João Pereira Coutinho, cientista político e escritor português, dá sequência à série de entrevistas Duas gerações de Brasil: de onde viemos e para onde vamos, produzida pelo Canal UM BRASIL e a Revista Problemas Brasileiros (PB) durante a BRASA EuroLeads 2023, em Lisboa.
Há uma pergunta que tem marcado cada vez mais presença no Brasil, nos Estados Unidos e em várias outras nações que passaram por algum governo mais à direita (ou até mesmo à extrema direita): o período que vivemos realmente representa uma guinada ao conservadorismo?
Na análise de João Pereira Coutinho, cientista político e escritor português, esse conservadorismo que se faz presente tem aspectos reacionários e é essencialmente “iliberal”, ou seja, “lida muito mal com a democracia liberal e com tudo o que ela implica: instituições independentes, liberdade de expressão e formalidades institucionais que garantam que a democracia não seja apenas uma vontade da maioria”.
Em entrevista, Coutinho ressalta que o conceito de conservadorismo em si não é uniforme: existem as declinações liberal, reacionária e, até mesmo, revolucionária. Na conversa com Renato Galeno, ele apresenta alguns fatores que levaram a este ambiente e suas consequências à sociedade.
O tipo de conservadorismo em voga no mundo é mais revanchista e tende a ter uma grande proeminência em momentos de crise, em vários períodos históricos, tal como na Revolução Francesa e, mais tarde, com o nacionalismo francês no fim do século 19. “Neste momento, acontece nos Estados Unidos. Esse conservadorismo nacionalista chega ao extremo de achar que o importante casamento entre o conservadorismo e o liberalismo – sobretudo durante a Guerra Fria, diante de um inimigo comum – já não tem mais sentido. Agora, os inimigos são o liberalismo, as instituições independentes e o Poder Judiciário”, pondera.
Esta transformação que o cientista político comenta ocorre em um momento no qual o conservadorismo – em sua forma mais clássica – perde espaço, em especial na Europa. “Os conservadores liberais tradicionais foram sendo ‘esmagados’ pela direita radical. Já observamos isso em vários momentos na história. Contudo, a perdição para os conservadores liberais só acontece quando passam verdadeiramente a defender o mesmo que as extremas direitas radicais. São eles que mais têm a perder se tentar imitar aquilo que os radicais fazem melhor.”
Uma das coisas que explica como chegamos até este ponto é o fato de que este século, desde a primeira década, é marcado por crises, e isso desgastou o relacionamento entre democracia liberal e crescimento econômico. Segundo Coutinho, o essencial do discurso reacionário se fortaleceu entre as duas grandes guerras a partir da ideia de que a democracia liberal havia falhado em dar resposta às necessidades das pessoas, de forma que era necessário um poder soberano forte, centralizado e antiparlamentar.
Apesar de ter gerado os horrores do século 20 em praticamente toda a Europa, esta linha de argumento retorna como um contraponto à forma como a democracia liberal lida com crises – e o que faz com eficiência é semear o “fracasso do liberalismo”.
Coutinho ressalta que algo muito comum na América Latina, sobretudo no Brasil, é a defesa do liberalismo econômico pelos integrantes mais engajados dos movimentos reacionários. Um dos fenômenos do continente, de acordo com o cientista político, é que até mesmo liberais proeminentes acreditam que o liberalismo econômico depende de um governo forte, centralizado e autoritário. “Eles esquecem que o liberalismo não começou pela economia, mas pela política, pelo princípio de que ninguém está acima da lei, de que o poder deve ser limitado e que não existe um ser humano com onipotência suficiente para governar toda uma comunidade.”
Assista à entrevista na íntegra: