COP27: expectativas frustradas

13 de dezembro de 2022

Numa conferência em que a ambição dos países em reduzir as emissões de gases de efeito estufa não avançou, tampouco a esperada implementação de compromissos já assumidos, a presença do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), acabou sendo um dos pontos altos da COP27, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Sharm El Sheikh, no Egito, em novembro.

A

Após prometer inserir o clima e o meio ambiente na pauta central do seu futuro governo – e assumir compromisso com o desmatamento zero –, Lula animou ativistas e especialistas, atraindo os holofotes da imprensa.

O presidente eleito criou perspectiva de retorno do Brasil à condição de protagonista na agenda climática internacional e esperança de o País dar um impulso renovado ao tema. Por fatores geopolíticos e econômicos, neste ano, a questão climática ficou em segundo plano entre as prioridades de diferentes países.

“Numa COP tão técnica para cobertura, para a imprensa, o Lula acabou dando uma mexida”, afirma Guarany Osório, coordenador do Programa Política e Economia Ambiental do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces), que esteve presente na conferência. “O futuro presidente já pisou onde o atual nunca pisou, o que atraiu os holofotes para ele”, acrescenta.

Jair Bolsonaro (PL) não participou de nenhuma COP durante o seu mandato, cancelou a realização da COP25 no Brasil, em 2019, fragilizou os órgãos ambientais e o desmatamento cresceu. Lula, por sua vez, ofereceu o País como sede da COP30, em 2025.

“O governo Bolsonaro se colocou de forma orgulhosa como pária. Assim, nunca apitou nada e foi ignorado nas convenções do clima”, observa Ana Toni, senior fellow do Núcleo de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), que também participou da COP. “Lula tem trajetória no debate do clima e priorizou o combate ao desmatamento na campanha, em seu primeiro discurso e agora na COP. Ele demonstrou envolvimento com a temática e provavelmente foi a coisa mais interessante da COP”, comenta.

Contexto brasileiro

Por aqui, a principal causa das emissões são as mudanças no uso do solo, especialmente o desmatamento. O desflorestamento libera carbono na atmosfera e ainda reduz a capacidade da floresta de absorver o dióxido de carbono.

Especialistas acreditam que o próximo governo tem condições de cumprir os compromissos que assumiu, pois os instrumentos existem e, no passado, o desmatamento foi radicalmente reduzido. Nos dois primeiros mandatos de Lula, de 2003 a 2010, o desflorestamento da Amazônia caiu mais de 70%, ao passo que, sob Bolsonaro, subiu quase na mesma proporção.

“Os instrumentos estão aí, não precisa inventar nada, mas é necessário investir e ter vontade política”, ressaltou Osório, da FGV. Isso significa que é essencial fortalecer órgãos de controle, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Recursos

“Como resultado [da participação de Lula na COP], ao que tudo indica, haverá um aumento de recursos dos países da Europa em programas de proteção à floresta amazônica no nível de alguns bilhões de dólares, o que é uma boa notícia”, afirmou, em artigo recente, o professor José Goldemberg, ex-secretário nacional do Meio Ambiente e presidente do Conselho de Sustentabilidade e do Comitê de Energia da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

Noruega e Alemanha sinalizaram que vão retomar os repasses ao Fundo Amazônia, com o objetivo de financiar projetos de preservação da floresta e de desenvolvimento sustentável – o fundo está paralisado desde 2019, quando Bolsonaro extinguiu dois comitês de governança do instrumento.

Atualmente, há R$ 3,2 bilhões parados no fundo. No início de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a União reative o mecanismo no prazo de 60 dias. Além de atrair recursos, ao combater o desmatamento, o País evita retaliações comerciais. Em 6 de dezembro, a União Europeia aprovou uma nova regulamentação para barrar a entrada, no bloco, de produtos originários de áreas desmatadas em biomas como a Amazônia e a Mata Atlântica após de 31 de dezembro de 2020, mesmo que legalmente. A restrição atinge commodities como carne bovina, soja e café, itens largamente produzidos no Brasil.

A depredação ambiental é uma ameaça também ao enorme potencial do País na geração de receitas com créditos de carbono. Segundo o último levantamento da consultoria WayCarbon, em parceria com a representação no Brasil da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), a oferta nacional pode chegar a US$ 120 bilhões até 2030 e responder por 48,7% da demanda mundial, segundo o cenário mais otimista traçado pela pesquisa, divulgada em outubro.

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Articulação

A postura adotada pelo futuro presidente aponta para uma reconciliação entre governo e sociedade civil. Nos últimos anos, Organizações Não Governamentais (ONGs) e ativistas deixaram de ser convidados a integrar as delegações oficiais às COPs, segregando a participação do País nas conferências.

