entender como isso funciona”, comenta Paz. É difícil explicar para a população que uma nação com tantas carências tenha condições de financiar empreendimentos no exterior. Isso dificulta pretensões de liderança regional, pois se espera que potências paguem parte da conta do desenvolvimento.

“A polarização política não deveria ser levada à política externa, pois é um jogo de soma zero. O Brasil é um país complexo e grande o suficiente para ter relações diversificadas.” Janina Onuki, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP)

Os Estados Unidos, a União Europeia e a China têm entendimento de seus objetivos em política externa e seguem estratégias de longo prazo, com maior ou menor intensidade. Exceções feitas aos solavancos recentes no primeiro, quando o ex-presidente Donald Trump fez o país romper temporariamente com o multilateralismo, e ao Brexit, na Europa. A China, por sua vez, vem desde 2013 se tornando cada vez mais agressiva no front externo, sob o comando de Xi Jinping. Agora reconduzido a um terceiro mandato, um líder “turbinado” pelo acúmulo de poder deve investir ainda mais nas competições geopolítica, econômica e tecnológica com os Estados Unidos.

“Se esta elite entender o papel de bancos públicos de desenvolvimento na internacionalização de empresas e na geopolítica, pode ser que compreendam a estratégia. Basta ver o que a Alemanha ou os Estados Unidos fizeram ao longo do século 20, ou ver como a China tem conquistado liderança na África atualmente”, observa Fernanda, do Cebri.

De perfil outrora conciliador, o Itamaraty tinha boa capacidade de articulação com outros países e obteve sucesso em inserir o Brasil no protagonismo das discussões de grandes temas internacionais, como as negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e as discussões climáticas, a exemplo da influência na conclusão do Acordo de Paris, em 2015. “O Brasil é sempre chamado para os pactos, pois dá legitimidade aos processos”, ressalta Janina, da USP. A influência do País nos fóruns globais, porém, depende de articulações ativas.

A ÍNTEGRA DESTE CONTEÚDO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #473 IMPRESSA DA REVISTA PB. PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE A VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH E REVISTARIAS.

Alexandre Rocha Maria Fernanda Gama
Alexandre Rocha Maria Fernanda Gama