“A sociedade civil foi a verdadeira diplomacia do Brasil nos passados quatro anos”, avalia Ana, do Cebri. O Brasil teve três estandes na COP27, um da sociedade civil – o Brazil Climate Hub –, outro dos Estados da Amazônia Legal e o do governo federal. “A ida de Lula ao hub da sociedade civil foi simbólica. Ele reconhece o papel fundamental da sociedade civil, ampla e diversa, na resistência e na representação do País [nos últimos anos]”, acrescenta ela.

Neste sentido, Ana acredita que o Brasil voltará a atuar de maneira mais articulada nos fóruns climáticos internacionais, mesmo que cada segmento – governo, sociedade civil e iniciativa privada – mantenha a própria autonomia.

Perdas e danos

As negociações da COP sofreram com o aparecimento de novos desafios no front internacional. “A gravidade da crise financeira e a guerra na Ucrânia – que são problemas que requerem atenção urgente – reduziram o interesse em problemas de longo prazo, como o aquecimento global”, comenta Goldemberg.

Neste cenário, despontou a criação de um fundo de perdas e danos climáticos para nações vulneráveis, uma reivindicação antiga de países em desenvolvimento que foi aprovada nas derradeiras horas da conferência. A lógica por trás do mecanismo é que os países mais industrializados são os principais responsáveis pelo aquecimento global, mas são os mais pobres que sofrem as piores consequências. As inundações catastróficas ocorridas no Paquistão, em setembro, serviram como pressão para a aprovação.

Apesar de ter havido concordância para criar o fundo, a sua regulamentação e as formas de financiamento ficaram para depois. “O novo mecanismo deverá ser regulamentado até a próxima COP [28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos], em 2023, mas existem muitas dúvidas sobre os países que contribuirão para ele. A participação dos Estados Unidos e da China é considerada essencial. Este foi o único resultado concreto da COP27”, observa Goldemberg, da FecomercioSP.

A reunião no Egito era aguardada como a “COP da implementação”, mas, neste quesito, ficou aquém do desejado. Não houve aumento das metas de redução de emissões por países, nem comprometimento com a redução do uso de combustíveis fósseis específicos, como havia ocorrido com o carvão na COP26, em Glasgow, na Escócia, em 2021. A invasão da Ucrânia pela Rússia gerou uma crise energética na Europa e solapou avanços na área.

Também não ocorreram avanços na questão do financiamento para o clima. Além disso, a regulamentação do mercado de carbono, principal tema destravado na COP26, ainda não foi concluída. “O que foi desapontador”, classifica Goldemberg. Na seara do financiamento climático, as nações desenvolvidas haviam se comprometido a destinar US$ 100 bilhões por ano, de 2020 a 2025, ao combate às mudanças climáticas. O valor ainda não passou de US$ 83 bilhões anuais.

Despontou a criação de um fundo de perdas e danos climáticos para nações vulneráveis, uma reivindicação antiga de países em desenvolvimento. A lógica por trás do mecanismo é que os países mais industrializados são os principais responsáveis pelo aquecimento global, mas são os mais pobres que sofrem as piores consequências.

Plano

A declaração final da COP27 destacou, porém, que a transição mundial para um modelo econômico de baixo carbono vai demandar investimentos de US$ 4 trilhões a US$ 6 trilhões ao ano. O texto ainda conclama os bancos multilaterais de desenvolvimento a mobilizar recursos para o combate às mudanças climáticas.

Na avaliação de Goldemberg, a ênfase da agenda climática passou a ser em adaptação às mudanças climáticas, e não mais em sua mitigação. “De forma geral, foram tímidos os resultados da COP”, endossa Osório.

Ana Toni, no entanto, vê pontos positivos além da criação do fundo de perdas e danos, dentre eles, o fato de o “Acordo de Paris ter saído de lá [da COP] robusto como entrou, apesar das crises geopolítica e econômica”. Isto é, foi mantido o objetivo de conter o aquecimento global a 1,5 grau acima dos níveis pré-industriais. A retomada do diálogo entre Estados Unidos e China, após suspensão de acordo na área Climática em agosto, também é vista como positiva pela pesquisadora. “Diante do cenário geopolítico, o Acordo de Paris sobreviveu, a COP ocorreu, os países conseguiram assinar uma carta conjunta e, ainda, foi aprovado o mecanismo de perdas e danos, uma reivindicação de muitos anos”, pondera

Alexandre Rocha Débora Faria
Alexandre Rocha Débora Faria